O tema álcool é recorrente quando falamos do combate ao câncer devido à sua influência direta no processo de carcinogênese. Tumores de boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, fígado, intestino (cólon e reto) e mama, além de pelo menos outras 200 doenças e lesões, são comuns de aparecer em pessoas com hábitos alcoólicos.
Mas será possível quantificar os casos de câncer diretamente causados pelo consumo dessa droga? Foi o que buscaram fazer, recentemente, pesquisadores norte-americanos, descobrindo que nos EUA, em média, o consumo de álcool é responsável por 4,8% dos casos de câncer e 3,2% das mortes por câncer.
O estudo foi o primeiro a estimar a carga do câncer relacionada ao álcool em cada estado. Conduzido por Farhad Islami, MD, PhD e colegas da American Cancer Society (ACS), teve resultados publicados online na Cancer Epidemiology.
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Quando analisado o efeito do consumo de álcool em tipos específicos de câncer, a proporção foi ainda maior: 12,1% dos cânceres de mama femininos, 11,1% dos cânceres colorretais, 10,5% do fígado e 7,7% dos cânceres de esôfago. Além disso, em 46 estados, o álcool foi responsável por aproximadamente 45% dos diagnósticos de cavidade oral / faríngea e 25% dos diagnósticos de câncer de laringe.
O estudo também mostrou que as estimativas específicas do estado para casos e mortes por câncer variaram amplamente, de 2,1% a 5,0%, em homens, e de 1,4% a 4,4%, em mulheres. As proporções de câncer atribuíveis ao álcool tendem a ser maiores na Nova Inglaterra e nos estados do Oeste, e menores nos estados do Centro-oeste e Sul, com duas notáveis %u200B%u200Bexceções: Delaware teve o maior número de casos de câncer relacionados ao álcool (6,7%) e de mortes (4,5%), entre homens e mulheres combinados; e Utah teve o menor (2,9% e 1,9%, respectivamente).
No Brasil, dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico - Vigitel, divulgados em 2020, mostram que, nas 27 capitais, a frequência de consumo abusivo de álcool nos 30 dias anteriores à pesquisa foi de 18,8%, variando entre 14,2% em Natal e 24,3% em Salvador.
Esse padrão é mais frequente em homens (25,3%) e foi mais observado nas capitais Cuiabá (33,1%), Salvador (31,7%) e no Distrito Federal (30,9%). Entre as mulheres a frequência de consumo abusivo aumentou de 11% em 2018 para 13,3% em 2019, com destaque para as capitais Salvador (18,1%), Rio de Janeiro (17,6%) e Palmas (17,4%).
Trata-se de um dado alarmante, visto o câncer de mama ser o tipo mais comum em todo o mundo (11,7% do total de casos novos) e a quinta causa de mortalidade por câncer, com 685 mil óbitos em 2020. Ou seja, o aumento do consumo de bebidas alcoólicas só piora esse quadro.
Durante a pandemia, sabemos que o consumo de bebidas alcoólicas, em geral, se intensificou. Conforme mostrou uma pesquisa feita pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em 33 países e dois territórios das Américas, 42% dos entrevistados brasileiros relataram alto consumo de álcool durante a pandemia de COVID-19.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo de álcool aqui supera a média mundial. Entre os 194 países avaliados, o consumo médio para pessoas acima de 15 anos é de 6,2 litros por ano, enquanto que em nosso país é de 8,7 litros por pessoa por ano, cerca de 30% a mais.
Assim como ocorre no tabagismo, o combate a esse hábito, com implementação de protocolos mundiais, políticas federais e estaduais, mostra-se como ferramenta da redução da incidência e mortalidade por câncer e também por outras enfermidades.
Recentemente, inclusive, um estudo desenvolvido em parceria pela Unidade de Pesquisa e Educação Clínica em Vício, pelo Departamento de Epidemiologia e pelo Departamento de Ciências da Saúde Comunitária, ambos da Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston, mostrou que o aumento dos controles de álcool em 10% estava associado a uma redução relativa de 8,3% na taxa de mortalidade por câncer orofaríngeo.
É importante observar que, conforme mostram os últimos estudos publicados a respeito do processo de carcinogênese desencadeado pelo consumo de álcool, não existe nível saudável de consumo. Com foco na prevenção de doenças, o melhor é não dar chances aos malefícios associados a esse hábito.
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.
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