A imunoterapia de última geração se baseia no emprego dos inibidores de proteínas dos pontos de checagem imunológica ("checkpoints") e utilizam o próprio sistema imunológico (os linfócitos T citotóxicos) dos pacientes para o combate às células tumorais. Esta nova classe de imunoterapia desliga um sistema de camuflagem das células tumorais e permite que o organismo reconheça e destrua as células tumorais através dos linfócitos T ativados.
Várias dessas drogas, que pertecem à classe dos anticorpos monoclonais inibidores das proteínas PD-1 e PD-L1, já estão aprovadas e comercializadas no Brasil, para indicações e tumores variados. Inicialmente utilizados para o tratamento de tumores em fase já metastática, os imunoterápicos inibidores de checkpoint gradualmente passaram também a demonstrar benefício inequívoco em tumores diagnosticados em estágios mais precoces, atuando em associação a quimioterápicos ou isoladamente, de forma adjuvante (após a cirurgia) ou neoadjuvante (antes da cirurgia), com o objetivo de majorar as taxas de cura desses tumores.
saiba mais
Diabetes e câncer de pâncreas: qual é a relação?
Descoberto um mecanismo que resulta no aumento da agressividade do melanoma
Mutação pode ter deixado o homem mais susceptível ao câncer que os macacos
O câncer de mama e o rastreamento com ressonância magnética
Junho: mês internacional dos sobreviventes do câncer - Parte 2
Mais recentemente, os resultados de um grande ensaio clínico internacional, o qual contou com a participação de nosso Centro de Pesquisas (Centro de Pesquisas da Clínica Personal Oncologia de Precisão), demostraram que o tratamento com a droga imunoterápica nivolumabe, associada à quimioterapia antes da cirurgia, retardou substancialmente a progressão ou o retorno do câncer, aumentando assim a possibilidade de cura dos pacientes tratados, o que foi considerado um marco no tratamento do câncer de pulmão.
O estudo, denominado CheckMate 816, incluiu pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas em estágio inicial, os quais foram sorteados para receber ou nivolumabe associado à quimioterapia, ou quimioterapia isolada antes da cirurgia, o que é denominada terapia neoadjuvante.
Os resultados desse estudo comprovaram que os pacientes que receberam a combinação viveram mais tempo sem experimentar eventos graves, incluindo o retorno do câncer. Os participantes do estudo ainda não foram acompanhados por tempo suficiente para determinar se o tratamento combinado também melhorou quanto tempo eles vivem em geral (avaliação da chamada sobrevida global).
Em março desse ano, com base nos resultados do estudo, a agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA) aprovou então o nivolumabe como tratamento neoadjuvante em combinação com quimioterapia para pacientes com CPCNP em estágio inicial. Os resultados do estudo CheckMate 816 foram apresentados em abril na reunião anual da American Association for Cancer Research (AACR) e publicados simultaneamente no New England Journal of Medicine (NEJM).
Mudando os tratamentos para o câncer de pulmão em estágio inicial
O câncer de pulmão de células não pequenas é a forma mais comum de câncer de pulmão. Nos últimos 10 anos, a porcentagem de pessoas diagnosticadas com câncer de pulmão em estágio inicial aumentou lentamente, à medida que mais pessoas com risco aumentado de câncer de pulmão estão sendo rastreadas. A prescrição de quimioterapia antes da cirurgia para pessoas com CPNPC em estágio inicial não é nova, mas seu uso de forma abrangente tem sido limitado porque aumenta apenas modestamente o tempo de vida dos pacientes.
Nos últimos anos, a FDA aprovou dois medicamentos como tratamento pós-cirúrgico ou adjuvante em pessoas com CPNPC em estágio inicial. Eles incluem osimertinibe, aprovado para pacientes cujos tumores têm mutações no gene EGFR, e o medicamento de imunoterapia atezolizumabe, aprovado para uso em pacientes cujos tumores apresentem níveis aumentados da proteína de checkpoint imunológico chamada PD-L1.
Os medicamentos de imunoterapia são tratamentos padrão para câncer de pulmão avançado, mas essas aprovações foram as primeiras para câncer de pulmão em estágio inicial. Após os resultados promissores de ensaios clínicos menores, o ensaio de fase 3 CheckMate 816 foi desenhado, para fornecer respostas mais definitivas sobre a eficácia da adição de imunoterapia à quimioterapia neoadjuvante em CPCNP em estágio inicial.
Melhor sobrevida livre de eventos com nivolumabe e quimioterapia
O estudo envolveu 358 pacientes com CPNPC em estágio inicial, que foi definido como estágio IB a estágio IIIA. Esses pacientes foram aleatoriamente designados para receber três rodadas de quimioterapia e nivolumabe ou apenas quimioterapia com cirurgia programada dentro de 6 semanas.
Após um acompanhamento de pelo menos 21 meses, os pacientes que receberam o tratamento com nivolumabe viveram em média 11 meses a mais sem apresentar um evento grave, incluindo a recidiva ou piora do câncer ou morte por qualquer causa, medida conhecida como livre de eventos sobrevivência.
Além disso, 24% das amostras de tecido de pacientes que receberam nivolumabe e quimioterapia não apresentaram sinais de câncer - conhecido como resposta patológica completa - em comparação com apenas 2% de pacientes que receberam apenas quimioterapia.
Além disso, os participantes que tiveram uma resposta patológica completa após a terapia neoadjuvante geralmente tiveram uma sobrevida livre de eventos muito melhor do que aqueles que não tiveram. Os pacientes que receberam nivolumabe e quimioterapia também foram mais propensos a ter cirurgia minimamente invasiva em vez de cirurgia aberta padrão.
O estudo não foi projetado para determinar definitivamente se os tumores em pacientes que se beneficiaram mais com a adição de nivolumabe tinham características tumorais específicas. Por exemplo, os pacientes cujos tumores tinham níveis elevados de proteínas PD-L1, que o nivolumabe tem como alvo, tiveram uma sobrevida livre de eventos mais longa e eram mais propensos a ter uma resposta patológica completa.
Embora os inibidores de checkpoint imunológico possam ter sérios efeitos colaterais, não houve aumento de toxicidade ou complicações cirúrgicas com a adição de nivolumabe à quimioterapia neste estudo. Alguns pacientes que receberam nivolumabe apresentaram efeitos colaterais relacionados ao sistema imunológico (por exemplo, erupção cutânea), e estes foram considerados leves.
Mais pesquisas serão necessárias para entendermos como melhor utilizar as opções de tratamento neoadjuvantes e adjuvantes disponíveis. Com base nos resultados do estudo mostrando uma correlação preliminar entre a resposta patológica completa e a sobrevida livre de eventos mais longa, a resposta patológica completa pode ser um marcador interessante para nos auxiliar na otimização da escolha correta dos regimes de tratamento neoadjuvante.
Outra questão é se todos os pacientes com doença em estágio inicial devem receber tratamento neoadjuvante. Aparentemente não. Os dados do estudo sugeriram que os pacientes com câncer em estágio IIIA se saíram melhor do que os pacientes diagnosticados com câncer em um estágio mais precoce em termos de sobrevida livre de eventos e resposta patológica completa.
Mas ainda serão necessários mais estudos para se decidir como usar esses resultados para planejarmos o tratamento dos pacientes. No estudo CheckMate 816, o tratamento sistêmico após a cirurgia (chamado de adjuvante) foi opcional. Quem se beneficiará mais da terapia adjuvante em combinação com a terapia neoadjuvante e quais tratamentos devem ser usados %u200B%u200Bsão questões em aberto e que serão respondidas nos próximos anos.