Como a poluição atmosférica causa câncer de pulmão em não fumantes

Mais pessoas estão expostas a níveis inseguros de poluição do ar do que a produtos tóxicos na fumaça do cigarro. Estudo abre caminho para novas terapias

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(foto: Pexels/Pixabay)

Dois modelos experimentais são reconhecidos atualmente como responsáveis pela carcinogênese (processo de formação e desenvolvimento do câncer): o Modelo Clássico de Mutação e o Modelo de Promoção de Tumores.

No Modelo Clássico de Mutação, a exposição a carcinógenos ambientais leva a mutações no DNA, que resultam por sua vez em genes condutores que levam ao crescimento do tumor, como ocorre na exposição ao tabaco, a qual promove mutações no gene KRAS.

No Modelo de Promoção de Tumores, existem duas etapas para a iniciação de um tumor: o evento iniciador, promovido por uma mutação, e um outro evento, denominado promotor.

Em camundongos, descobriu-se que as potenciais mutações de direcionadoras de tumores preexistentes são causadas por um processo endógeno gerador de uma mutação. Após a exposição a agentes cancerígenos, as mutações preexistentes se expandem através de um crescimento clonal, levando ao aparecimento e proliferação do câncer.

Entretanto, um novo mecanismo foi identificado através do qual partículas poluentes muito pequenas no ar podem desencadear câncer de pulmão em pessoas que nunca fumaram, abrindo caminho para novas abordagens de prevenção e o desenvolvimento de novas terapias, de acordo com dados recentes relatados recentemente por Charles Swanton e colegas no Congresso 2022 da Sociedade Europeia de Oncologia Médica (ESMO).

As partículas, que são normalmente encontradas no escapamento de veículos e na fumaça de combustíveis fósseis, estão associadas ao risco de câncer de pulmão de células não pequenas (NSCLC), respondendo por mais de 250 mil mortes por câncer de pulmão em todo o mundo por ano.

As mesmas partículas no ar que derivam da combustão de combustíveis fósseis, exacerbando as mudanças climáticas, estão impactando diretamente a saúde humana por meio de um importante e anteriormente negligenciado mecanismo causador de câncer nas células pulmonares.

O risco de câncer de pulmão causado pela poluição do ar é menor do que pelo fumo, mas não temos controle sobre o que todos respiramos. Globalmente, mais pessoas estão expostas a níveis inseguros de poluição do ar do que a produtos químicos tóxicos na fumaça do cigarro, e esses novos dados vinculam a importância de abordar a saúde climática para melhorar a saúde humana.

Efeito nas Mutações de EGFR e KRAS

As novas descobertas são baseadas em pesquisas humanas e laboratoriais sobre mutações no gene EGFR (receptor do fator de crescimento epitelial), que são vistas em cerca de metade das pessoas com câncer de pulmão que nunca fumaram.

Em um estudo com quase meio milhão de pessoas que vivem na Inglaterra, Coréia do Sul e Taiwan, a exposição a concentrações crescentes de partículas no ar (PM) de 2,5 μm de diâmetro foi associada a um risco aumentado de NSCLC com mutações EGFR.

Nos estudos de laboratório, os cientistas do Francis Crick Institute mostraram que as mesmas partículas poluentes (PM2.5) que promoveram mudanças rápidas nas células das vias aéreas com mutações no EGFR também afetaram aquelas com mutações no gene KRAS, levando-as a uma célula-tronco cancerosa.

Eles também descobriram que a poluição do ar impulsiona o influxo de macrófagos que liberam o mediador inflamatório, interleucina-1β, conduzindo a expansão de células com mutações de EGFR em resposta à exposição ao PM2.5, e que o bloqueio da interleucina-1β inibiu o início do câncer de pulmão.

Esses achados foram consistentes com os dados de um grande ensaio clínico anterior publicado por Ridker et al na prestigiada revista científica The Lancet, mostrando uma redução dependente da dose na incidência de câncer de pulmão quando as pessoas foram tratadas com o anticorpo anti-IL1β canaquinumabe.

Em uma série final de experimentos, a equipe de Francis Crick usou o perfil mutacional ultraprofundo de pequenas amostras de tecido pulmonar normal e encontrou mutações de driver EGFR e KRAS em 18% e 33% das amostras pulmonares normais, respectivamente.

Os investigadores descobriram que as mutações nos genes EGFR e KRAS, comumente encontrados em câncer de pulmão, estão realmente presentes no tecido pulmonar normal e são uma consequência provável do envelhecimento.

Na pesquisa, essas mutações sozinhas apenas potencializaram o câncer fracamente em modelos de laboratório. No entanto, quando células pulmonares com essas mutações foram expostas a poluentes do ar, mais cânceres foram detectados, e estes ocorreram mais rapidamente do que quando células pulmonares com essas mutações não foram expostas a poluentes, sugerindo que a poluição do ar promove o início do câncer de pulmão em células que abrigam mutações do gene condutor.

O próximo passo agora é descobrir por que algumas células pulmonares com mutações se tornam cancerosas quando expostas a poluentes, enquanto outras não.