Entendendo a imunoterapia no tratamento do câncer

Cada paciente deve conversar com seu médico sobre as opções mais adequadas

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(foto: kjpargeter/Freepik)
Vamos discutir mais detalhadamente sobre imunoterapia e o papel único que nosso sistema imunológico desempenha na prevenção, controle e eliminação de vários tipos de câncer.

O que é imunoterapia?

A imunoterapia contra o câncer, também conhecida pela sigla IO (de tratamento imuno-oncológico), é uma forma de tratamento do câncer que usa o poder do próprio sistema imunológico do corpo para prevenir, controlar e eliminar o câncer.

A imunoterapia contra o câncer é disponível em uma variedade de formas, incluindo anticorpos direcionados, vacinas contra o câncer, transferência de células adotivas, vírus que infectam tumores, inibidores de checkpoint (pontos de checagem imunológicos), citocinas e adjuvantes.

As imunoterapias são uma forma de bioterapia (também chamada de terapia biológica ou terapia modificadora de resposta biológica - BRM) porque usam materiais de organismos vivos para combater doenças.

Alguns tratamentos de imunoterapia usam engenharia genética para aumentar as capacidades de combate ao câncer das células imunológicas e podem ser chamados de terapias genéticas. Muitos tratamentos de imunoterapia para prevenir, gerenciar ou tratar diferentes tipos de câncer também podem ser usados em combinação com cirurgia, quimioterapia, radiação ou terapias direcionadas para melhorar sua eficácia.

As substâncias imunoterápicas para o tratamento do câncer podem ser agrupadas em quatro grandes grupos: as citocinas, a imunoterapia celular passiva ou adotiva, as vacinas e, mais recentemente, os inibidores de proteínas dos pontos de checagem imunológica.

As citocinas são substância naturais, produzidas por células do próprio sistema imunológico humano, mas que podem ser sintetizadas em laboratório e administradas em doses elevadas a pacientes com alguns tipos de câncer, como o melanoma e o câncer renal.

As disponíveis para uso clínico são o interferon e a interleucina-2. O interferon é uma proteína produzida por linfócitos e fibroblastos, que interfere na replicação de vírus, bactérias e células tumorais, além de estimular a atividade de defesa de outras células. Já as interleucinas (incluindo-se a interleucina-2) são produzidas principalmente por linfócitos T, embora também possam ser sintetizadas por macrófagos e células teciduais.

As interleucinas possuem várias funções, mas a maioria delas está envolvida na ativação dos linfócitos e na indução da divisão de outras células, induzindo a expansão de linfócitos chamados de "natural killers", ou seja, assassinos naturais de agressores, como as células tumorais.

Embora tanto o interferon quanto a Interleucina-2 sejam comercialmente disponíveis desde o início dos anos 1990 para o tratamento do câncer renal e do melanoma, a alta toxicidade e a baixa eficácia de ambas as citocinas restringem sobremaneira o seu uso na prática oncológica. O impacto na sobrevida é questionável e usualmente o tratamento acaba por ser suspenso pelo elevado índice de efeitos colaterais. Adicionalmente, com o desenvolvimento dos inibidores de proteínas dos pontos de checagem imunológica, drogas estas muito mais eficazes, a tendência é que o emprego das citocinas fique cada vez mais restrito.

A imunoterapia adotiva ou passiva consiste na transferência de células imunes ativadas em laboratório e com atividade antitumoral para um hospedeiro portador de tumor. Entre exemplos desse tipo de estratégia, podemos citar:

- A transferência adotiva de linfócitos "killer" (assassinos) ativados por linfocinas (LAK, lymphokine-activated killer). Nesta abordagem, células linfóides oriundas do sangue periférico são obtidas de pacientes com câncer e subsequentemente ativadas e expandidas em laboratório mediante adição de interleucina. Em seguida, estas células são devolvidas ao paciente (em geral, acompanhadas da administração de doses elevadas de interleucina-2).

- Como alternativa ao uso de linfócitos do sangue periférico, pode-se utilizar a transferência adotiva de células linfóides que infiltram tumores (TIL, tumor-infiltrating lymphocytes) isoladas de infiltrados inflamatórios de nódulos tumorais extraídos. Embora tenha havido um entusiasmo inicial, estudos controlados não confirmaram benefício terapêutico da imunoterapia adotiva no tratamento do câncer.

As vacinas para o tratamento do câncer são a forma mais ativa de imunoterapia, porque agem especificamente em um tipo de tumor, estimulando assim o sistema imune a destruí-lo. Existem várias formas de vacinas antitumorais, como células ou mesmo lisados tumorais, além de peptídeos derivados de antígenos tumorais associados ou não a células dendríticas.

Pode-se também utilizar modificações genéticas das células tumorais que as levem a expressar moléculas de membrana que estimulam os linfócitosT, ou secretem citocinas. O alvo do tratamento com vacinas anticâncer é a indução de resposta imune antitumoral, o que pode propiciar assim a regressão tumoral ou das metástases.

Diferentemente da resposta da quimioterapia a qual resulta na ra%u0301pida morte celular, a resposta clínica das vacinas depende do sistema imune, levando às vezes va%u0301rios meses para ser obtida. Embora haja inúmeros estudos e ensaios clínicos utilizando vacinas variadas no tratamento de vários tipos de câncer, a única vacina comercialmente disponível (não no Brasil) é a Sipuleucel-T, que é uma vacina para tratamento do câncer de próstata avançado já resistente ao tratamento hormonal convencional.

Essa vacina é produzida individualmente, através de linfócitos retirados do sangue do paciente e expostos a uma proteína a partir de células cancerosas de próstata, denominada fosfatase ácida prostática. Essas células são então devolvidas ao paciente por infusão endovenosa. Os resultados do tratamento, bem como os de otras vacinas em fase de teste são modestos.

Já os inibidores de proteínas dos pontos de checagem imunológica utilizam o próprio sistema imunológico do paciente para combater as células tumorais, aumentando a ativação e a proliferação da célula T, resultando assim em uma resposta antitumoral mais efetiva.

Em verdade, esta nova classe de imunoterapia desliga um complexo sistema de mascaramento imunológico que as células tumorais utilizam para não serem reconhecidas como invasoras pelo organismo, permitindo então que o sistema imune destrua estas células.

Duas classes destas inovadoras drogas já apresentam comprovação de substancial benefício terapêutico: o ipilumumabe, um anticorpo monoclonal que bloqueia um antígeno dos linfócitos T ativados, o CTLA-4 (antígeno 4 do linfócito T citotóxico), que é um inibidor natural da resposta imunológica e o grupo formado pelo nivolumabe e o pembrolizumabe, que também são anticorpos monoclonais, mas que, por sua vez, atuam bloqueando uma outra proteína de camuflagem utilizada pelas células tumorais para se "esconder" do sistema imunológico, a PD-1 (proteína programadora da morte celular), a qual se encontra presente na superfície dos linfócitos T e, se ativadas (e as células tumorais assim o fazem), provocam o "deligamento" de todo o sistema imunológico celular de combate a estas células malignas.

Atuando no bloqueio dessas proteínas, esses medicamentos "religam" todo o sistema, permitindo assim o combate efetivo dos tumores pelo próprio organismo. Tanto o ipilumumabe (já comercialmente disponível no Brasil) quanto o nivolumabe e o pembrolizumabe (ainda não disponíveis comercialmente no Brasil) são ativos no tratamento do melanoma avançado, produzindo taxas de resposta tumoral e sobrevida superiores ao tratamento quimioterápico convencional.

Mais recentemente, tanto o nivolumabe quanto o pembrolizumabe se mostraram eficazes no tratamento do câncer de pulmão resistente ao tratamento convencional. Essas medicações também se mostram promissoras no tratamento de outros tumores, como o câncer de rim, bexiga, estômago, ovário e linfomas.

Como estas medicações "reavivam" o sistema imune, efeitos colaterais relacionados a um fenômeno de "auto-agressão" do sistema imunológico contra órgãos e tecidos do próprio organismo podem ser observados, como colite, nefrite, dermatite, tireiodite e hepatite. Por isso, o tratamento deve ser sempre administrado por um oncologista com experiência nesse tipo de terapêutica.

Como funciona o sistema imunológico

Órgãos, tecidos e glândulas ao redor do corpo coordenam a criação, educação e armazenamento de elementos-chave em seu sistema imunológico. São eles:

1) Apêndice

Tubo fino de cerca de 4 a 6 polegadas de comprimento no abdome inferior direito. A função exata é desconhecida; uma teoria é que ele age como um local de armazenamento para bactérias digestivas "boas"

2) Medula óssea

Material macio e esponjoso encontrado dentro dos ossos. Contém células imaturas que se dividem para formar mais células-tronco formadoras de sangue ou amadurecem em glóbulos vermelhos, glóbulos brancos (células B e células T) e plaquetas

3) Intestino

As células que revestem esse conjunto de órgãos e glândulas, assim como as bactérias ao longo dele, influenciam o equilíbrio do sistema imunológico.

4) Linfonodos

Pequenas glândulas localizadas em todo o corpo que filtram bactérias, vírus e células cancerígenas, que são então destruídas por glóbulos brancos especiais. Além disso, o local onde as células T são "educadas" para destruir invasores nocivos em seu corpo.

5) Nariz

Os receptores desse órgão detectam bactérias e vírus. O muco nasal captura esses patógenos para que o sistema imunológico aprenda a se defender contra eles.

6) Pele

Esse órgão não é apenas uma barreira física contra a infecção, mas também contém células dendríticas para ensinar o resto do corpo sobre novas ameaças. O microbioma da pele também é uma influência importante no equilíbrio do sistema imunológico.

7) Baço

Um órgão localizado à esquerda do estômago. Filtra o sangue e fornece armazenamento para plaquetas e glóbulos brancos. Também serve como um local onde as principais células imunológicas (células B) se multiplicam para combater invasores nocivos.

8) Amígdalas

Um conjunto de órgãos que podem impedir que os germes entrem no corpo através da boca ou do nariz. Eles também contêm muitos glóbulos brancos.

9) Glândula timo

Pequena glândula situada na parte superior do tórax, abaixo do esterno. Funciona como o local onde as principais células imunes (células T) amadurecem em células que podem combater infecções e câncer.

Efeitos da imunoterapia:

- Educa o sistema imunológico para reconhecer e atacar células cancerígenas específicas

- Fornece ao corpo componentes adicionais para aumentar a resposta imune

- Aumenta e expande as células imunológicas para ajudá-las a eliminar o câncer

- Libera o poder do sistema imunológico e, de uma forma inteligente, reconhece e combate mais eficazmente o câncer

Vantagens da imunoterapia:

- É precisa

O sistema imunológico é preciso, por isso é possível atingir exclusivamente as células cancerígenas, poupando as células saudáveis.

- É dinâmica

O sistema imunológico pode se adaptar contínua e dinamicamente, assim como o câncer. Portanto, se um tumor consegue escapar da detecção, o sistema imunológico pode reavaliar e lançar um novo ataque.

- Guarda memória

A "memória" do sistema imunológico permite que ele se lembre da aparência das células cancerígenas, para que possa atingir e eliminar o câncer se ele retornar

Por que imunoterapia?

As imunoterapias foram aprovadas nos Estados Unidos e em outros lugares para tratar uma variedade de tipos de câncer e são prescritas aos pacientes por oncologistas. Essas aprovações são o resultado de anos de pesquisa e testes desenvolvidos para demonstrar a eficácia desses tratamentos. As imunoterapias também estão disponíveis por meio de ensaios clínicos, que são estudos cuidadosamente controlados e monitorados envolvendo pacientes voluntários.

A imunoterapia nem sempre funciona para todos os pacientes, e certos tipos de imunoterapia estão associados a efeitos colaterais potencialmente graves, mas controláveis.

Os cientistas estão desenvolvendo maneiras de determinar quais pacientes provavelmente responderão ao tratamento e quais não. Essa pesquisa está levando a novas estratégias para expandir o número de pacientes que podem se beneficiar do tratamento com imunoterapia.

Embora os cientistas ainda não tenham dominado todas as capacidades de combate ao câncer do sistema imunológico, a imunoterapia já está ajudando a prolongar e salvar a vida de muitos pacientes com câncer.

A imunoterapia tem o potencial de se tornar mais precisa, mais personalizada e mais eficaz do que os tratamentos atuais contra o câncer - e potencialmente com menos efeitos colaterais. Saiba mais sobre como você pode apoiar novos avanços na pesquisa de imunoterapia contra o câncer.

Muitos pacientes com câncer e cuidadores podem estar familiarizados com tratamentos tradicionais, como quimioterapia e radioterapia. Várias características importantes da imunoterapia, uma forma de tratamento do câncer que usa o poder do sistema imunológico do corpo para prevenir, controlar e eliminar o câncer, contribuem para uma resposta mais específica ao câncer.

- A imunoterapia contra o câncer pode funcionar em muitos tipos diferentes de câncer.

- A imunoterapia contra o câncer oferece a possibilidade de remissão do câncer a longo prazo.

- A imunoterapia contra o câncer pode não causar os mesmos efeitos colaterais que a quimioterapia e a radiação.

- A imunoterapia permite que o sistema imunológico reconheça e atinja as células cancerígenas, tornando-se uma resposta universal ao câncer. A lista de cânceres atualmente tratados com imunoterapia é extensa. Veja a lista completa de imunoterapias por tipo de câncer.

- A imunoterapia tem sido um tratamento eficaz para pacientes com certos tipos de câncer resistentes à quimioterapia e ao tratamento com radiação (por exemplo, melanoma).

Impulsionando o sistema imunológico do corpo para combater o câncer

O tratamento de imunoterapia aproveita a força natural do corpo para combater o câncer, capacitando o sistema imunológico para vencer mais tipos de câncer e salvar mais vidas.

Componentes do sistema imunológico

- Anticorpos

Ligam-se a antígenos em ameaças no corpo (por exemplo, bactérias, vírus, células cancerígenas) e marcam células para ataque e destruição por outras células imunes

- Células B

Liberam anticorpos para se defender contra ameaças no corpo

- Células T Auxiliares CD4+

Enviam sinais de "ajuda" para as outras células imunológicas (por exemplo, células B e células T assassinas CD8 ) para torná-las mais eficientes na destruição de invasores nocivos

- Células T Killer CD8

Destróem milhares de células infectadas por vírus todos os dias e também são capazes de procurar e destruir células cancerígenas

- Citocinas

Ajudam as células imunes a se comunicar entre si para coordenar a resposta imune correta

- Células dendríticas

Digerem células estranhas e cancerígenas e apresentam suas proteínas às células imunes que podem destruí-las

- Macrófagos

Englobam e destróem bactérias, células infectadas por vírus e câncer, bem como apresentam antígenos a outras células imunes

- Células assassinas naturais

Reconhecem e destróem células infectadas por vírus e tumorais rapidamente sem a ajuda de anticorpos e "lembram" essas ameaças

- Células T reguladoras

Fornecem os freios e contrapesos para garantir que o sistema imunológico não reaja exageradamente.

Pessoas com doenças autoimunes e câncer podem ser tratadas com imunoterapia?

Pessoas com doenças autoimunes leves podem receber a maioria das imunoterapias. Normalmente, o tratamento autoimune é ajustado e uma imunoterapia de checkpoint, como aquelas direcionadas à via PD-1/PD-L1, é usada. No entanto, cada paciente deve conversar com seu médico sobre as opções mais adequadas.