Combate à obesidade é ferramenta fundamental contra Câncer Ginecológico

Mês de conscientização: Descontrole hormonal, processo inflamatório crônico e erro alimentar justificam obesidade como causa do câncer

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(foto: Pixabay)

Setembro é também o mês de conscientização do Câncer Ginecológico, que inclui câncer do colo de útero e de ovário, além dos tumores de endométrio, vagina e vulva.

Meu alerta nesta semana é, sobretudo, a respeito da obesidade e sedentarismo como fatores de risco para o desenvolvimento destes e de outros tipos de tumores. Trata-se do segundo principal fator de risco para o desenvolvimento de câncer, atrás apenas do tabagismo, de acordo a Organização Mundial de Saúde (OMS). 

Entre os inúmeros estudos epidemiológicos relacionando a obesidade ao aparecimento de câncer, um mais recente, da União Internacional de Controle do Câncer, comprovou a relação direta entre obesidade e câncer. Ele estima que 30% dos casos da doença nos países ocidentais estejam relacionados ao sedentarismo e ao excesso de peso.

No Brasil, mais de 80 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 60% da população, estão com excesso de peso, enquanto 15 milhões são consideradas como obesas. Conforme dados do Vigitel de 2018, as mulheres apresentaram taxa de obesidade ligeiramente maior, com 20,7%, em relação aos homens, 18,7%. Também foi registrado crescimento considerável de excesso de peso entre as mulheres brasileiras: 40%, contra os 21,7% entre o público masculino.

Por que obesidade causa câncer


As hipóteses que justificam a associação de câncer e obesidade se sustentam em quatro pilares: causas hormonais, processo inflamatório crônico, erro alimentar e causas diretas.
 
Hormônios - Nas causas hormonais, o excesso de tecido gorduroso leva a um aumento da quantidade de estrógeno circulante, que por sua vez está ligado ao aumento de incidência de tumores, como os de mama, útero e intestino. As pesquisas também sinalizam nos obesos um aumento da quantidade de uma substância denominada de IGF (fator insulina-símile), responsável pelo crescimento e multiplicação celulares.

Processo inflamatório crônico - Por outro lado, o excesso de gordura nos adipócitos (células gordurosas do corpo) provoca um processo inflamatório crônico, que por sua vez libera continuamente substâncias tóxicas e indutoras de inflamação e cânceres nas células normais.

Alimentação - Já a alimentação deve ser um dos pontos de maior atenção para se evitar os efeitos cumulativos da obesidade como fator de desenvolvimento de cânceres. Carnes artificialmente conservadas especialmente as salgadas e defumadas, como a carne de sol e o bacon, além das processadas, enlatadas e embutidas causam câncer de estômago, cólon, esôfago e possivelmente pâncreas.

A única forma considerada segura de conservação da proteína animal para a saúde é a refrigeração. A conservação química provoca uma transformação do nitrato em nitrito e, posteriormente, já organismo, do nitrito em nitrosamina, que por sua vez é um poderoso agente cancerígeno. Uma dieta rica em calorias, gordura saturada, gorduras trans e proteína animal e pobre em fibra vegetal, verduras legumes e frutas é relacionada ao surgimento de tumores de mama, endométrio, próstata, intestino grosso e vesícula biliar.

Causa direta – A obesidade contribui para o aumento do volume do abdômen e aumenta o refluxo de ácido gástrico para o esôfago. Essa é uma causa direta que está associada a maior incidência de câncer na porção final do esôfago, canal que liga a faringe com o estômago.

Tecido Adiposo e Carcinogênese


Estudos baseados na análise de amostras clínicas e modelos de camundongos enfocam o papel das células do tecido adiposo no envelhecimento e no aparecimento de doenças em pessoas saudáveis. Descobriu-se o fenômeno da mobilização e tráfico de células adiposas para tumores e o efeito estimulador das células estromais adiposas na progressão do câncer. O corpo humano tem essencialmente dois tipos de tecido adiposo: branco e marrom. Nascemos com principalmente adipócitos marrons, cheios de mitocôndrias, que queimam energia e produzem calor que nos defende contra hipotermia, obesidade e diabetes.

À medida que envelhecemos e ganhamos peso, começamos a perder nossas células adiposas marrons e aumentamos o número de células adiposas brancas armazenadoras de lipídios. Se você ingere excesso de calorias, os adipócitos brancos aumentam seus estoques lipídicos e aumentam em número.  Com isso, há também um aumento no risco de várias doenças, sendo uma delas o câncer.

Atividade física e redução do risco de câncer


Os estudos demonstram que, independentemente da massa corpórea, mulheres e homens ativos fisicamente apresentam risco mais baixo de desenvolver alguns dos tipos mais prevalentes de câncer da espécie humana: câncer de mama, de próstata e de cólon.

Uma meta-análise, com 19 pesquisas, sobre a relação entre atividade física e o aparecimento de câncer de cólon demonstrou que mulheres ativas apresentam risco 29% menor de desenvolver a doença do que as sedentárias. E que, entre os homens ativos, o risco é 22% mais baixo.

Com estes dados, podemos afirmar que a prática de exercícios físicos regulares não só é fundamental para o processo de perda de peso, como para a prevenção direta de vários tipos de câncer. Diversos mecanismos biológicos podem ser evocados para explicar o efeito protetor do exercício na evolução de tumores malignos. Os mais aceitos consideram que o trabalho muscular reduz os níveis sanguíneos de insulina e de certos fatores de crescimento liberados pelo tecido adiposo, capazes de estimular a multiplicação das células malignas.

Reduzir em 50% a probabilidade de morrer de câncer de mama ou de intestino, pela adoção de um estilo de vida mais ativo, é um resultado inacreditável: nenhum tipo de radioterapia ou de quimioterapia – por mais agressiva que seja – demonstrou provocar esse impacto. Recomenda-se a prática regular de exercícios físicos pelo menos 3 vezes por semana com duração de pelo menos 1 hora.


Prevenção e rastreamento precoce do câncer ginecológico


Além do combate à obesidade, a prevenção dos tumores ginecológicos deve incluir a vacinação contra HPV - Papiloma Vírus Humano, o uso de preservativos nas relações sexuais de risco  e o controle de outros fatores de risco ambientais, comportamentais e genéticos, sendo eles:

•          Excesso de gordura corporal;

•          Diabetes mellitus;

•          Dietas com elevada carga glicêmica (Carga glicêmica representa a quantidade e a qualidade dos carboidratos. Assim, uma alimentação rica em produtos processados e ultraprocessados aumenta o risco para esse câncer);

•          Hiperplasia (crescimento) endometrial;

•          Falta de ovulação (deixar de ovular) crônica;

•          Uso de radiação anterior para tratamento de tumores de ovário;

•          Uso de estrogênio (hormônio feminino) para reposição hormonal após a entrada na menopausa;

•          Menarca (primeira menstruação) precoce;

•          Menopausa (quando a mulher deixa de menstruar) tardia;

•          Nuliparidade (nunca ter engravidado ou ter tido filhos);

•          Síndrome do ovário policístico;

•          Predisposição genética: ex.: Síndrome de Lynch (câncer de endométrio) e Síndrome de Predisposição a Cânceres de Mama e Ovário por mutações dos genes da família BRCA (1 e 2). 

Como oncogeneticista, destaco especialmente esse último item, a predisposição genética, responsável por entre 10 e 15% dos casos de câncer. Para esse grupo de mulheres, é importante a confirmação do diagnóstico da síndrome, possibilitando a elaboração de uma estratégia personalizada para controle dos fatores de risco ambientais e rastreamento precoce. Além da prevenção, a visita anual ao ginecologista, que indicará exames de imagem e biópsias, se for o caso, é fundamental para rastreamento e detecção precoce.

Por fim, devemos sempre lembrar que além de câncer, a obesidade também causa outras doenças importantes como o diabetes, doenças cardiovasculares (como hipertensão arterial, doenças coronárias, infarto do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais e risco aumentados de tromboses), problemas ortopédicos, apneia e outros distúrbios respiratórios, depressão, esteatose hepática, infertilidade e aumento dos níveis de colesterol. Resumindo, o combate à obesidade é uma luta por uma vida saudável de forma ampla. Não há argumento contra isso.

 *André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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