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Tinturas e alisadores estão associados a risco maior de câncer de mama em mulheres


Mudar a cor do cabelo parece ser hoje uma necessidade que vai além do objetivo de esconder os fios brancos, como era há algumas décadas. É um requisito de beleza para mulheres, homens e adolescentes. O chamado alisamento também é muito utilizado, apesar de nos últimos anos ter perdido espaço diante da valorização do cabelo mais natural.




O que a maior parte das pessoas que utilizam esses processos não sabe é que os produtos utilizados para ambos procedimentos estéticos podem conter mais de 5 mil substâncias químicas, incluindo algumas com propriedades mutagênicas e desreguladoras do sistema endócrino, como as aminas aromáticas, que são nocivas ao nosso organismo.

Inúmeros estudos buscam detalhar os efeitos do uso prolongado dessas substâncias. Um deles, apresentado recentemente, foi conduzido na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, e mostrou a relação do uso desses produtos com o aparecimento de câncer de mama em mulheres.

Nós sabemos hoje que as aminas aromáticas são disruptoras endócrinas, isto é, alteram uma série de hormônios e podem, por exemplo, elevar a quantidade de estrógeno circulante (hormônio feminino). No caso do câncer de mama, pelo menos em alguma etapa de seu desenvolvimento, o estrógeno atua para acelerar o crescimento da célula tumoral.


Além disso, a presença desses disruptores endócrinos e o próprio mecanismo direto dessas aminas aromáticas na alteração do DNA e dos genes de controle de crescimento celular podem precipitar ou desencadear a geração de um tumor.

Confirmando teses anteriormente levantadas, o estudo conseguiu associar estatisticamente tanto o uso dos corantes permanentes, quanto dos alisadores ao maior aparecimento de câncer de mama em mulheres. Enquanto o uso permanente de corante foi associado a um risco relativo de câncer de mama 45% maior em mulheres negras e 7% maior para mulheres brancas, o uso de alisantes de cabelos elevou o risco de câncer de mama em 31% em uma intensidade de uso de 5 a 8 semanas.

No total, entre 2003 e 2009, foram avaliadas mais de 50 mil mulheres, nos Estados Unidos e em Porto Rico, com históricos de irmãs com câncer de mama. É importante avaliar este ponto, pois, parte da gênese do câncer é genética, pode ser hereditária. Então, podemos considerar que as mulheres selecionadas eram mais predispostas ao aparecimento do câncer de mama, justamente, por já terem histórico de câncer na família.



Se a causa dos tumores de mama dessas irmãs não fosse a mutação hereditária, esse fenômeno não alteraria o resultado do estudo. Mas, se a causa fosse uma mutação hereditária ocorrida também na participante do estudo que se expôs aos tratamentos capilares, a chance desta mulher ter câncer de mama seria proporcionalmente maior do que a população em geral. Isso seria uma variável de confusão.

Mas, podemos analisar por outro ângulo, o que acho até mais importante e interessante. Esses produtos podem aumentar o risco do aparecimento do câncer de mama em geral. Logo, as mulheres que já nascem com predisposição correm mais riscos.

Então, este público deve avaliar a utilização desses procedimentos com cuidado redobrado e mais restrição. Ou seja, essas mulheres precisam naturalmente tomar mais cuidado, buscar outras formas de tratamento capilar. 



As mulheres negras apresentaram risco maior, o que pode significar um possível componente hereditário racial. Contudo, é necessário avaliar essa questão com cuidado, pois, sabe-se que, em geral, as mulheres negras consomem mais produtos para alisamento, o que pode ser outra variável de confusão no estudo.

Mas, como disse, o importante é entender que há, sim, relação do uso dessas substâncias com o aparecimento da doença e, a partir disso, se prevenir adequadamente. Embora exista todo um controle sobre as quantidades de químicos permitidos, o fato é que ainda não temos muita certeza sobre a real segurança do uso dessas substâncias em longo prazo.

Os estudos de toxicologia que examinariam a incidência de câncer provocado por alguns produtos são difíceis de serem executados, os efeitos podem aparecer de imediato ou demorar décadas para surgirem.

Muitas vezes, a análise toxicológica deixa a desejar. Recentemente, por exemplo, um estudo demonstrou que o método implementado pelo FDA – Food and Drug Administration (Agência Federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos) para a quantificação de bisfenol A (matéria-prima para a produção de plásticos) na urina, provavelmente, está levando a subestimação da quantidade deste material presente no organismo. 



Ou seja, por questão de erro de metodologia, muitos utensílios que foram liberados para utilização porque não produziram presença de bisfenol na urina das pessoas, possivelmente, não deveriam ter sido liberados.

Então, voltando à questão dos alisantes e tinturas capilares, estamos constantemente expostos a riscos. Na dúvida, in dubio pro reo, o melhor é evitar qualquer produto químico, optar por opções naturais, in natura, sem a presença ou com menos excesso de substâncias químicas. Como oncologista que acredita na prevenção, não posso deixar de alertar às mulheres e homens que utilizam tais processos estéticos.

Se a questão estética for mais importante, o indicado é recorrer sempre a profissionais habilitados que saibam quais tipos de tinturas e substâncias estão sendo usadas, certificar-se de que não há formaldeído (formol) e que as concentrações de químicos são mínimas. Isso porque o estudo demonstrou também risco 27% maior de câncer de mama para a aplicação não profissional de alisadores.



No caso dos bisfenois, evitar usar essas embalagens à base de plástico, especialmente as que vão para o micro-ondas, e procurar alimentos in natura.

Por fim, saliento que essas situações de exposição se tornam um pouco mais passíveis de cuidar quando identificamos o fator de risco hereditário, especialmente, para o câncer de mama. Identificando que já existe essa predisposição, os cuidados devem ser redobrados em relação a esse fator de risco adicional.


*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.