Com os grandes avanços obtidos nas últimas décadas na genética e na genômica de variados cânceres, incluindo o câncer de ovário, se tornou fundamental em seu manejo e prevenção o teste genético para detecção de mutações nos genes BRCA 1 e BRCA 2 (e eventualmente outros ligados à predisposição a este câncer), uma vez que a detecção de mutações ou de perda de função destes genes (hoje muito bem estudados através da técnica de NGS - sequenciamento de próxima geração) é essencial não só no aconselhamento genético das portadoras e pesquisa da mesma alteração em seus familiares, mas também pode direcionar tratamentos desenvolvidos especificamente para tumores que apresentem estas variantes, a chamada terapia alvo, que hoje conta com medicamentos de alta tecnologia, os chamados inibidores da enzima PARP.
Hoje discutimos inclusive a indicação das chamadas cirurgias redutoras de risco para mulheres portadoras destas mutações, que envolvem a retirada cirúrgica preventiva dos ovários, trompas e mesmo das mamas, pois tratam-se de genes de alta penetrância, ou seja, com risco elevado de desenvolvimento destes tumores durante a vida das portadoras. Essa discussão, a indicação e interpretação dos testes e a eventual indicação de cirurgias redutoras devem sempre ser realizadas por um especialista, que é o oncogeneticista, obviamente em conjunto com demais especialistas, como os mastologistas e os ginecologistas.
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As descobertas são evidências claras de que o teste de BRCA germinativo (gBRCA) continua subutilizado. Cerca de 15% dos cânceres de ovário abrigam variações de gBRCA, e isso tem implicações importantes para o tratamento, incluindo aumento da sensibilidade à quimioterapia à base de platina e inibidores de PARP e melhora da sobrevida, como disse acima. As diretrizes recomendam testes universais desde 2010.
Para avaliar a aceitação, os pesquisadores analisaram dados de reivindicações da Aetna/CVS Health para 3.603 mulheres com câncer de ovário que fizeram quimioterapia à base de platina dentro de 6 meses após a biópsia ou cirurgia. A análise mostrou que apenas 1.220 mulheres (33,9%) foram testadas para BRCA germinativo durante o período do estudo, embora as taxas de teste tenham melhorado ao longo dos anos de 14,7% em 2008 para 46,4% em 2018. Houve também uma melhora no tempo de uma mediana de 280 dias após a primeira solicitação de quimioterapia em 2008 para uma mediana de 72,5 dias em 2018. As taxas de testagem foram menores para mulheres com 65 anos ou mais, versus aquelas com menos de 50 anos.
Estudos futuros devem examinar as barreiras para testes oportunos, particularmente para mulheres mais velhas em práticas comunitárias. Intervenções direcionadas a médicos são essenciais porque a ausência de recomendações médicas continua sendo a maior barreira para testes.
O problema do rastreamento e do diagnóstico precoce do câncer de ovário
Por outro lado, embora os cânceres de ovário diagnosticados precocemente tenham uma alta taxa de sobrevida, estudos prospectivos randomizados de ultrassonografia transvaginal e estratégias de triagem de marcadores tumorais não conseguiram reduzir sua mortalidade. Atualmente não há um teste de triagem recomendado para mulheres com risco médio. Em geral os sintomas produzidos pelo câncer de ovário são vagos e nem sempre presentes nos estádios mais precoces da doença na população em geral. Adicionalmente. muitos profissionais de saúde aparentemente desconhecem os sintomas tipicamente associados ao câncer de ovário, de modo que o diagnóstico precoce é raramente obtido.
Entretanto, um novo estudo oferece uma outra visão sobre os primeiros sintomas indicativos de câncer de ovário epitelial de alto risco, em estádio inicial: mais de 70% das mulheres acometidas têm pelo menos um sintoma, como dor abdominal/pélvica ou aumento da circunferência/plenitude abdominal, sendo que mulheres com tumores maiores se apresentam mais sintomáticas. Essa é a boa notícia: mesmo na doença em estádio inicial, o câncer de ovário não é necessariamente uma doença silenciosa, conforme o conforme o estudo coordenado pelo oncologista/cirurgião ginecológico John K. Chan, MD, da Palo Alto Medical Foundation/California Pacific/Sutter Research Institute. O estudo foi publicado em 6 de janeiro de 2021 na revista Obstetrics & Gynecology.
De acordo com Chan, a maioria dos estudos anteriores sobre os sintomas do câncer de ovário se concentrou naqueles com doença avançada, já que é quando normalmente é diagnosticado. Dadas essas lacunas no conhecimento de relatórios anteriores, os autores realizaram esta análise para avaliar a apresentação e os sintomas característicos do câncer de ovário em estádio inicial e tentar identificar a relação entre esses sintomas em relação às características clínico-patológicas e ao prognóstico da doença em estágio inicial.
Chan e colegas rastrearam retrospectivamente 419 pacientes que participaram de um ensaio clínico de variados protocolos de quimioterapia. Todas as pacientes tinham câncer de ovário epitelial em estádio inicial de alto risco (estágio IA-IB e grau 3 para tumores de células claras e qualquer histologia, estádios IC ou II).
Das pacientes, 40% apresentavam um sintoma, enquanto 32% apresentavam vários sintomas. Os outros 28% não apresentaram sintomas e suas massas foram diagnosticadas ao serem descobertas durante o exame físico. Outros pesquisadores descobriram que quase 95% das pacientes com câncer de ovário eram sintomáticas. Essa porcentagem mais baixa de pacientes sintomáticas no estudo de Chan pode ser porque todas as 419 pacientes tinham doença em estádio inicial em oposição à doença em estádio avançado.
Os sintomas mais comuns foram dor abdominal ou pélvica (31%), plenitude ou aumento da circunferência abdominal (27%), sangramento vaginal anormal (13%), problemas urinários (10%) e problemas gastrointestinais (6%). Não houve correlação estatisticamente significativa entre o número de sintomas e a idade (menores de 60 ou 60 anos ou mais), estágio do câncer ou subtipo histológico. No entanto, as pacientes com os maiores tumores (>15 cm) eram mais propensos a ter múltiplos sintomas do que aqueles com os menores tumores (10 cm ou menores): 46% vs. 21%. Além disso, 79% daqueles com os maiores tumores (>15 cm) tinham pelo menos um sintoma, em comparação com 65% daqueles com os menores tumores (10 cm ou menos).
Ao contrário de outros estudos, este relatório não encontrou uma ligação entre o número de sintomas e a mortalidade. Essa descoberta surpreendeu os pesquisadores, assim como a falta de correlação entre os sintomas e a idade, estádio ou subtipo histológico.
O estudo concluiu que pacientes e profissionais de saúde precisam ter um índice mais alto de suspeita em pacientes com câncer de ovário sintomático para aumentar a detecção precoce e potencialmente melhorar as taxas de cura das pacientes. O câncer de ovário nem sempre mata. Na verdade, até 80% das pacientes com doença em estádio inicial podem ser curadas com a abordagem cirúrgica apropriada e a adição ou não de tratamento adjuvante ou complementar. Portanto, o reconhecimento desses sintomas-chave são fundametais para que o diagnóstico precoce da doença seja estabelecido, através dos métodos diagnósticos subsequentes apropriados.