Muito se fala do nocivo modo de vida americano com fast-food em excesso, obesidade e sedentarismo. Esses “hábitos” são responsáveis pela desenvolvimento de inúmeras doenças, entre elas tipos de tumores variados. Por isso, é surpreendente quando descobrimos que a mortalidade por câncer no país caiu 29%, entre 1991 e 2017, como mostra um novo relatório da American Cancer Society.
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Rastreamento do câncer de pele deve analisar a pele do corpo todoDanos solares e câncer de pele: o papel do oncologista na conscientização e prevençãoEntenda por que o exame oncológico preventivo é decisivo para cura de câncerSeus hábitos de vida causam ou previnem o câncer?Estudos apontam câncer como a principal causa de morte nos países ricosObviamente, o leitor deve estar curioso para saber como um país com esse perfil conseguiu tal façanha. Alguns estudiosos discordaram sobre as causas da redução. Enquanto a criação de novos tratamentos como imunoterapia e medicamentos direcionados a mutações é apontada por uns, outros acreditam que o estilo de vida/redução do tabagismo seria o grande fator redutor.
Na realidade, ambos estão corretos. As menores taxas de mortalidade por câncer nos EUA, na verdade, são resultantes de um conjunto de fatores: a melhoria da qualidade de vida, sim, pois, apesar de em geral os hábitos de vida não serem os melhores, houve investimento em medidas preventivas específicas que acabam repercutindo na queda da mortalidade.
Se a incidência da doença cai, obviamente você vai ter menos mortes. Isso fica claro quando você trabalha na redução do tabagismo ou no uso ostensivo do protetor solar. Além disso, e principalmente, eu diria que estão os avanços no tratamento do câncer como responsáveis por essa queda.
A prova disso é que a redução mais acentuada (2,7%) aconteceu depois de 2017. Na década de 90 era 0,9%, depois passou para 1% e depois para 1,5% e, em 2017, para 2,7%. E quais foram os tumores em que essa queda foi mais significativa? Justamente para melanoma, câncer de pulmão, mama, colorretal e próstata. E o que aconteceu em 2017? Tivemos os resultados da utilização das novas modalidades terapêuticas mais eficientes para estes tumores, tanto as terapias alvo moleculares, quanto a imunuterapia e a oncologia de precisão, que passaram a ser oferecidas para um maior número de pessoas e em um maior número de indicações, fato que teve início a partir do início dos anos 2000.
Outro fator é o aumento da aplicação de exames de rastreamento, o que leva a uma detecção de câncer em fase muito precoce, muitas vezes em fase pré-cancerígena, ampliando as opções de tratamento e cura. Exemplo disso são as colonoscopias capazes de identificar os pólipos pré-malignos e tumores em fase inicial no intestino e o Papanicolau, que detecta lesões pré-malignas no colo do útero permitindo uma abordagem geralmente cirúrgica para interromper a formação do tumor, além do recente emprego de tomografias computadorizadas com baixas doses de irradiação para o rastreamento de câncer de pulmão em fumantes.
O rastreamento para detectar câncer de pulmão em fumantes e ex-fumantes também se tornou uma ferramenta incrível. Esse público é submetido anualmente a uma tomografia especial com baixas doses de radiação, feita com cortes muito finos para encontrar nódulos muito pequenos, que, se forem confirmados como câncer, são removidos precocemente.
Além desses, há outros exames de rastreamento como ressonâncias, endoscopias digestivas altas, a dosagem de PSA, o toque retal, a mamografia e até mesmo os testes genéticos, que conseguem identificar entre as pessoas com histórico familiar, aquelas que nasceram com predisposição. Todas essas são medidas muito importantes que, obviamente, têm impacto nessa redução.
Ao contrário da mortalidade, interessantemente, a incidência aumentou até meados de 2014, quando houve queda acentuada até 2016. Depois disso, se estabilizou. É difícil saber o que aconteceu. Sabemos que, para alguns tipos de tumor, houve queda da incidência, mas, para outros, não. Por exemplo, sabemos que a adesão em massa ao uso de protetor solar contribuiu para menor incidência do câncer de pele, assim como a redução no tabagismo reduziu a incidência de câncer de pulmão.
Ao contrário da mortalidade, interessantemente, a incidência aumentou até meados de 2014, quando houve queda acentuada até 2016. Depois disso, se estabilizou. É difícil saber o que aconteceu. Sabemos que, para alguns tipos de tumor, houve queda da incidência, mas, para outros, não. Por exemplo, sabemos que a adesão em massa ao uso de protetor solar contribuiu para menor incidência do câncer de pele, assim como a redução no tabagismo reduziu a incidência de câncer de pulmão.
Contudo, apesar do melhor acesso sobre a importância dos hábitos de vida saudáveis, não vemos uma queda nas taxas de obesidade, sobrepeso e alcoolismo na população americana e nem mudança na forma como eles se alimentam. Tudo isso impede uma queda considerável na incidência para todos os tipos de tumores.
E como está nosso país, no final das contas? Infelizmente, no Brasil, mortalidade e incidência só aumentaram nos últimos anos. De fato, esse acompanhamento mais ostensivo pelo Ministério da Saúde e Instituto Nacional do Câncer José de Alencar - INCA é recente, talvez iniciado há pouco mais de uma década.
Antes, essa pesquisa não era feita com base populacional e hospitalar, mas pelos atestados de óbitos. Então, à partir do momento que a metodologia de medição melhorou em confiabilidade, não observamos a redução nem da mortalidade, nem da incidência.
Há alguns anos, todavia, um estudo realizado pelo hospital A.C Camargo demonstrou que houve, sim, redução na mortalidade, mas apenas nas capitais brasileiras. A interpretação é que, nesses grandes centros, há maior acesso a exames para detecção mais precoce e a melhores tratamentos.
Para concluir, destaco: o que temos que fazer é estender essas melhorias para pequenas vilas, arraiais, para o interior e rincões do país. Dar acesso ao conjunto da população a essa medicina de ponta. Quem sabe nos próximos anos também experimentemos uma queda nas taxas de mortalidade por câncer!
*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.