Síndrome de Lynch: retirada preventiva de útero, trompas e ovários

Estudo publicado na revista Nature discute benefícios da cirurgia profilática; indicação é apenas quando pacientes já formaram a prole, conforme desejo pessoal

Ava Sol/Unsplash
(foto: Ava Sol/Unsplash)

Sem dúvida, desde 2011, quando a atriz Angelina Jolie anunciou a realização da cirurgia profilática para retirada dos ovários e das trompas de falópio, depois de já ter feito uma dupla mastectomia, houve um grande entendimento popular sobre o que são as mutações hereditárias do câncer, em especial do gene BRCA1, relacionado ao caso da atriz, e BRCA2, cujas mutações também têm grande impacto na predisposição aos cânceres femininos. Contudo, cerca de dez anos depois, a discussão precisa ser ampliada para as outras síndromes hereditárias causadoras de tumores em mulheres, a exemplo da Síndrome de Lynch.

Trata-se de uma condição de predisposição familiar ao câncer causada por mutação nos genes de reparo de incompatibilidade de DNA (MMR), que são justamente aqueles responsáveis por atuarem na identificação e correção dos danos das moléculas de DNA. As mutações nesses genes são autossômicas dominantes. Ou seja, além de poderem ocorrer em homens e mulheres, os filhos do portador têm 50% de chance de herdá-las.

Os indivíduos afetados podem desenvolver um pequeno número de tumores benignos de tecido epitelial (adenomas), que podem progredir rapidamente para câncer colorretal, resultando em um início de sintomas consideravelmente mais precoce em comparação com o câncer colorretal esporádico.

Indivíduos com Síndrome de Lynch também apresentam risco aumentado de desenvolver outras formas de câncer, especialmente os cânceres endometrial, gástrico e de ovário, mas também estômago, intestino delgado, vesícula e ductos biliares, pâncreas, trato urinário, cérebro e próstata. Em mulheres portadoras, os cânceres ginecológicos são tão comuns quanto os cânceres gastrointestinais.

Para identificar os indivíduos com alto risco para a Síndrome de Lynch, são utilizados os critérios de Amsterdam II:

1 - Ter três ou mais familiares com câncer de endométrio, intestino delgado, estômago, hepatobiliar, de pelve renal e ureter, sendo um parente de 1º grau dos outros dois

2 - Ter casos de câncer colorretal em no mínimo duas gerações da família

3 - Ter na família um ou mais casos de câncer colorretal diagnosticados antes dos 50 anos de idade

Cirurgia profilática


A confirmação do diagnóstico será feita por análise genética, com um simples exame de sangue, para detecção de mutações dos genes MMR (MLH1, MSH2, MSH6, PMS2 e EPCAM). A partir desta verificação em mulheres, o oncogeneticista irá explicar as possibilidades preventivas, entre elas a realização da cirurgia preventiva, que inclui a retirada de útero, trompas e ovários. Para essa indicação, devem ser considerados inúmeros fatores, entre eles se essa paciente já teve sua prole formada, por exemplo.

Contudo, a idade para indicação da cirurgia redutora de risco vem rendendo uma discussão também do ponto de vista da eficácia da mesma para redução da incidência e da mortalidade.

Até recentemente, as diretrizes clínicas eram semelhantes para heterozigotos de todas as variantes genéticas dos genes MMR, o prognóstico do câncer endometrial era considerado semelhante entre portadores de mutações patogênicas dos genes MMR e dos sem estas mutações. E o prognóstico para câncer de ovário era considerado semelhante ao câncer de ovário em portadoras de mutações patogênicas de BRCA1.

Apesar de haver recomendação do Grupo de Consenso Internacional de Manchester para realização das cirurgias profiláticas depois dos 35-40 anos de idade, após a conclusão da gravidez em portadoras de Síndrome de Lynch, os dados vêm sendo considerados fracos para tal indicação.

Com o objetivo de determinar o impacto da retirada preventiva de útero, trompas e ovários (histerectomia redutora de risco e salpingo-ooforectomia - BSO bilateral) na incidência de câncer ginecológico e na morte de pacientes heterozigotos de variantes patogênicas MMR (path_MMR), um estudo publicado na revista Nature analisou informações coletadas no Banco de Dados da Síndrome de Lynch (Prospective Lynch Syndrome Database - PLSD).

Com isso, os pesquisadores identificaram que a cirurgia redutora de risco aos 25 anos de idade, em portadoras da síndrome, evita o câncer endometrial, antes dos 50 anos, em 15% das participantes com variantes MLH1, 18% para MSH2, 13% para MSH6. Já o óbito foi evitado em 2% das pacientes com variante MLH1, 2% para MSH2, 1% para MSH6. Mas, na variante PMS2, os índices ficaram em 0%, o que significa que a mutação patogênica isolada deste gene não deve indicar qualquer tipo de cirurgia profilática.

Por sua vez, se realizada aos 40 anos, a histerectomia redutora de risco previne o câncer endometrial em mulheres a partir dos 50 anos em 13% (MLH1), 16% (MSH2), 11% (MSH6) e 0% (MSH6) e morte em 1% (MLH1), 2% (MSH2), 1% (MSH6) e 0% (PMS2), respectivamente.

Já para o câncer de ovário, a cirurgia de redução de risco aos 25 anos de idade previne a incidência, antes dos 50 anos, em 6% (MLH1), 11% (MSH2), 2% (MSH6) e 0% (PMS2) e a morte em 1%, 2%, 0% e 0%, respectivamente. Se realizada aos 40 anos, a cirurgia previne câncer de ovário antes dos 50 anos em 4% (MLH1), 8% (MSH2), 0% (MSH6) e 0% (PMS2), e morte em 1%, 1%, 0% e 0%, respectivamente.

Com isso, os pesquisadores chegaram à conclusão de que há pouco benefício na realização da cirurgia redutora de risco antes dos 40 anos de idade e pré-menopausa em portadoras de mutações de MSH6. Além disso, quanto à variante PMS2, não foi encontrado nenhum benefício mensurável para redução da mortalidade. Essas descobertas podem, agora, ajudar médicos e pacientes na tomada de decisão sobre a cirurgia redutora de risco em casos de diagnóstico de Síndrome de Lynch. Como costumo dizer, a decisão final é sempre da paciente.

É importante lembrar que o rastreamento preventivo de tumores ginecológicos, do câncer colorretal e de tumores associados, é recomendado em indivíduos com membros da família conhecidos por terem uma mutação no gene da Síndrome de Lynch. As consultas médicas e exames devem ocorrer a cada 1 ou 2 anos, começando aos 20–25 anos de idade ou 5 anos antes do primeiro caso registrado de tumor na família.

Além disso, a confirmação dessa síndrome permitirá lançar mão de outras estratégias preventivas, como por exemplo, a ingestão diária de aspirina para reduzir o risco de câncer de cólon e de câncer endometrial.

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.


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