Via de regra, excetuando-se os casos hereditários, consideramos o câncer uma doença do envelhecimento, pois o processo de carcinogênese ocorre em longo prazo. Dessa forma, a maior parte dos protocolos indicam exames de rastreamento em torno dos 50, 55 anos. Contudo, os hábitos de vida da humanidade parecem estar mudando essa regra, sendo registrados tumores em pessoas cada vez mais jovens.
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O carcinoma renal liderou com o maior aumento de taxa. Houve também crescimentos marcantes de carcinoma de tireoide e colorretal (o mesmo tipo que vitimou o protagonista de Pantera Negra, o ator Chadwick Boseman, aos 43 anos), neoplasias de células germinativas e trofoblásticas (células de implantação e formação da placenta), melanoma, entre outros. Somando-se a isso, a American Cancer Society (ACS) descobriu também recentemente, nesse grupo, aumentos semelhantes nos cânceres de tireoide, rim, colorretal e uterino.
O que estaria causando a mudança?
As razões para os aumentos não são claras, mas fatores ambientais e dietéticos, aumento da obesidade, assim como as mudanças nas práticas de triagem e rastreamento de câncer são possibilidades consideráveis. Isto é, conforme avançaram as técnicas e protocolos de diagnósticos, mais casos foram identificados. Acredita-se que o rastreamento do câncer e o sobrediagnóstico (diagnóstico de doença que não provoca sintomas) sejam responsáveis %u200B%u200Bpor grande parte das taxas crescentes de carcinoma de tireoide, renal, entre outros.
Entre pacientes do sexo feminino (59,1% da população do estudo), a incidência aumentou para 15 cânceres, incluindo carcinoma renal, carcinoma de tireoide e melanoma, mastócitos e diversos neoplasias linforreticulares (células que geram reação de defesa). As taxas de cinco cânceres diminuíram, lideradas por astrocitoma não especificado e carcinoma das gônadas.
Já para o público do sexo masculino, a incidência aumentou para 14 cânceres, incluindo carcinoma renal, sarcoma de tecidos moles não especificado e carcinoma de tireoide. A incidência caiu para sete, liderada por astrocitoma (de células que compõem o sistema nervoso central) não especificado e carcinoma da traqueia, brônquio e pulmão.
Conforme apontaram os investigadores, o aumento das taxas de câncer testicular pode estar relacionado à maior exposição pré-natal ao estrogênio e progesterona, como, por exemplo, o uso de anticoncepcionais, obesidade e ao consumo de laticínios, aumento da sobrevida de bebês prematuros, e maior exposição à cannabis.
Já o crescimento das taxas de câncer colorretal pode estar relacionado ao menor consumo de vegetais, aumento de gordura e carne processada na dieta, sedentarismo e obesidade. A infecção por papilomavírus humano também foi citada. Por sua vez, as maiores taxas de melanoma podem estar relacionadas ao uso das câmeras de bronzeamento artificial.
O declínio em alguns tipos de câncer pode ter sido causado pelo maior uso de anticoncepcionais orais, legislação mais restritiva contra a exposição ao benzeno e outros produtos químicos, e redução do tabagismo.
É necessário repensar os hábitos de vida
Os dados apresentados neste estudo são um alerta sobre a necessidade de repensar hábitos de vida que se mostram tão nocivos para nossa saúde. Embora o estudo tenha sido realizado entre a população norte-americana, é possível relacionar aos nossos hábitos, que caminham sempre atrás da cultura americana.
Os resultados encontrados servem também para orientar pesquisas e intervenções mais direcionadas para prevenção, rastreamento, diagnóstico e tratamento de tumores em adolescentes e adultos jovens.
Historicamente, o manejo do câncer em pessoas desse grupo fica entre a oncologia pediátrica e a oncologia adulta, nenhuma das quais captura as necessidades biológicas, sociais e econômicas distintas desse grupo.
Por fim, a continuidade de pesquisas nesse sentido é importante para compreender e abordar as diferentes questões de saúde dessa população no futuro. Os médicos das especialidades relacionadas devem estar atentos a esses cânceres em seus pacientes adolescentes e adultos jovens.
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.
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