Já discuti aqui no Saúde Plena sobre como as pesquisas com biópsia líquida (exame feito com sangue do paciente para análise do perfil tumoral) estavam avançando, no sentido de sua utilização para detecção do câncer cada vez mais precoce, mesmo em pessoas assintomáticas. Isso possibilitaria um cenário em que os exames de sangue de check-ups de rotina pudessem detectar a presença da doença muito antes dos sintomas chegarem a aparecer.
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O teste estará disponível inicialmente como um complemento aos testes recomendados de rastreamento de câncer, em todo o sistema de saúde Providence Health System, que tem sede em Washington. Isso inclui mais de 50 hospitais e cerca de 1,1 mil clínicas de saúde que atendem a 5 milhões de pacientes.
Apesar de ainda estar em investigação clínica, o teste já é a materialização do que esperávamos há anos: um exame de rastreamento que tenha uma altíssima sensibilidade, ou seja, consiga detectar um tumor em uma fase bem inicial, seja muito específico, sua presença efetivamente corresponda à presença real do tumor, seja não invasivo e que tenha um custo acessível.
Importância do diagnóstico precoce
Atualmente, o diagnóstico tardio é uma grande barreira para o sucesso do tratamento do câncer. Podemos afirmar que em fases iniciais, a grande maioria dos cânceres é curável, e em uma elevada porcentagem dos casos. Mas o grande desafio que enfrentamos é como detectá-lo precocemente.
Via de regra, quando um câncer provoca sintomas, ele já se encontra em uma fase avançada de seu desenvolvimento. Por outro lado, tanto os exames de sangue para a pesquisa de substâncias que possam identificar a presença dos tumores - chamadas de marcadores tumorais -, quanto os vários exames de imagem utilizados como rastreamento, não conseguem um elevado índice de sucesso na maioria dos tumores, além de terem altos custos envolvidos, pois necessitam ser realizados periodicamente.
Como funciona a biópsia líquida
A biópsia líquida é uma tecnologia não invasiva já utilizada para a detecção de biomarcadores moleculares através de uma coleta simples de sangue, sem a necessidade de procedimentos invasivos como biópsias e cirurgias. A técnica permite aos médicos descobrirem uma série de informações sobre uma doença, nesse caso específico, sobre um determinado tumor.
Isso é possível devido ao processo de morte (apoptose) de células do tumor, que libera material genético ou traços do RNA ou do DNA do câncer no sangue. Então, a análise desse material genético pode fornecer informações valiosas sobre quais tratamentos são mais prováveis e efetivos para o paciente, além da própria identificação de sua presença, bem como suas características genéticas, biológicas e prognósticas e evolutivas.
A grande vantagem da biópsia líquida, além de ser um teste não invasivo (portanto, pode ser realizado várias vezes, o que é fundamental na monitorização do tratamento), é a de oferecer uma análise genética em tempo real de um determinado tumor, ou seja, seu "retrato" genômico do momento do exame. Tumores, via de regra, apresentam heterogeneidade, ou seja, possuem assinaturas genômicas distintas dentro do mesmo tumor e também nas metástases, sincronicamente e durante a evolução da doença metastática.
Agora, com o Galleri Blood Test, uma outra aplicação possível da biópsia líquida - a de detectar o câncer com precocidade, ainda antes do mesmo se manifestar clinicamente ou mesmo nos exames de imagem - será colocada em prática. Isso faz todo sentido, porque sabemos que as células tumorais liberam seu DNA para a circulação sanguínea ainda nas fases iniciais do desenvolvimento tumoral.
Acredito que, nos próximos passos, será possível avaliar em larga escala a precisão e confiabilidade deste teste, algo importante de se fazer, uma vez que o diagnóstico implicará em uma série de repercussões médicas, diagnósticas e mesmo psicológicas para o paciente.
A partir desta detecção, exames direcionados para aquele tumor e seu provável local ou órgão de origem terão que ser realizados, muitas vezes, de forma periódica para que um procedimento cirúrgico precoce possa determinar altos índices de cura para o tumor em questão.
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.
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