É amplamente divulgado por coloproctologistas e por oncologistas o quanto uma dieta rica em produtos in natura e em fibras é importante para a saúde do intestino, bem como para a prevenção do câncer. Um novo estudo vem agora demonstrar como os alimentos de uma dieta desequilibrada resultam diretamente em um microbioma intestinal inflamatório.
A pesquisa realizada pela Universidade de Groningen e pelo Centro Médico da Universidade de Groningen, na Holanda, demonstrou que a alta ingestão dietética de produtos de origem animal, alimentos processados, álcool e açúcar resulta em um microbioma intestinal que estimula a inflamação, enquanto uma dieta rica em alimentos vegetais promove comunidades microbianas intestinais com efeito oposto.
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Isso ocorre porque a composição do microbioma intestinal afeta diretamente o equilíbrio das respostas pró e anti-inflamatórias no intestino. Como os micróbios se desenvolvem em substratos dietéticos, questiona-se se é possível nutrir um ecossistema intestinal anti-inflamatório.
Conforme os pesquisadores apontaram, a doença inflamatória intestinal (DII), por exemplo, envolve a perda de equilíbrio entre a microbiota intestinal e o sistema imunológico intestinal. Mas o contrário também ocorre, com o ecossistema microbiano intestinal afetando a imunidade sistêmica, assim como o desequilíbrio no microbioma intestinal, implicando em uma série de condições inflamatórias.
Além das respostas imunológicas locais, a microbiota intestinal também afeta os componentes imunológicos sistêmicos e é relacionada a inúmeras doenças inflamatórias imunomediadas (IMIDs), como diabetes, artrite e lúpus eritematoso sistêmico. As doenças inflamatórias intestinais também são fatores de risco para o câncer colorretal.
Desenvolvimento da pesquisa
Para chegar às conclusões, os pesquisadores analisaram a interação entre dieta normal, micróbios intestinais e inflamação intestinal, em 1.425 pessoas, sendo elas: 331 pessoas com alguma doença inflamatória do intestino (doença de Crohn ou colite ulcerativa), 223 pessoas com alguma síndrome do intestino irritável e 871 indivíduos com intestino normal.
Cada pessoa forneceu uma amostra de fezes para análise microbiana e preencheu um questionário de frequência alimentar para quantificar a ingestão média diária de nutrientes. Itens alimentares específicos foram agregados em 25 grupos de alimentos, medidos em gramas por dia. Os pesquisadores, então, traçaram o perfil da composição e função microbiana intestinal de cada participante.
A análise dos dados revelou 38 associações entre a ingestão alimentar e grupos bacterianos específicos. Além disso, 61 alimentos e nutrientes individuais foram associados a 61 espécies de bactérias e 249 processos metabólicos entre os participantes do estudo.
Foram identificadas associações significativas que se replicam em pacientes com doença de Crohn, colite ulcerativa, síndrome do intestino irritável e a população em geral, indicando a possibilidade de utilização de dietas direcionadas ao microbioma para aliviar e prevenir a inflamação intestinal.
Como cada alimento favorece bactérias específicas
Alimentos processados %u200Be alimentos de origem animal foram consistentemente associados a um maior volume relativo de espécies bacterianas "oportunistas", incluindo bactérias pertencentes a Firmicutes e Ruminococcus sp, associadas à atividade pró-inflamatória. Alimentos vegetais e peixes, por outro lado, foram relacionados a espécies bacterianas "amigáveis" envolvidas na atividade anti-inflamatória.
Comer nozes, peixes oleosos, frutas, vegetais e cereais foi associado a uma maior abundância de bactérias, como Faecalibacterium sp, que produzem ácidos graxos de cadeia curta. Esses ácidos ajudam a controlar a inflamação e a proteger a integridade das células que revestem o intestino.
Vinho e café: mocinhos ou vilões?
O vinho tinto foi similarmente associado a uma maior abundância de várias bactérias produtoras de ácidos graxos de cadeia curta. Mas a ingestão total de álcool, destilados e açúcar foi associada a espécies e funções microbianas nocivas. A ingestão de café também foi associada a maior abundância relativa de Oscillibacter sp, enquanto laticínios fermentados, como leite e iogurte, foram fortemente associados a bactérias anti-inflamatórias, como Bifidobacterium, Lactobacillus e Enterococcus sp.
Menos bactérias oportunistas
Alimentos como legumes, lentilhas, ervilhas e grão-de-bico, peixes e nozes foram consistentemente associados a uma abundância relativa mais baixa de bactérias "oportunistas" e de atividade pró-inflamatória. Por sua vez, fast food de carnes, batatas fritas, maionese e refrigerantes foram associados a bactérias "hostis" como Clostridium bolteae, Coprobacillus e Lachnospiraceae em todos os participantes do estudo. Os pesquisadores observaram que, na ausência de fibras, essas bactérias se voltam para a camada de muco do intestino para se alimentar, levando a uma erosão da integridade do intestino.
Dessa forma, a maior ingestão de alimentos de origem animal, alimentos processados, álcool e açúcar, corresponde a um ambiente microbiano propício à inflamação e está associado a níveis mais elevados de marcadores inflamatórios intestinais.
A equipe concluiu que dietas de longo prazo enriquecidas com leguminosas, vegetais, frutas e nozes, com maior ingestão de vegetais, a preferência por laticínios fermentados com baixo teor de gordura e peixes, bem como evitar bebidas alcoólicas fortes, processados, carnes e refrigerantes com alto teor de gordura, podem potencialmente ajudar a prevenir processos inflamatórios intestinais através do microbioma intestinal. A substituição da proteína animal pela proteína vegetal tem o potencial de reduzir os processos inflamatórios intestinais, visando as vias microbianas envolvidas.
É possível concluir assim que o controle preventivo da microbiota intestinal por meio da dieta, seja em pacientes com doença de Crohn, colite ulcerosa, síndrome do intestino irritável, seja na população em geral, pode ser relevante para reduzir quadros de inflamação e até evitar outras doenças associadas, como o câncer colorretal.
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.
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