Saúde Plena

ONCOLOGIA

Embora raro, câncer cerebral apresenta baixas taxas de cura e sobrevida


Volta e meia, alguma personalidade vira notícia ao ser diagnosticada com algum tumor, a exemplo do atual prefeito de São Paulo, Bruno Covas, que se trata de um câncer na cárdia – transição entre o esôfago e o estômago – com metástase no fígado; ou ao falecer devido o avanço do tumor, como Marie Fredriksson, vocalista da famosa dupla sueca Roxette.




A cantora faleceu no começo de dezembro, aos 61 anos, após 17 anos lutando contra um câncer no cérebro. Marie contou com todos os recursos disponíveis em sua luta contra a doença e conseguiu uma sobrevida consideravelmente longa. Em geral, pessoas com este tipo de tumor não sobrevivem mais de cinco anos após o diagnóstico, conforme mostram estudos da área.

O tumor cerebral ou neoplasia intracraniana é considerado grave e afeta funções motoras do corpo. Ocorre quando se formam células anormais no cérebro e pode ser de dois tipos: tumores benignos, que são facilmente tratados, e malignos (ou cancerosos), que subdividem-se em dois tipos: primários e secundários.

Enquanto os tumores malignos primários começam a se formar no próprio cérebro, os tumores malignos secundários nasceram em órgãos fora do cérebro, mas se espalharam em forma de metástases, atingindo o cérebro. 



Tumores cerebrais manifestam sintomas que variam conforme a parte do cérebro afetada. Os sintomas incluem dores de cabeça, convulsões, problemas de visão, formigamentos, déficits de força muscular e sensoriais, vômitos e perturbações mentais. A dor de cabeça é geralmente mais intensa durante a manhã e desaparece após os vômitos. Alguns tipos de tumor podem provocar dificuldade em caminhar e falar.

Os tumores do cérebro secundários, ou metástases, são mais comuns que os tumores do cérebro primários. Cerca de metade das metástases é proveniente de um câncer de pulmão ou de mama. Já os tumores cerebrais primários afetam cerca de 250 mil pessoas por ano em todo o mundo, o que corresponde a menos de 2% do total dos casos de câncer. Em jovens com idade inferior a 15 anos, os tumores do cérebro são a segunda principal causa de câncer.

A causa da maior parte dos tumores cerebrais é desconhecida. Entre os fatores de risco que podem ocasionalmente estar envolvidos estão uma série de condições hereditárias conhecidas, como a Neurofibromatose e a Síndrome de Li Fraumeni, além das causas adquiridas como a exposição ao cloreto de vinil, ao vírus de Epstein-Barr e à radiação ionizante. Os tipos mais comuns de tumores primários em adultos são os meningiomas (geralmente benignos) e os astrocitomas, tais como os gliomas e os gliobastomas (malignos). 


Em crianças, o tipo mais comum são os meduloblastomas malignos. Linfomas também podem acometer primariamente o cérebro. Esses tumores respondem melhor ao tratamento químio e radioterápico. Nos casos de suspeita de tumores resultante de síndromes hereditárias de predisposição a câncer, um oncogeneticista sempre deve ser consultado, e uma vez identificada a alteração genética, demais membros da família devem se submeter à pesquisa da alteração genética específica.
 
O diagnóstico é geralmente realizado através de exame clínico auxiliado por imagens de tomografia computadorizada ou ressonância magnética. O diagnóstico pode ser confirmado por biópsia. Com base nas observações patológicas, os tumores são divididos diferentes graus de gravidade.

O tratamento pode incluir uma combinação de cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Nos casos em que ocorrem convulsões podem ser administrados anticonvulsivantes. Para diminuir o inchaço à volta do tumor podem ser administrados corticosteroides.


Assim como para outros tipos de tumor, a criteriosa análise molecular, disponível com o avanço da oncogenética e oncogenômica, pode ser um diferencial para o tratamento dos pacientes. Certa vez, um paciente meu portador de glioblastoma multiforme foi operado, mas, como o tumor ocupava uma área nobre do cérebro, a cirurgia foi apenas parcial. Por isso, uma grande quantidade de tecido tumoral remanescente ainda causava muitos sintomas e déficits neurológicos.

Diante do quadro, solicitei um sequenciamento em NGS do tumor e uma pesquisa de metilação do gene MGMT, sendo que os resultados confirmaram a metilação do gene MGMT e também uma mutação do gene IDH1. Ambas as alterações moleculares indicam, além de um melhor prognóstico da doença, uma melhor resposta ao tratamento combinado de um quimioterápico, a temozolomida, e a radioterapia. E assim se sucedeu: o tumor regrediu totalmente com a terapêutica e assim permanece, há dois anos do início do mesmo.

Apesar de os tumores no cérebro serem graves, alguns crescem lentamente, sendo apenas necessária monitorização e possivelmente sem necessidade de intervenção no futuro. O prognóstico varia consideravelmente de acordo com o tipo de tumor e de quanto se encontra disseminado no momento do diagnóstico. 



O prognóstico dos glioblastomas é geralmente pouco favorável, enquanto os meningiomas têm geralmente prognóstico positivo. Mais recentemente, o tratamento alvo-molecular vem ganhando aplicação no tratamento de gliomas e glioblastomas. O melhor exemplo é quando encontramos uma fusão dos genes NTRK. Nestes casos, o uso de uma medicação já aprovada no Brasil e chamada larotrectinibe pode propiciar resultados excelentes. 

A boa notícia é que também estão sendo investigados tratamentos à base de imunoterapia, os quais estimulam o próprio sistema imunológico do paciente a combater a doença.  Quem sabe, a próxima notícia seja que os pesquisadores encontraram respostas positivas em tratamentos personalizados e individualizados também para esse tipo de tumor. Vamos torcer!

*André Murad é oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada. Exerce a especialidade há 30 anos, e é um estudioso do câncer, de suas causas (carcinogênese), dos fatores genéticos ligados à sua incidência e das medidas para preveni-lo e diagnosticá-lo precocemente.