Conforme eu disse em minha última coluna, aqui no Saúde Plena, em virtude do Setembro Verde - mês dedicado à prevenção do câncer colorretal, nesta semana abordarei uma boa notícia: os consideráveis avanços obtidos no tratamento do câncer colorretal metastático nas duas últimas décadas. Primeiramente, a quimioterapia ganhou novos regimes à base de oxaliplatina e Irinotecano, que foram incorporados à já tradicional combinação de uma fluopirimidina (5-fluorouracil ou capecitabina) e leucovorina.
Além disso, as chamadas drogas alvo-moleculares também passaram a ser integradas aos regimes de quimioterapia, a exemplo dos anticorpos monoclonais anti-angiogênicos (como o bevacizumabe, o aflibercepte e o ramucirumabe) e dos anticorpos monoclonais anti-EGFR (receptores dos fatores de crescimento epitelial), como o cetuximabe e o panitumumabe. Entretanto, para a correta escolha dessas drogas alvo-moleculares, necessitamos identificar os marcadores moleculares tumorais.
Os biomarcadores moleculares no tratamento do câncer colorretal
Os biomarcadores utilizados atualmente na escolha terapêutica do câncer colorretal avançado são o KRAS, o NRAS e o BRAF. A presença de mutações patogênicas em qualquer um destes genes indica resistência aos anticorpos monoclonais anti-EGFR (cetuximabe e panitumumabe), facultando então ao médico optar pela combinação de quimioterapia aos antiangiogênicos, como o bevacizumabe, ou apenas pela quimioterapia.
Nos Estados Unidos, foi aprovada a droga oral anti-BRAF encorafenibe, que é administrada em combinação ao cetuximabe, nos casos de tumores que apresentam mutação de gene BRAF. Também naquele país, foi aprovada a imunoterapia para o tratamento dos tumores colorretais avançados que apresentam elevada instabilidade de microssatélites: o pembrolizumabe foi aprovado em primeira linha e em linhas subsequentes; e a combinação de nivolumabe e ipilimumabe em tumores avançados já previamente tratados.
Os microssatélites são repetidas sequências de nucleotídeos que compõem o DNA. O microssatélite mais comum nos seres humanos é uma repetição dos dinucleótidos C e A (citosina e adenina), que ocorre dezenas de milhares de vezes em todo o genoma. A Instabilidade microssatélite (MSI) ocorre em cerca de 10 a 15% dos casos de câncer colorretal e, usualmente, por perda de função dos genes que compõem um sistema de reparo chamado de MMR (reparo do emparelhamento incorreto das fitas de DNA).
Os principais genes desse sistema são o MLH1, o MSH2, o PMS2 e o MSH6. Essa perda de função pode ser hereditária, como na Síndrome de Lynch, ou adquirida, por mutações tumorais ou metilação desses genes. Uma vez que haja perda de função desse sistema, há o consequente acúmulo dos microssatélites, por falta do reparo gênico adequado. Interessantemente, essa anormalidade acaba por gerar uma situação de hipermutabilidade (excesso de mutações nas células tumorais).
O excesso de mutações produz um excesso de proteínas que chamamos de neoantígenos. E essa pletora de neoantígenos, por sua vez, torna o tumor mais “visível” pelo sistema imunológico. Por isso, esse biomarcador prediz com eficiência a sensibilidade dos tumores aos modernos agentes imunoterápicos como o pembrolizumabe ou a combinação de nivolumabe e ipilimumabe.
Em 29 de junho de 2020, a Food and Drug Administration (FDA) aprovou o pembrolizumabe também para o tratamento do câncer colorretal avançado em primeira linha para pacientes com elevada instabilidade de microssatélites (MSI). A aprovação foi baseada no estudo KEYNOTE %u2011 177, o qual demonstrou superioridade da imunoterapia em comparação com a quimioterapia padrão.
Potenciais biomarcadores
Cerca de 3 a 5% dos cânceres colorretais avançados apresentam hiperexpressão da proteína HER2 pela amplificação do gene ERBB2, como ocorre nos cânceres de mama e estômago. Estudos recentes demonstram que esses tumores colorretais respondem igualmente a terapias anti-HER2, assim como nos tumores de mama e estômago.
Portanto, o teste de HER-2 em pacientes com câncer colorretal deve se tornar um novo padrão de biomarcador para tratamento, especialmente, após a apresentação dos resultados do estudo de fase 2 denominado DESTINY-CRCO1, que identificou benefícios com o trastuzumabe deruxtecano (T-DXd) em câncer colorretal com hiperexpressão de HER2, e já tratados previamente com quimioterapia. O trastuzumabe deruxtecano já é aprovado nos EUA para tratamento do câncer de mama HER já previamente tratado com outra terapia anti-her2.
Boas novas: o uso da Biópsia Líquida para a detecção de biomarcadores terapêuticos em câncer colorretal avançado
A biópsia líquida é uma tecnologia não invasiva para a detecção de biomarcadores moleculares que permite aos médicos descobrirem uma série de informações sobre uma doença ou um tumor, por meio de uma extração de uma simples amostra de sangue. Ou seja, não há a necessidade de procedimentos mais invasivos como biópsias e cirurgias.
Células tumorais circulantes ou traços do RNA ou do DNA do câncer no sangue podem fornecer informações valiosas sobre quais tratamentos são mais prováveis e efetivos para o paciente. Novos métodos dedicados permitem enriquecer e purificar a partir dessa biópsia líquida:
- DNA livre circulante (cfDNA)
- Células tumorais circulantes (CTCs)
- Micro-RNA (miRNA) circulante
- Micro-vesículas extracelulares (incluindo exossomos) contendo miRNA e DNA
O recente interesse em ácidos nucléicos no plasma e soro abriu inúmeras novas áreas de investigação e novas possibilidades para o diagnóstico molecular. Em oncologia, alterações genéticas derivadas de tumor, alterações epigenéticas e ácidos nucléicos virais são encontradas no plasma/soro de pacientes com câncer. Esses achados têm importantes implicações para a detecção, monitoramento e prognóstico de muitos tipos de cânceres.
A grande vantagem da biópsia líquida, além de ser um teste não invasivo (portanto, pode ser realizado varias vezes, o que é fundamental na monitorização do tratamento), é a de oferecer uma análise genética em tempo real de um determinado tumor, ou seja, seu “retrato” genômico atual.
Tumores, por via de regra, apresentam heterogeneidade, ou seja, apresentam assinaturas genômicas distintas dentro do mesmo tumor e também nas metástases, sincronicamente e durante a evolução da doença metastática.
Isso significa que tumores de mama, por exemplo, podem perder ou ganhar uma hiperexpressão da proteína Her2. Já os tumores de cólon podem ganhar uma mutação de KRAS ou BRAF, sendo que na análise apenas do tumor primário, essas informações não seriam encontradas, e ambas são decisivas na troca da terapia, uma vez detectadas por uma biópsia líquida.
Essa característica do teste é sua principal vantagem, uma vez que poupa os pacientes de novas biópsias, que são invasivas e sujeitas aos riscos inerentes, além de não serem garantia absoluta de sucesso no encontro destas alterações.
Questões em análise
As desvantagens da biópsia líquida recaem, principalmente, em seus índices de falso-negativo (com índices que variam entre 20 a 29%, dependendo da sensibilidade da metodologia empregada). Ou seja, existe a possibilidade de ela não detectar uma variante genética existente.
Por isso, a técnica empregada deve ser a que propicia a maior sensibilidade, como o NGS (sequenciamento de próxima geração), com captura híbrida ou sequenciamento profundo (deep sequencing) e, ser em PCR, preferencialmente o digital (digital em gotas ou o BEAMING).
Hoje, sabemos que há possibilidade de ocorrerem também resultados falso-positivos, pois determinadas mutações encontradas podem ser germinativas (o que não modifica, por via de regra, a indicação terapêutica) ou mesmo provenientes de células hematopoéticas (resultantes da hematopoese clonal).
Essas mutações, em geral, ocorrem nos genes JAK1 e 2, TP53, RB1 e KRAS. Por isso, a interpretação destes resultados deve ser feita sempre por especialistas em oncogenômica e bioinformática.
Mais recentemente, além da avaliação de mutação dos genes KRAS, NRAS e BRAF e da amplificação do gene ERBB2/Her, a biópsia líquida realizada por tecnologia NGS também passou a identificar o MSI. Por isso, passou a ser um método muito atraente para a pesquisa desses biomarcadores de forma segura, completa e em tempo real, tanto para a escolha de terapias-alvo quanto para a indicação da imunoterapia. Além disso, essa análise pode detectar com precocidade a resposta tumoral molecular e também a progressão ocorrida pelo surgimento de mutações secundárias.
Então, como podem perceber, atualmente são empregadas tecnologias de alto nível no tratamento do câncer colorretal, o que aumenta as chances do paciente. Todavia, a população e também nós especialistas da área, não podemos tirar os olhos da prevenção desse tipo de tumor, conforme discuti no artigo da última semana. Os hábitos de vida considerados saudáveis, incluindo dieta rica em grãos, frutas, peixes, legumes etc., e pobre em carnes, alimentos processados, industrializados, frituras, gorduras, açucares etc.; a prática esportiva, o combate ao etilismo, tabagismo, sedentarismo e obesidade devem ser um objetivo de vida para quem pretende evitar o câncer e outras doenças. Fiquem atentos a isso!
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.
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