Nesta semana, sigo abordando os destaques do congresso anual da AACR (Associação Americana para a Pesquisa do Câncer), dada a relevância dos temas para a prática da oncologia clínica.
Esse é considerado o maior e mais importante evento mundial de oncologia translacional (estudos pré-clínicos ou de laboratório que norteiam os estudos clínicos de novas ferramentas diagnósticas e tratamentos para o câncer), genômica do câncer e de ensaios clínicos de drogas, moléculas e imunobiológicos pioneiros no tratamento oncológico.
A prevenção é o melhor caminho
Em um destaque interessante sobre o papel da prevenção no combate ao câncer, a pesquisadora Adriana Albini, PhD, Fondazione MultiMedican Onlus, da Itália, moderou a sessão Alvos Moleculares de Prevenção e Interceptação de Precisão, com enfoque nas abordagens moleculares para a prevenção precisa do câncer.
Essas considerações se dão a partir da análise do aumento dramático da vida humana durante o século 20, devido, em grande parte, aos avanços na saúde pública, nutrição e tratamento eficaz para uma lista crescente de doenças infecciosas.
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Para ela, é melhor agir para a prevenção do que para a terapia do câncer. Tanto as doenças cardiovasculares, quanto o câncer, têm fatores de risco, incluindo dieta, peso, atividade física e tabagismo, que podem ser modificados.
É possível para cada indivíduo fazer algo para prevenir o câncer, mesmo que tenha tido maus hábitos em algum momento. Se você está acima do peso, pode perder peso e mudar seus hábitos alimentares. Além disso, a quimioprevenção com a utilização de medicamentos para a reversão, bloqueio ou prevenção do surgimento do câncer em determinados grupos de risco é uma estratégia muito viável. Exemplo disso é o uso de aspirina para prevenção do câncer colorretal em portadores da Síndrome de Lynch.
Conforme discutido, a prevenção direcionada pode mudar o curso de uma epidemia crescente de morte precoce em mulheres, causada pela combinação de dieta pobre e baixos níveis de atividade física. A obesidade é a culpada óbvia, particularmente no desenvolvimento de câncer de mama positivo para receptor de estrogênio (ER +), pois existe uma conexão clara entre obesidade, inflamação e câncer de mama.
A obesidade desencadeia a síntese de estrogênio, resistência à insulina e produção alterada de adipocinas e citocinas, todas ligadas à angiogênese, proliferação celular e sobrevivência celular no câncer de mama.
Processo inflamatório causado pela obesidade
Por sua vez, Andrew J. Dannenberg, MD, do Weill Cornell Medical College, de Nova Iorque, discutiu a obesidade como fator de risco. "A obesidade causa um estado inflamatório das Estruturas em Forma de Coroa (CLS) no tecido adiposo composto de adipócitos hipertróficos cercados por macrófagos", disse Dannenberg.
Essas estruturas CLS são formadas devido à alta capacidade fagocitária dos macrófagos, que são recrutados para o tecido adiposo, atraídos principalmente por ácidos graxos livres e, então, se organizam em volta do adipócito morto na tentativa de realizar o tamponamento lipídico.
O pesquisador observou que as CLSs e a inflamação do tecido adiposo branco da mama são comuns nas mamas de mulheres com sobrepeso e obesas. Esta inflamação subclínica está associada às mudanças na expressão gênica, enquanto a elevação da insulina está ligada à patogênese do câncer de mama ER .
A mesma fisiopatologia pode ser observada em cerca de um terço das mulheres com peso normal. Uma análise dos dados da Iniciativa de Saúde da Mulher descobriu que a gordura troncular elevada, mesmo em mulheres com IMC normal, acarreta risco de câncer semelhante.
Dannenberg disse ainda que um ensaio de intervenção no estilo de vida para melhorar a composição corporal em mulheres com IMC normal, originalmente planejado para 2020, começará após o fim da pandemia de COVID-19.
O papel da insulina
Victoria Seewaldt, médica do City of Hope Comprehensive Cancer Center, nos EUA, avaliou que a insulina está à montante de várias vias que contribuem para o câncer de mama. O tecido adiposo pode ser considerado o culpado óbvio do câncer de mama, mas a resistência à insulina e a biologia do câncer induzida pela insulina são os verdadeiros problemas.
Conforme considerou, em mulheres com peso normal, a resistência à insulina é impulsionada por uma biologia do câncer mais agressiva. A resistência à insulina ativa as vias de sinalização Wnt / EZH2 e pAKT agressivas que podem promover instabilidade genômica e estimular o crescimento dos tumores.
Para ela, o bloqueio da resistência à insulina pode inibir as vias de promoção do câncer. Um estudo multicêntrico com o uso de 12 meses de metformina (uma droga já largamente utilizada no tratamento do diabetes e que reduz a resistência periférica à insulina) em mulheres na pré-menopausa com atipia mamária está em andamento.
Intervenção no câncer de próstata em estágio inicial
Por fim, se destacam as observações de Cory Abate-Shen, do Herbert Irving Comprehensive Cancer Center, Molecular Pharmacology & Therapeutics, da Columbia University Irving Medical School sobre o câncer de próstata. Para ela, uma minoria de homens irá progredir para câncer metastático e o desafio é identificar os poucos homens que requerem intervenção intensiva na forma de prevenção em um estágio inicial.
Ela identificou a desregulação do gene homeobox NKX3.1 como um passo vital no desenvolvimento e progressão da neoplasia intraepitelial prostática (PIN). O NKX3.1 protege contra inflamação, estresse oxidativo e danos ao DNA. Sua perda ou redução leva a defeitos na diferenciação, senescência celular e início do câncer.
Pelo menos dois polimorfismos em NKX3.1 são incapazes de proteger contra o estresse oxidativo e estão associados a um risco aumentado de tipos de câncer agressivos. Por isso, conforme explicou, monitorar o status do NKX3.1 em homens sob vigilância ativa proporcionaria uma grande oportunidade para uma prevenção precisa e para identificar homens com maior risco de progressão.
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.