Retinoblastoma: uma doença genética

Tumor maligno na retina, retinoblastoma é o câncer ocular mais comum na infância; doença chamou atenção após revelação de diagnóstico da filha de Tiago Leifert

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Retinoblastoma acomete, com maior frequência, crianças dos 2 aos 5 anos, podendo ser hereditário ou não (foto: Reprodução)
O tema retinoblastoma passou a ser bastante comentado na mídia nacional a partir do momento em que um famoso apresentador de TV revelou publicamente que sua filha de 1 ano e 3 meses de idade havia sido diagnosticada com essa doença. Seu gesto foi de extrema relevância e mérito, uma vez que tal divulgação chamou a atenção coletiva para a doença e a importância de seu correto e precoce diagnóstico, premissa fundamental para que altos índices de cura sejam alcançados com os modernos tratamentos disponíveis. 
 
O retinoblastoma é um tumor maligno da retina, sendo o câncer ocular mais comum na infância. No Brasil afeta cerca de 25 a 27 crianças por milhão, representando 2,5 a 4% dos tumores infanto-juvenis. Acomete, com maior frequência, crianças dos 2 aos 5 anos, podendo ser hereditário ou não, como vamos discorrer abaixo. Pode ser unilateral ou bilateral, sendo  que  os bilaterais são sempre hereditários. Se diagnosticado precocemente, ou seja, quando o tumor ainda está localizado dentro do olho (intraocular), tem 90% de chance de cura. Entretanto, na presença de metástases, o prognóstico  se torna reservado. 

Os sinais  e sintomas mais comuns do retinoblastoma são: 
* Reflexo branco na pupila: leucocoria
* Sensibilidade a luz: fotofobia
* Dificuldade visual
* Estrabismo
* Proptose ocular

O diagnostico pode ser feito através de um exame  de fundo de olho após ao nascer (teste do olhinho). O ideal é que o mesmo seja repetido com frequência, até os 05 anos. Quando se suspeita do diagnóstico, exames adicionais se fazem necessários, como Ultrassonografia, Tomografia Computadorizada (TC) e Ressonância Magnética (RM) do globo ocular, órbita  e nervo óptico. 

Existem diferentes tipos de tratamento para pacientes com retinoblastoma. Crianças com retinoblastoma devem ter seu tratamento planejado por uma equipe de profissionais de saúde que são especialistas no tratamento de câncer infantil.  

Opções terapêuticas: 
 - Crioterapia
 - Termoterapia
 - Quimioterapia
 - Terapia de radiação
 - Quimioterapia de alta dose com resgate de células-tronco
 - Cirurgia (enucleação)
 
Novos tipos de tratamento estão sendo testados em ensaios clínicos, como a terapia direcionada ou alvo-molecular, a imunoterapia e a terapia com células CAR-T. 

Base genética da doença 

O retinoblastoma foi a primeira doença a demonstrar uma base genética para o desenvolvimento do câncer, iniciado pela inativação bialélica (de ambos os alelos cromossômicos, o paterno e o materno) do gene RB1. Mais recentemente, uma segunda forma genética de retinoblastoma foi descoberta: aquela iniciada pela amplificação do gene MYCN.

O retinoblastoma pode ser hereditário e não hereditário.  A forma hereditária pode resultar em tumores que afetam um (unilateral, 60% de todos os casos) ou ambos os olhos (bilateral), enquanto a forma não hereditária ocasiona apenas a tumores unilaterais.  Todo retinoblastoma bilateral é hereditário e tende a se apresentar em idade mais precoce, enquanto que o retinoblastoma unilateral é hereditário em apenas uma pequena porcentagem (15%) dos casos. Todo retinoblastoma hereditário resulta da inativação bialélica de RB1;  a primeira mutação RB1 (M1) é constitucional, enquanto a segunda mutação (M2) ocorre somaticamente em uma ou mais células da retina. Em uma pequena proporção de casos, M1 ocorre em uma célula do embrião multicelular, resultando no mosaicismo no probando (portador). A maioria dos retinoblastomas não hereditários é causada pela perda bialélica de RB1, onde ambos os eventos mutacionais de RB1 (M1 e M2) surgem em uma única célula somática da retina.  Uma pequena fração de retinoblastoma não hereditário resulta da amplificação de MYCN com RB1 normal, também surgindo somaticamente em uma única célula da retina. Uma mutação RB1 constitucional predisponente leva a uma idade de apresentação mais precoce (15 meses para bilateral versus 27 meses para unilateral em países desenvolvidos). 

A mutação constitucional do gene RB1 predispõe os indivíduos a um segundo câncer mais tardiamente  na vida, como câncer de pulmão, bexiga, osso, pele e cérebro, o que justifica a avaliação especializada de um oncogenetista, o qual realizará testes genéticos e aconselhamento para as  famílias afetadas, de modo a se determinar o risco hereditário destes tumores, bem como se rastrear  e se tratar adequadamente um segundo câncer.

Descoberta do gene supressor RB1 

Há mais de 40 anos, Knudson propôs que o retinoblastoma seria iniciado pela inativação de um suposto gene supressor de tumor. Seu estudo matemático da discrepância no tempo de diagnóstico entre pacientes unilaterais e bilaterais levou à hipótese de que dois eventos mutacionais fossem limitantes da taxa de  desenvolvimento de retinoblastoma.  Este postulado foi aperfeiçoado por Comings em 1973 que  sugeriu que a mutação de dois alelos de um único gene seria o fator causal. Esses estudos propiciaram então  a descoberta do primeiro gene supressor de tumor - o RB1 - localizado no cromossomo 13q14.9-11.  Os alelos do gene RB1 são de fato mutados no retinoblastoma. O estudo de lesões precursoras do retinoblastoma  levou à descoberta de que a perda da função do gene RB1 pode iniciar o o processo de malignidade,  mas é insuficiente para justificar todo o desenvolvimento do retinoblastoma.  Postulou-se então que alterações genéticas adicionais, denominadas M3-Mn de acordo com a nomenclatura de Knudson, são necessárias para a progressão do retinoma benigno para o retinoblastoma maligno.  Outras alterações genômicas também são importantes no processo, como ganhos recorrentes do cromossomo 1q, 2p e 6p, e perdas do cromossomo 13q e 16q. 

Novas tecnologias genômicas e novos horizontes

Esses esforços iniciais no perfil genômico de retinoblastomas levaram a uma explosão no estudo da patogênese molecular desse câncer, mas a importância desses achados se traduz além do retinoblastoma, pois muitas alterações genômicas semelhantes foram identificadas em outros cânceres. Recentes  avanços nas metodologias de análise genômica (análise de polimorfismo de nucleotídeo único [SNP] e sequenciamento de próxima geração) e epigenética (metilação e miRNA) agora nos permitem uma visão de "alta resolução" de aberrações específicas.  Essas técnicas abrem as portas para uma melhor compreensão do desenvolvimento e progressão do retinoblastoma, avançando para intervenções terapêuticas potencialmente curativas.  No entanto, uma visão de alta resolução também identificou uma paisagem genômica ainda mais complexa em retinoblastomas, que por sua vez  que requer futuras validações.