Aproximadamente entre 10% e 15% dos casos de câncer no mundo têm como causas as mutações herdadas geneticamente que predispõem a maior possibilidade de desenvolvimento da doença. Não é sentença para os indivíduos que possuem as mutações, apenas uma maior predisposição que pode ser menor ou maior, conforme a mutação.
Esse dado, por algum tempo, teve pouca influência na prevenção do câncer. Contudo, com os avanços conquistados na oncogenética e oncogenômica, nas últimas décadas, e o surgimento de exames que identificam as mutações presentes no DNA de cada pessoa, foi possível definir e ampliar os cuidados preventivos e de rastreamento precoce personalizados para cada indivíduo, e também para os parentes próximos que testarem positivo para tais mutações. Com isso, inúmeros protocolos vêm sendo estabelecidos envolvendo a realização de testes genéticos germinativos por meio da análise de sangue ou saliva.
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Conforme protocolos atuais, normalmente, os testes germinativos são indicados para pacientes com reincidência de tumor e casos de câncer em pessoas jovens da família. Alguns estudos recentes, no entanto, vêm agora apontar que, talvez, o teste genético universal em todos os pacientes com câncer identifique mais variantes de predisposição hereditária ao câncer do que uma abordagem baseada nessas diretrizes.
Um estudo publicado em outubro na revista Jama Oncologia buscou justamente responder a esse questionamento. Para isso, foi utilizado sequenciamento da linha germinativa usando uma plataforma de sequenciamento de próxima geração com mais de 80 genes.
O estudo de corte multicêntrico contou com 2.984 pacientes com câncer atendidos nos centros de câncer da Mayo Clinic, entre 1º de abril de 2018 e 31 de março de 2020. Os resultados são interessantes: 1 a cada 8 pacientes tinha uma variante da linha germinativa patogênica, metade da qual não teria sido detectada usando uma abordagem baseada em diretrizes tradicionais. Quase 30% dos pacientes com uma variante de alta penetrância (maior probabilidade de desenvolver a doença) tiveram modificações em seu tratamento com base na descoberta. Variantes da linha germinativa patogênica foram encontradas em 397 pacientes (13,3%), incluindo 282 genes de suscetibilidade ao câncer de penetrância moderada e alta.
Variantes de significância incerta foram encontradas em 1.415 pacientes (47,4%). Um total de 192 pacientes (6,4%) tiveram achados incrementais clinicamente acionáveis, que não teriam sido detectados pelo fenótipo ou critérios de teste baseados na história familiar. Daqueles com variantes patogênicas da linha germinativa de alta penetrância, 42 pacientes (28,2%) tiveram modificações em seu tratamento com base no achado.
Os resultados desse estudo indicam, então, que o teste genético universal é capaz de detectar variantes mais clinicamente acionáveis do que uma abordagem baseada em diretrizes, com uma associação significativa de manejo clínico para os pacientes e suas famílias.
Esse tipo de discussão já vem sendo realizada, por exemplo, para o câncer de mama e ovário. Uma pesquisa desenvolvida também por investigadores da Mayo Clinic, publicado no Journal of Clinical Oncology, em março deste ano, sugere que todas as mulheres diagnosticadas com câncer de mama antes dos 66 anos devam ter acesso a testes genéticos para identificar se existe mutação genética hereditária conhecida que aumente o risco de desenvolver outros cânceres e tumores entre familiares. As diretrizes atuais da National Comprehensive Cancer Network recomendam testes de linha germinativa para todas as mulheres diagnosticadas com câncer de mama com menos de 46 anos, independentemente do histórico familiar e do subtipo de câncer de mama.
Referente ao manejo de tratamento de pacientes de câncer de mama com mutações, também a Sociedade Americana de Oncologia Clínica, a Sociedade Americana de Oncologia de Radiação e a Sociedade de Oncologia Cirúrgica reuniram um painel de Especialistas para desenvolver recomendações com base em uma revisão sistemática da literatura, o que confirma o benefício da ampla testagem de todas as pacientes com câncer de mama. As recomendações foram publicadas no Journal of Clinical Oncology.
Análises como essas são fundamentais, pois, a cada dia, avançam as tecnologias de identificação das mutações hereditárias. Sendo assim, ampliar o uso dessas ferramentas poderá trazer benefícios inéditos no enfrentamento do câncer. Como venho ressaltando em vários artigos aqui no Saúde Plena, a identificação de uma predisposição hereditária pode ter implicações importantes para as decisões de tratamento, intervenções de redução de risco e rastreamento do câncer nos demais membros da família. Seguimos ansiosos por novas descobertas.
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.
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