Avanço no tratamento para câncer de pulmão nos EUA resulta em queda da mortalidade

Com o desenvolvimento das modernas drogas alvo-moleculares e da imunoterapia, a caracterização genético-molecular dos tumores se tornou uma rotina para a correta escolha das medicações

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(foto: Wikipedia)

O câncer de pulmão é o mais frequente e o que mais mata no mundo, com cerca de 10 milhões de óbitos anuais. Lembro-me bem de que no início de minha jornada como oncologista, ainda no final da década de 1980, utilizávamos como tratamento para o câncer de pulmão avançado de células não pequenas (que por sua vez compreende os subtipos adenocarcinoma, carcinoma escamoso e o carcinoma de grandes células), conhecido pela sigla CPCNP, a quimioterapia, em geral, composta pela droga cisplatina associada ou não a um segundo agente quimioterápico (como o etoposido).

Entretanto, não sabíamos com certeza se esse tratamento de fato beneficiava os pacientes. Observávamos, em geral, uma estabilização do volume tumoral, mas que durava apenas alguns meses. Estudos posteriores demonstraram que esse tratamento beneficiava, sim, aos pacientes em termos de algum ganho de sobrevida, mas que, em geral, era muito modesto, pois a sobrevida mediana dos pacientes raramente ultrapassava os nove meses.

Adicionalmente, esse tratamento era de elevada toxicidade, causando em boa parte dos pacientes náuseas, vômitos, queda dos cabelos e redução do número de glóbulos brancos (o que elevava o risco de infecções) e, por vezes, anemia. Entretanto, com o melhor entendimento da genética e da genômica destes tumores, já no início da primeira década do novo milênio, ocorreu uma mudança no paradigma do tratamento, que passou a contar com as drogas-alvo, selecionadas de acordo com o perfil genômico dos tumores.

Implicações da identidade genética do tumor para sua caracterização prognóstica e terapêutica 


Cada tumor tem uma identidade genética própria e isso tem implicações fundamentais no seu prognóstico e no seu tratamento, fazendo com que o mesmo seja individualizado para cada paciente. Com o desenvolvimento das modernas drogas alvo-moleculares, a caracterização genético-molecular dos tumores se tornou uma rotina para  a correta escolha das medicações a serem empregadas no tratamento, oferecendo uma maior eficácia e, em geral, um perfil de toxicidade mais adequado do que o da quimioterapia convencional.

Chegamos, então, à fase da oncologia personalizada ou de precisão. Em cerca de 30% dos CPCNP,  identificamos um alvo molecular terapêutico para o qual existem uma ou mais drogas específicas, como no caso das mutações dos genes EGFR e BRAF, e das fusões dos genes ALK, ROS1 e NTRK.

Finalmente, a partir da segunda década deste milênio, passamos a contar também com a imunoterapia no tratamento do CPCNP, por meio de seu uso isolado ou em associação com a quimioterapia –  tratamento em que os fármacos administrados induzem o próprio sistema imunológico a combater as células cancerosas.

Os chamados inibidores de proteínas dos pontos de checagem imunológica (anti-PD-1 e anti-PD L1) utilizam o próprio sistema imunológico do paciente para combater as células tumorais, aumentando a ativação e a proliferação da célula T, resultando, assim, em uma resposta antitumoral mais efetiva.

Em verdade, essa nova classe de imunoterapia desliga um complexo sistema de mascaramento imunológico que as células tumorais utilizam para não serem reconhecidas como invasoras pelo organismo, permitindo, então, que o sistema imune destrua estas células. Cerca de 60% dos pacientes que se submetem a essa terapêutica têm seus tumores significativamente reduzidos, e em uma fração dos pacientes, por um tempo bastante prolongado.


Queda da mortalidade por CPCNP nos EUA

E devido a todos esses avanços, finalmente, podemos constatar que a mortalidade por CPCNP diminuiu substancialmente entre a população geral dos EUA, entre 2013 e 2016, de acordo com os resultados de um estudo retrospectivo publicado recentemente na prestigiada revista médica The New England Journal of Medicine.

Segundo os autores do estudo, Howlader e seus colaboradores, o declínio pode ser explicado não só pela redução na incidência de CPCNP resultante da substancial queda do tabagismo, mas também pelos avanços no tratamento, incluindo a introdução de terapias direcionadas ou alvo-moleculares e a imunoterapia, conforme discutido acima.

As taxas de rastreamento do câncer de pulmão, que também teve um considerável avanço tecnológico com o surgimento da tomografia computadorizada em baixas doses, permaneceram baixas e estáveis %u200B%u200Bdurante o período do estudo e, por isso, não contribuíram para esses bons resultados. 

A mortalidade geral por câncer de pulmão está diminuindo nos EUA há vários anos, entretanto, as tendências de mortalidade específicas do subtipo no nível da população têm sido difíceis de rastrear porque os atestados de óbito não indicam o subtipo tumoral.

Os autores associaram as mortes por câncer de pulmão a casos incidentes nos registros de câncer SEER - Surveillance, Epidemiology, and End Results (programa sobre informações estatísticas para câncer dos EUA), para determinar as tendências de mortalidade em nível de população atribuídas a subtipos específicos. Os pesquisadores também avaliaram a incidência e a sobrevivência do câncer de pulmão de acordo com o subtipo, sexo e ano civil do câncer.

Os resultados mostraram que a mortalidade do CPCNP diminuiu ainda mais rápido do que a sua incidência, e a diminuição foi associada a uma melhora substancial na sobrevida. Essa redução da mortalidade correspondeu à aprovação de terapias direcionadas, e mais recentemente à imunoterapia, observaram os pesquisadores.

A mortalidade por CPCNP baseada em incidência entre os homens diminuiu 6,3% (Intervalo de Confiança ou IC de 95%, 3,4-9), anualmente de 2013 a 2016, em comparação com uma diminuição de 3,2% (IC 95%, 2,5-4), anualmente de 2006 a 2013. Enquanto isso,  a incidência diminuiu 3,1% (IC de 95%, 2,8-3,3), anualmente de 2008 a 2016, em comparação com uma diminuição mais gradual de 1,9% (IC de 95%, 1,6-2,2), anualmente de 2001 a 2008.

Já a incidência de CPCNP entre mulheres permaneceu estável, de 2001 a 2006, antes de diminuir em 1,5% (IC de 95%, 1,3-1,7), anualmente de 2006 a 2016. A mortalidade baseada em incidência para mulheres diminuiu 2,3% (IC de 95%, 1,8-2,8), anualmente, entre 2006 e 2014, e 5,9% (IC 95%, 1,3-10,2), anualmente de 2014 a 2016.

Maior sobrevida


Os pesquisadores estimaram que o registro de maiores reduções na mortalidade do que na incidência, em períodos mais recentes, correspondem ao adiamento de 6.800 mortes de câncer de pulmão, entre homens, e 3.200 mortes, entre mulheres, de 2014 a 2016, nos EUA.

A sobrevida relativa de dois anos correspondente melhorou de 26%, entre os homens, e 35% entre as mulheres diagnosticadas com CPCNP, em 2001, para 35% entre os homens e 44% entre as mulheres diagnosticadas, em 2014. Os pesquisadores observaram essa melhora na sobrevida em todas as raças e grupos étnicos.

A mortalidade por câncer de pulmão de células pequenas (CPCP), que corresponde a aproximadamente 27% dos casos de câncer de pulmão, diminuiu como resultado do declínio da incidência, sem melhora na sobrevida e avanços limitados do tratamento para este subtipo durante o período.

Os autores continuarão a monitorar as tendências de mortalidade por câncer de pulmão e esperamos continuar a ver resultados ainda mais promissores e otimistas. 

Os dados disponíveis sobre a mortalidade por câncer de pulmão no Brasil, infelizmente, não apontam para uma redução de seus números, pelo menos não de forma significativa. Os dados de mortalidade mais recentes são de 2016, o que não nos permite, evidentemente, realizar uma avaliação atual.

Entretanto, há que se ressaltar que os tratamentos mais avançados responsáveis pela queda da mortalidade nos EUA, quais sejam a terapia alvo e a imunoterapia, conforme exposto acima, não estão ainda disponíveis na maior parte dos serviços públicos de oncologia no Brasil, o que deve concorrer para a não queda dos índices em nosso meio, considerando que a maioria dos portadores de câncer é tratada em serviços públicos em nosso país.

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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