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ONCOLOGIA

Medicamentos para reposição hormonal na Europa devem informar sobre risco aumentado de câncer de mama


É uma premissa da ciência estar sempre em processo de atualização com a descoberta de novas informações e a revisão do que já se sabe. Essas análises, na maior parte das vezes, resultam em mudanças na prática da medicina.


Recentemente, por exemplo, o Comitê de Avaliação de Risco de Farmacovigilância (PRAC), da Agência Europeia de Medicina (EMA), recomendou a atualização das informações de segurança de medicamentos para terapia de reposição hormonal (TRH), após estudos de revisão demonstrarem o risco associado de câncer de mama
 
Após avaliar todas as evidências científicas disponíveis, o órgão recomendou implementação de quatro alterações principais nas informações de produto para as usuárias, sendo elas:
 
- Tanto para a TRH combinada de estrógeno-progesterona quanto para estrógeno, deverá ser informado que o maior risco de câncer de mama fica evidente após cerca de três anos de uso dos produtos. Esse risco extra será reduzido com o tempo, após a interrupção da reposição. Contudo, a quantidade de tempo necessária para retornar ao risco normal, ou linha base, depende em grande parte da duração do uso anterior da terapia de reposição. As novas informações devem indicar que esse risco pode persistir por 10 anos ou mais em mulheres que usam a TRH há mais de cinco anos.

- Atualmente, o efeito sobre o risco de câncer de mama é desconhecido para estrogênios conjugados / bazedoxifeno (Duavive, Pfizer). Porém, como esses produtos contêm estrogênio, as informações devem ser atualizadas refletindo os riscos da substância estrogênio.


   
- Para TRH contendo tibolona, deverá ser informado que não há dados disponíveis sobre a persistência de risco após o término do tratamento. No entanto, essa possibilidade não pode ser descartada.
 
- Para doses baixas de estrogênio aplicado por via vaginal, as informações do produto serão atualizadas para informar que as evidências atuais não mostram um risco aumentado de câncer de mama em mulheres sem histórico passado da doença. Ainda não se sabe se esse modo de terapia pode ser usado com segurança em mulheres que tiveram câncer de mama no passado.
 
O PRAC enfatizou que as mulheres só devem usar esse tipo de terapia como tratamento dos sintomas da menopausa na dose mais baixa e pelo menor tempo possível. Atualmente, essas informações já estão incluídas nas informações do produto da TRH.


 
Acrescido a isso, o órgão também destacou sobre a importância da realização de exames regulares, incluindo a triagem de mama, de acordo com as recomendações atuais e procurar atendimento médico se perceberem alguma alteração em seus seios. Sobre isso, defendo também que mulheres com perfil para as Síndromes de Predisposição Hereditária do câncer, devem realizar uma prevenção ainda mais personalizada, confirmando-se primeiro, com testes genéticos, esse diagnóstico. A partir disso, o oncogeneticista poderá, então, elaborar a prevenção e o rastreamento mais eficazes.
 
Conforme destaquei, essas atualizações são resultado de discussões e estudos anteriores. A associação entre terapia de reposição e câncer de mama já havia sido relatada em 1997, em uma meta-análise (The Lancet. 1997; 350: 1047-1059). O risco aumentado de câncer de mama com terapia de reposição hormonal combinada também foi descrito, em 2002, pelo Women's Health Initiative e, em 2003, no estudo Million Women, resultando em uma queda drástica no uso desses medicamentos.
 
Apesar de outros estudos terem sugerido que não há aumento ou pouco aumento no risco de câncer de mama, em 2016, uma pesquisa publicada no British Journal of Cancer relatou que o risco de câncer de mama aumentou muito mais do que o identificado anteriormente, destacando que, quanto maior a duração do uso, maior o risco.


 
Por fim, o principal estudo levado em consideração pelo órgão, para a revisão das informações de produto, foi uma grande meta-análise individual de participantes publicada em 2019, no The Lancet. Os pesquisadores confirmaram que todos os tipos de terapia de reposição hormonal na menopausa, com exceção do estrogênio inserido na vagina, estavam associados ao maior risco de desenvolver câncer de mama. Mesmo após a interrupção da terapia, o risco poderia persistir por até uma década, variando conforme a duração do uso.
 
O uso da terapia de reposição por 10 anos resultou em cerca do dobro do risco de câncer de mama. Por isso, a indicação de TRH deve sempre ser individualizada e bem discutida com as pacientes pelos profissionais que a indicam, sempre se levando em consideração a equação risco/benefício. 
 
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.

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