Saúde Plena

Vacinação contra HPV e a redução das taxas de câncer de colo de útero


Por ser uma doença multifatorial, o câncer exige esforços multiplicados, incluindo pesquisas para entender cada um dos processos de carcineogênese, bem como ações dos governos para prevenção e diagnóstico, e da população para modificar os próprios hábitos de vida.


Exemplo disso é a pesquisa apresentada no encontro anual virtual da American Society of Clinical Oncology (ASCO), em maio, cujos resultados demonstram que a vacinação do papilomavírus humano (HPV) nos EUA está de fato protegendo as mulheres do câncer do colo do útero (cervical): a incidência de câncer do colo de útero diminuiu 1% ao ano nos últimos 17 anos naquele país. No entanto, outros cânceres relacionados ao HPV, como os tumores anal, retal e oral, continuam a aumentar.

A redução foi ainda mais consistente em mulheres entre 20 e 24 anos, com um declínio anual de 4,6% nos casos de câncer cervical - sugerindo que a vacina contra o HPV, que foi aprovada para meninas em 2006, está ajudando a reduzir as taxas desse câncer. Essas mulheres tinham de 9 a 13 anos em 2006, o que significa que a vacinação contra o HPV pode ter surtido efeito.

Por outro lado, as taxas de câncer anal e retal sugerem que essas doenças se tornarão mais comuns entre as mulheres com mais de 50 anos do que o câncer cervical até o ano de 2025. Nos homens, o câncer oral foi responsável por 4 dos 5 cânceres relacionados ao HPV, uma taxa quase cinco vezes maior do que nas mulheres.


As análises do estudo demonstraram um aumento anual de 2,4% ao ano nos cânceres relacionados ao HPV em homens, nos últimos 17 anos, com o maior aumento no câncer oral. Lá, a vacina contra o HPV foi disponibilizada para meninos em 2011 e hoje está aprovada para todos até 45 anos.

Esses números sugerem que a vacinação contra o HPV por si só pode não reduzir as taxas de câncer. A vacina deve ser acompanhada por outros métodos de prevenção, assim como pelo rastreamento para detectar esses cânceres precocemente e possibilitar o tratamento bem-sucedido.

Campanha mundial
O HPV causa mais de 90% dos cânceres cervicais e anais, bem como 60% a 75% dos cânceres orais, vaginais e penianos, conforme ressaltaram os pesquisadores. Cerca de 60% dos cânceres de HPV ocorrem em mulheres e 40% em homens.


A associação direta do HPV a esses tipos de tumores levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a publicar, em 2018, uma “chamada para ação” com três metas principais a serem cumpridas até 2030, sendo elas:

- Vacinar 90% das meninas e adolescentes de até 15 anos contra o HPV;

- Fazer, todo ano, o Papanicolau em pelo menos 30% das mulheres entre 25 e 65 anos. Como o exame tem recomendação de realização trienal após dois testes negativos, a medida cobriria 90% dessa população;

- Garantir acesso ao tratamento no estágio inicial da doença a pelo menos 90% das mulheres.

Cenário no Brasil
Desde 2014, o imunizante está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. Atualmente, meninas entre 9 e 14 anos e meninos de 11 a 14 podem se vacinar pelo SUS. Pessoas vivendo com HIV/Aids, transplantados de órgãos, de medula óssea e pacientes oncológicos com idade entre 9 e 26 anos também fazem parte do público-alvo.

No entanto, a cobertura vacinal atual está bem abaixo do recomendado de 80%. O fato de a vacina não ser mais oferecida nas escolas da rede pública gerou uma redução na cobertura vacinal de 90% em 2014 para 52% em meninas e 22% em meninos em 2019. Somado a isso, a falta de informações sobre a eficácia e segurança da vacina para os pais e adolescentes também pode contribuir.


Por último, sem dúvida, o comprometimento dos sistemas de saúde pela pandemia, bem como as restrições da quarentena agravaram ainda mais esse cenário. Em 2020, a primeira dose da vacina HPV foi aplicada em cerca de 70% das meninas de 9 a 15 anos e em pouco mais de 40% dos meninos de 11 a 14 anos. Na segunda dose, os índices foram de aproximadamente 40% e 30%, conforme informações apresentadas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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