Uma colaboração internacional de pesquisa descobriu que o tratamento de imunoterapia contra o câncer, a base do medicamento pembrolizumabe, pode reverter a latência do HIV, ou seja, a capacidade do vírus de se "esconder" dentro das células de pessoas portadoras de HIV e em terapia antirretroviral. Sabe-se que o fato do vírus ficar latente ou "escondido" no organismo é a principal barreira para a cura do HIV.
O Pembrolizumabe é um anticorpo monoclonal que atua como um agente imunoterápico, pois que reverte a "exaustão" do sistema imunológico para combater células tumorais. Especificamente, quando um determinado tipo de linfócito de defesa do nosso organismo, chamado de linfócito T "assassino", se desgasta, ele expressa proteínas em sua superfície, uma das quais é chamada PD1. Os anticorpos monoclonais, também conhecidos como anti-PD-1, como o pembrolizumabe, funcionam bloqueando esses marcadores de exaustão, permitindo que as células T assassinas recuperem a função e matem as células cancerosas em nosso organismo. Na verdade, esta nova classe de imunoterapia desliga um complexo sistema de mascaramento imunológico que as células tumorais utilizam para não serem reconhecidas como invasoras pelo organismo, permitindo então que o sistema imune destrua estas células. A droga, assim como várias outras da mesma classe de anticorpos anti-PD1 revolucionou os tratamentos de vários tipos de câncer, incluindo câncer de pulmão, rins, bexiga, mama, estômago, endométrio, colo uterino, tumores de cabeça e pescoço e o melanoma.
No contexto do HIV, pesquisas anteriores conduzidas pela professora Sharon Lewin - diretora do Peter Doherty Institute for Infection and Immunity (Doherty Institute), líder mundial em pesquisa de cura do HIV e co-líder deste último ensaio clínico - e sua equipe, descobriram que os marcadores de exaustão PD1 permitem que o vírus se esconda. Publicado recentemente na prestigiada revista Science Translational Medicine, é o maior ensaio clínico prospectivo multicêntrico de pembrolizumabe em pessoas com câncer que também são portadores de HIV. Até antes desse estudo, só havia relatos de casos para mostrar o efeito do anti-PD-1 porque as pessoas com HIV que também precisam desse tratamento para o câncer são muito raras.
Não é simples trazer esta abordagem para a clínica em pessoas que vivem com HIV sem câncer. Os efeitos colaterais da imunoterapia atualmente são significativos, por exemplo, cinco a 10% das pessoas terão um evento adverso. Em um cenário de câncer, isso não é uma grande preocupação, pois é uma doença com risco de vida mas, no HIV, a situação é muito diferente: as pessoas podem viver uma vida normal e saudável com o HIV. Por conseguinte, qualquer intervenção para a cura deve ter um perfil de toxicidade aceitável.
Neste estudo, demonstrou-se que em uma corte de 32 pessoas com câncer que também vivem com HIV, o pembrolizumabe foi capaz de intervir no reservatório do HIV, o que é um resultado muito empolgante e envolveu muitos grupos ao redor do mundo. Nos EUA o estudo foi conduzido na Rede de Imunoterapia do Câncer, com sede no Fred Hutchinson Cancer Research Center, em Seattle, e liderado pelo professor Thomas Uldrick, oncologista médico e especialista em imunoterapia contra o câncer.
O sangue dos participantes do estudo foi coletado antes e após o tratamento com pembrolizumabe. O vírus HIV foi então estudado pela equipe do professor Lewin no Instituto Doherty e por colaboradores da Universidade de Montreal e do Instituto Nacional do Câncer em Frederick, Maryland.
Esta é uma excelente oportunidade de se sentender os mecanismos pelos quais o pembrolizumabe remove a latência do vírus HIV porque a avaliação viral ocorre exatamente nos pacientes cujas células T estão respondendo ao estímulo pelo pembrolizumabe. Por isso o ensaio é um esforço para se verificar o efeito que o anti-PD-1 tem nas células T assassinas específicas do HIV na esperança de que, além de reverter a latência do HIV, o tratamento também acelere o sistema imunológico para que o mesmo elimine as células infectadas pelo HIV da mesma forma que faz com o câncer.
Além disso, a professora Lewin e sua equipe conduzem um outro ensaio clínico já aprovado para entender como o anti-PD-1 funciona em pessoas sem câncer, o qual foi temporariamente suspenso devido à pandemia de COVID-19. Este estudo analisará os efeitos do anti-PD-1 nos gânglios linfáticos e no sangue para tentar se encontrar a dose mais baixa e segura do pembrolizumabe nós pacientes portadores de HIV.