Saúde Plena

Testes sorológicos em massa têm o potencial de identificar pessoas imunes ao Coronavírus

Até o momento, não sabemos quantos casos de COVID -19 passaram despercebidos no Brasil, nem quantas pessoas tiveram casos leves da doença - talvez tão leves que a descartaram como resfriado ou alergias, mas agora se tornaram imunes a novas infecções.



 

Responder a essas perguntas é crucial para gerenciar a pandemia e prever seu curso. Mas as respostas não virão dos testes de diagnóstico baseados em RNA (RT-PCR) que estão sendo realizados. Esse tipo de teste busca identificar sinal de uma infecção ativa, ou seja, a presença de genes virais, por meio da análise de material coletado, com um cotonete, do nariz ou da garganta. Mas também é necessário testar o sangue de uma 

pessoa em busca de anticorpos para o novo vírus, conhecido como coronavírus 2 da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV-2).

 

Esses testes também podem detectar infecções ativas, mas, mais 

importante, podem mostrar se uma pessoa foi infectada no passado, pois o corpo retém anticorpos contra patógenos que já superou. Isso significa potencialmente, então, que o indivíduo infectado adquiriu imunidade à doença e não tem mais como transmiti-la, podendo retornar então à sua rotina de trabalho. Obviamente, essa premissa precisa ser confirmada com estudos observacionais de pacientes que se recuperaram da infecção, como teremos oportunidade de executar, diante do crescente número de infectados.

 

Laboratórios e empresas de todo o mundo correram para desenvolver testes de anticorpos, e alguns foram usados em pequenos estudos e receberam aprovação comercial, incluindo vários da China. E esses testes já estão disponíveis no Brasil. Pelo baixíssimo custo e rapidez de execução (alguns minutos), podem e devem ser aplicados em larga escala, principalmente, para a tomada de decisão de quem pode retornar a sua vida normal de trabalho sem oferecer riscos de infectar seus contatos.



 

Os resultados destes testes, tanto realizado pela a técnica ELISA como por imunocromatografia, vão nos indicar os níveis séricos dos anticorpos circulantes IgM (imunoglobulinas M) e IgG (imunoglobulinas G) específicos contra o SARS-CoV-2. Os anticorpos IgG e IgM estão entre os isotipos de anticorpos produzidos pelo sistema imunológico de vertebrados. A IgM é o primeiro anticorpo que aparece em resposta à exposição inicial a antígenos, como proteínas SARS-CoV-2. Os anticorpos IgM são os principais anticorpos envolvidos na resposta imune primária, 

enquanto os anticorpos IgG estão envolvidos na resposta imune 

secundária.

 

Conforme meu conhecimento científico e do ponto de vista prático e epidemiológico, não acredito que exista benefício de se manter uma pessoa saudável em quarentena, se ela já tiver sorologia compatível com imunidade ao vírus. Por isso, esses testes sorológicos rápidos são candidatos, em minha opinião, ao rastreamento em massa da população de baixo risco, para que se possam identificar indivíduos saudáveis que já apresentam imunidade adquirida à infecção, para que então os mesmos 

possam retornar às suas atividades normais sem risco de infecção ou contaminação de seus contatos.

 

Com a aplicação dos testes rápidos sorológicos para a população de baixo risco para a infecção, médicos, paramédicos, policiais, bombeiros e trabalhadores de serviços essenciais, todos que apresentarem níveis elevados de IgG circulante (o que deve configurar imunidade de acordo com o corolário da Imunologia) e sem níveis de IgM seriam autorizados a voltar para o trabalho. Isso seria de grande valia, pois teríamos de volta à ação a nossa força produtiva saudável e de baixo risco para a infecção, como já é permitido para nós médicos, paramédicos, policiais, bombeiros e trabalhadores de serviços essenciais.



Claro, a prevenção com higienização deveria continuar – aliás, se tornar um hábito. Todos nós pertencentes a esses grupos, quando chegamos à nossa casa, mantemos os cuidados devidos de higiene preventiva e o nosso isolamento junto aos que estão próximos nós (é o chamado isolamento reverso). Eventualmente, confinamentos futuros poderiam ser determinados dependendo da curva de crescimento da doença.

 

Devemos nos lembrar de que estamos em um país com graves deficiências econômicas e sociais, em que milhares de brasileiros vivem à margem da miséria dependendo de seu trabalho diário. Imagine a situação dos vendedores informais que dependem da venda diária para colocar comida à mesa, que não possuem fundo de reserva como detêm poucos afortunados da nossa sociedade.

 

Ou seja, nosso país é um paciente muito fragilizado para tratamentos muito agressivos. Se não definirmos uma forma segura e científica de retorno às atividades, a quebra da economia, de toda sua engrenagem e cadeia produtiva será também devastadora e deletéria, e teremos uma carnificina dupla: pela pandemia e pela miséria! Há que se haver um equilíbrio que module os efeitos negativos de ambas as medidas: a quarentena e o retorno às atividades normais, sempre com bom senso e de 

forma responsável e serena.



 

Repito, é necessário buscar e definir um método de identificar as 

pessoas imunes para que elas possam retornar de forma segura aos seus postos de trabalho.

 

Se você tem dúvidas ou sugestão de tema, mande para andremurad@personaloncologia.com.br 

 

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.