As chamadas terapias-alvo e os conhecimentos sobre genética aplicáveis à prevenção, rastreamento e tratamento oncológico compõem hoje a pedra angular da oncologia moderna, a chamada de oncologia de precisão. Todavia, os termos oncogenética e oncogenômica não são ainda muito difundidos na comunidade na médica, muito menos entre a população.
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Apesar de hoje existirem em Belo Horizonte, e em todo o Brasil, laboratórios com tecnologias extremamente inovadoras capazes de fazer uma análise diagnóstica e prognóstica avançadas dos tumores, bem como exames que detectam Síndromes Hereditárias, com foco na prevenção, essas ferramentas nem sempre são empregadas na prática oncológica.
Muitas pessoas me enviam e-mails, inclusive, querendo entender em quais casos são aplicáveis a realização de testes genéticos e quais devem ser realizados.
Para a suspeita de Síndromes Hereditárias de Predisposição ao Câncer, deve-se fazer o teste inicial utilizando-se painéis multigênicos, ou seja, aqueles que em geral possuem entre 20 a 30 genes, pois várias síndromes possuem fenótipos imbricados, ou seja, vários genes podem ser responsáveis pela doença, e também vários tumores podem se desenvolver devido a mutações de um único gene.
Essa lógica somente não se aplica quando o fenótipo for bastante sugestivo do que deverá ser encontrado, ou quando a epidemiologia for bastante sugestiva de mutações específicas, como por exemplo, nas mulheres com descendência judia Ashkenazi e suspeita de síndrome hereditária de cânceres de mama-ovário, em que genes individuais podem ser solicitados (no caso, BRCA1 e 2).
Em geral, realizando o teste com apenas um ou dois genes, corre-se o risco de obter um resultado negativo, o que faz com que vários testes em série tenham que ser realizados, aumentando-se o custo dos exames. Estudos comparativos mais recentes têm comprovado o custo-benefício favorável dos painéis multigênicos.
Quanto aos painéis somáticos, indicados para planejamento terapêutico e para prognóstico, devemos entender que os avanços no entendimento das alterações genéticas tumorais ocorreram muito rápida e profusamente.
As tecnologias utilizadas para identificar essas alterações se estenderam muito além dos exames de tradicionais de imunohistoquimica, FISH (hibridização in situ fluorescente) e o PCR-RT (reação de polimerase em cadeia em tempo real para amplificação e identificação de variações e mutações gênicas) – que já são empregados pela comunidade oncológica brasileira, por exemplo, para a identificação de hiperexpressão ou amplificação de HER2, mutações de EGFR, RAS e BRAF, além da fusão de ALK e ROS1 – chegando, hoje, em exames muito mais complexos e sofisticados, como o sequenciamento de nova geração (NGS) e os exames por PCR digital, como dd-PCR (digital em gotas) e o BEAMING (beads, emulsions, amplification and magnetics).
Essas novas tecnologias oferecem uma maior sensibilidade para a detecção de alterações gênicas em amostras com quantidades restritas de DNA tumoral, como nas chamadas "biópsias líquidas”, que, por sua vez, serão cada vez mais utilizadas, pois poupam os pacientes de biópsias desnecessárias.
O PCR digital, por exemplo, oferece adicionalmente custos menores que o NGS e maior rapidez nos resultados. Estas ferramentas são essenciais para a prática da denominada oncologia de precisão ou personalizada. Mesmo no NGS, há particularidades que precisam ser reconhecidas e entendidas por quem solicita tais exames, principalmente, no que se refere aos resultados obtidos por cada uma destas tecnologias, além de suas diferenças.
Por exemplo, é fundamental saber se a necessidade é de uma análise restrita (de um ou poucos genes) ou multigênica; se a necessidade é da identificação de alterações ou mutações pontuais e pré-determinadas, os chamados "hotspots" ou de regiões gênicas mais abrangentes ou mesmo de todo o exoma tumoral (a chamada "comprehensive sequencing").
Os painéis em NGS disponíveis no mercado brasileiro variam entre aqueles com uma quantidade menor de genes e "hotspots", até aqueles mais completos, que chegam a mais de 300 genes e fornecem a análise de extensas regiões gênicas, e mesmo de todo o exoma (WGS - whole genoma sequencing). Esse tipo de teste, em geral, é empregado quando as alterações moleculares que se procuram não são previamente conhecidas (por exemplo, nos tumores raros e de origem primária desconhecida) ou se a quantificação total da carga mutacional (TMB) precisa ser estabelecida.
Essa ferramenta encontra obstáculo no seu elevado custo, necessidade de análises complexas de bioinformática, maior tempo para a execução, necessidade de “experts” para sua interpretação, além da eventual inutilidade da detecção de mutações ou variações gênicas para as quais não existem terapia ou drogas-alvo desenvolvidas.
Na grande maioria das situações, painéis mais restritos e mais baratos podem ser utilizados, pois os mesmos detectam, com relativa precisão, as mutações, as alterações do número de cópias e os rearranjos gênicos necessários para a correta seleção da terapia a ser empregada.
Hoje é primordial também o conhecimento sobre os biomarcadores e imunoterapia, pois já chegamos à era das indicações agnósticas. A indicação de imunoterapia (inibidores de pontos de checagem) para tumores que expressem instabilidade dos microssatélites (MSI-H) ou de drogas-alvo como o larotrectinibe para tumores que apresentem fusões dos genes NTRK, independentemente da origem ou histopatologia dos mesmos.
Nunca o estudo de biomarcadores foi tão importante para a oncologia. Sabemos que mutações germinativas (herdadas) ou mesmo somáticas (surgem devido aos genes do sistema MMR - MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2) ou mesmo a sua metilação (fenômeno epigenético) propiciam esta instabilidade nos microssatélites por deficiência de reparação das repetições em tandem dos nucleotídeos.
Já tumores com mutações patogênicas, germinativas ou somáticas em genes de recombinação homóloga, como BRCA1 e 2, podem responder aos inibidores da enzima PARP, como ocorre em cânceres de ovário (tratamento da doença avançada e também como tratamento de manutenção), mama e mais recentemente pâncreas (como visto no estudo POLO o uso de olaparibe como tratamento de manutenção). Os estudos com inibidores de PARP em câncer de próstata são promissores e estão em andamento.
Feitas tais considerações, ressalto a importância de, em médio prazo, fazer a incorporação das matérias de oncogenética e oncogenômica na grade curricular dos cursos de medicina e nos programas de residência médica em oncologia. Estes deveriam conter temas relevantes da oncologia de precisão como: genética básica para o oncologista; como escolher os testes genético-moleculares mais apropriados para cada situação clínica e como interpretá-los; a decisão terapêutica e a melhor escolha de drogas alvo-moleculares e imuno-oncológicas; aplicações práticas da biópsia líquida em NGS e em PCR; painéis germinativos e somáticos; síndromes hereditárias de predisposição ao câncer; painéis multiômicos e discussão interativa de casos clínicos específicos.
É necessário um esforço para que esses conhecimentos possam beneficiar aos pacientes oncológicos e contribuir amplamente na luta contra o câncer.
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada e diretor Científico no Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão: GBOP. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.
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