Durante os mais de 30 anos em que sou oncologista, sempre me dediquei ao atendimento clínico e, ao mesmo tempo, à vida acadêmica e à pesquisa. Isso porque acreditava e acredito que devemos estar sempre em busca de melhores ferramentas e novos métodos científicos para a prevenção, diagnóstico e tratamentos do câncer.
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Uma dessas iniciativas está sendo conduzida aqui mesmo em BH. A equipe do Laboratório Personal Diagnósticos Moleculares de Precisão – composta por mim, pelo oncogeneticista José Claudio Casali da Rocha e pela biomédica e PhD em Genética Juliana Carneiro – tem trabalhado no desenvolvimento de uma nova tecnologia denominada PCR Digital em Gotas para a realização da análise genômica por biópsia líquida de vários tipos de tumores sólidos. Com essa análise, pretendemos selecionar o melhor tratamento alvo-específico para os pacientes, através da análise de sangue periférico, como o utilizado pata exames convencionais de análises clínicas.
A análise da experiência com essa tecnologia até o momento foi aceita para a apresentação na Sessão de Pôsteres do prestigiado congresso da American Association for Cancer Research – AACR 2020, o qual ocorrerá em San Diego, nos EUA, no mês de abril.
Nesse encontro, são apresentados diversos estudos pré-clínicos e clínicos iniciais que ditarão as condutas de tratamento, de diagnóstico e das práticas de genética molecular para o futuro. São pesquisas que transpõem a bancada das observações iniciais em laboratório para a aplicabilidade prática. Por isso, o evento é considerado o mais importante na área de inovações que buscam respostas oncológicas.
Pois bem! Durante um ano e meio, utilizamos a Biópsia Líquida por PCR Digital em Gotas para analisar, em 54 pacientes, alterações nos genes de tumores sólidos como pulmão (células não pequenas – CPCNP), mama, colorretal, melanoma, glândulas salivares, pâncreas e ovário.
Conseguimos mostrar na prática a eficiência dessa metodologia ao identificarmos alterações genômicas significativas em 35% dos pacientes testados. Mostramos assim que é possível detectar alterações no DNA e RNA de genes no sangue periférico de pacientes com tipos diferentes de tumores e, a partir daí, indicar um tratamento alvo-molecular eficiente. É um trabalho pioneiro, talvez a maior experiência brasileira com essa tecnologia de PCR Digital em Gotas.
Vale ressaltar que a Biópsia Líquida por PCR Digital em Gotas, embora avalie um número menor de genes em cada teste, é mais barata e rápida que a Biópsia Líquida em NGS, que exige análise de bioinformática. A PCR Digital em Gotas oferece também uma sensibilidade muito maior, isto é, tem maior capacidade de identificar as alterações genéticas, quando comparada ao PCR convencional e mesmo a algumas metodologias que empregam o NGS (sequenciamento de nova geração).
Além da alta sensibilidade e do baixo custo, a técnica se diferencia das demais pela rapidez de execução (leitura em cerca de 48 horas). Como trabalhamos com uma amostra de DNA muito pequena, quanto maior a sensibilidade da tecnologia, maior a chance de positividade do exame, e menor a chance do chamado falso negativo, como acontece no PCR convencional, em que a sensibilidade é baixa.
Somando-se a esse diferenciais, as aplicações do teste vão além de sua utilidade na definição de tratamentos alvo-moleculares. Seu uso na apreciação do resultado do tratamento também é tema de investigação científica. Após detectar as alterações genéticas e o paciente passar pelo tratamento definido, o laboratório faz novamente o exame. Caso não sejam mais identificadas as alterações genéticas do sangue periférico, significa que houve remissão molecular, o tumor respondeu a ponto de o DNA tumoral desaparecer do sangue periférico.
Também já estão sendo consolidados estudos para uso do teste na avaliação da resposta ao tratamento, pois, pode acontecer de combatermos uma determinada alteração e o tumor desenvolver uma segunda ou terceira. Por meio da Biópsia Líquida, conseguimos detectar isso. Outra grande utilidade já em observação é a detecção precoce do câncer. Muitas vezes, antes de o tumor se manifestar clinicamente ou em exames de imagem, a biópsia líquida já consegue identificar as alterações. Seria ou não uma grande ferramenta detecção do câncer em fase inicial?
Então, sem dúvidas, contribuir para ampliar o espectro de aplicabilidade do teste é muito gratificante, assim como é uma grande vitória, para a oncologia, a validação do uso dessa tecnologia, mais acessível, em uma realidade como a nossa, de um país em desenvolvimento, com graves carências econômicas. São resultados como esses que me fazem olhar com ainda mais esperança para as inovações que ainda estão porvir!
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.
Se você tem dúvidas e sugestões de temas, envie para andremurad@personaloncologia.com.br