André Murad
Pessoas com câncer avançado podem apresentar uma série de sintomas que prejudicam sua qualidade de vida. O principal deles é a falta de ar, cujo termo médico é dispneia. Para o tratamento desses sintomas respiratórios tão desconfortáveis, medicamentos denominados corticosteróides são frequentemente prescritos. Entretanto, em um novo estudo - o maior ensaio clínico de esteróides para dispnéia causada por câncer avançado - o uso dessas drogas não melhoraram a respiração mais do que o placebo, utilizado de forma cega e aleatória no grupo controle. Adicionalmente, pacientes tratados com esteróides foram mais propensos a ter efeitos colaterais graves. O estudo foi conduzido e patrocinado pelo NCI (Instituto Nacional do Câncer) americano e recentemente publicado na prestigiada revista Lancet Oncology.
Todavia, o estudo não desaconselha de forma definitiva o emprego dos corticosteróides para esta indicação. Há, sem dúvida, situações individuais e específicas em que o tratamento é indicado, pois pode produzir benefícios, especialmente na redução dos sintomas respiratórios e do desconforto dos pacientes. Obviamente a fisiopatologia dos fatores desencadeantes, os riscos e os benefícios deverão ser sempre considerados na tomada de decisão.
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Quase três quartos das pessoas com câncer avançado apresentam dispneia e os tumores que se espalharam para os pulmões são uma causa comum. Mas muitas outras características do câncer avançado também podem causar dificuldade para respirar. Estes incluem inflamação, fluido preso entre as membranas dos pulmões (derrame pleural), obstrução das vias aéreas superiores, dano tecidual por quimioterapia ou radioterapia e perda de massa muscular na parede torácica.
Independentemente da causa, o resultado para pacientes com câncer avançado pode ser um sofrimento significativo. Dificuldade para respirar é um dos sintomas mais desafiadores para os pacientes. A dispneia pode desencadear ansiedade e limitar as atividades cotidianas. Adicionalmente, pacientes com dispneia podem achar difícil encontrar uma posição confortável do corpo, além do sono, que costuma ser muito afetado negativamente.
Muitas vezes pode ser difícil identificar a causa da dispneia de um paciente oncológico. Portanto, seu tratamento acaba por ser uma questão de tentativa e erro. Oxigenoterapia ou opioides às vezes são prescritos para aliviar a dispneia, mas podem fornecer apenas alívio parcial.
Alguns pacientes podem ser auxiliados por intervenções não medicamentosas, como mudar o posicionamento corporal e usar ventiladores para criar fluxo de ar ao redor do paciente, mas essas estratégias não foram avaliadas em detalhes nesse estudo.
Ensaios clínicos de pequeno porte sugeriram que altas doses de esteróides podem fornecer alívio substancial da dispnéia. No entanto, altas doses de esteróides também têm o potencial de causar sérios efeitos colaterais, variando de infecções, ulcerações e sangramentos gástricos e, até mesmo, quadros psicóticos.
Alívio com esteróides, mas também com placebo
O estudo inscreveu 149 pessoas com câncer avançado e dispnéia moderada a grave. Os participantes, cuja idade mediana era de 65 anos, foram aleatoriamente designados para receber duas semanas de tratamento com altas doses de um esteróide chamado dexametasona ou pílulas idênticas de placebo.
Todos os participantes tiveram que atender a certos critérios de saúde que tornavam seguro receber esteróides. Os pesquisadores pediram aos participantes que tomassem duas pílulas duas vezes ao dia na primeira semana, depois uma pílula duas vezes ao dia na segunda semana.
Eles rastrearam a intensidade média da dispneia ao longo de cada período de 24 horas e mediram as mudanças nos sintomas gerais, humor e qualidade de vida dos participantes ao longo das duas semanas. Depois que os primeiros 128 participantes terminaram as duas semanas de tratamento (85 que receberam esteróides, 43 que receberam placebo), o conselho de monitoramento e segurança de dados que supervisiona o estudo recomendou que ele fosse interrompido precocemente, pois nenhuma diferença no grau de dispnéia foi observada entre os grupos. A pontuação média de dispnéia caiu cerca de um ponto e meio para as pessoas em ambos os grupos.
Muitos fatores podem ter contribuído para a melhora igualitária, como a atenção redobrada da equipe assistencial ou o efeito placebo. O efeito placebo ocorre quando as pessoas se sentem melhor devido à expectativa de que um tratamento ajudará. Os pacientes que receberam esteróides relataram melhor apetite e bem-estar geral, mas pior ansiedade e depressão do que aquelas do grupo placebo.
Durante as duas semanas de tratamento e várias semanas depois, 45 pessoas que receberam esteróides relataram um efeito colateral grave, 24 das quais tiveram que ser internadas no hospital. Apenas sete pessoas no grupo placebo relataram um efeito colateral grave e três demandaram hospitalização.
Quinze pacientes que receberam esteróides interromperam o tratamento precocemente devido a efeitos colaterais potencialmente causados %u200B%u200Bpelo tratamento, em comparação com três no grupo placebo. Os efeitos colaterais mais comumente relatados por pacientes que receberam esteróides incluiram insônia, dor de estômago e sintomas psiquiátricos.
Quem se beneficia de esteróides para problemas respiratórios?
Muitas dúvidas sobre o uso de esteróides para tratar a dispnéia permanecem. Além da necessidade de se encontrar maneiras de identificar pessoas para quem os esteróides sejam uma boa escolha, também não está claro se esteróides em doses mais baixas ou tratamentos mais curtos podem reduzir o risco de efeitos colaterais, mantendo o alívio dos sintomas. Determinar a causa da dispneia de alguém pode direcionar a abordagem do tratamento, mas o maior desafio é que muitas vezes a dispneia é multifatorial.
Adicionalmente, a hora do dia em que a dispnéia ocorre, quanto tempo dura e se sua intensidade aumenta ou diminui podem variar entre os pacientes. A complexidade da sintomatologia e de seu tratamento justificam os benefícios de pacientes com câncer avançado serem atendidos por uma equipe multidisciplinar e de cuidados paliativos sempre que possível. E essa equipe poderá então avaliar com mais eficácia as melhores condutas terapêuticas para cada paciente em bases individuais e personalizadas.