COVID-19 e calor: Podemos ligar o ar-condicionado ou não?

Renovação do ar e uso de máscara em ambientes fechados podem ajudar nos ambientes com equipamento ligado

Shangri-La Hotéis
(foto: Shangri-La Hotéis)

Com temperaturas acima dos 30 graus em plena pandemia, uma polêmica está no ar: ligar o ar condicionado ou não?

A possibilidade de transmissão de microrganismos em ambientes fechados e climatizados não é novidade. O caso mais clássico foi revelado pelas autoridades sanitárias dos Estados Unidos em 26 de agosto de 1976, desvendando o que estava por trás de um surto de pneumonia ocorrido entre veteranos de guerra (Legionários), que participavam de um encontro em um hotel da Filadélfia.

Naquele encontro de cerca de 4 mil participantes, 200 adoeceram, alguns já a partir do 2º dia. A maioria foi internada com pneumonia grave em unidades de tratamento intensivo (UTI), dos quais 34 morreram. A análise do sistema de ar condicionado e das culturas obtidas nas secreções dos infectados mostrou a presença de uma nova bactéria, batizada pelos cientistas pelo nome Legionella pneumophila.

O assunto volta à tona, desta vez com uma partícula bem menor, o SARS-Cov 2 - o novo Coronavírus. O primeiro caso envolvendo esse agente e ar condicionado foi obtido a partir do estudo de um surto ocorrido em pessoas que participavam de uma reunião de Ano Novo em Guangzhou, na China, em 24 de janeiro de 2020.

Naquela ocasião, havia 98 pessoas, entre clientes e garçons, no mesmo ambiente, fechado e climatizado. Na mesma noite, o paciente “zero” apresentou sintomas, seguido de outros nove. Todos estavam na área de abrangência do mesmo aparelho de ar condicionado, sem renovação de ar, e em modo aquecimento, em função do inverno. Vale ressaltar que aqueles que ficaram no ambiente por pouco tempo não foram infectados. O tempo médio de permanência dos que foram infectados foi de uma hora e 15 minutos.

Outros dois casos foram também amplamente divulgados. O primeiro em ’call center’ em Seul, onde 79 dos 137 empregados testaram positivo depois de dividir um mesmo andar, fechado e climatizado, por muitos dias.

Outro surto envolveu 2 ônibus de turismo chinês, que transportavam budistas em uma viagem de 100 minutos (50 minutos por trajeto). Uma mulher com sintomas estava em um dos ônibus, com ar condicionado ligado em modo recircular, e com as janelas fechadas. No total, 23 foram infectados.

Isso nos revela o potencial risco de permanecer por um tempo maior em ambiente climatizado sem renovação de ar, na presença de uma pessoa infectada e, especialmente, sem máscara. Digo isso porque em nenhum dos casos citados houve relato de uso de máscaras, e em todos o ambiente estava fechado, sem renovação de ar, e com pessoas infectadas. 

As evidências apontam que o vírus é transmitidos pelo ar, pode ser “impulsionado” pela ventilação mecânica, mas isso estaria favorecido pelo modo de utilização do equipamento e pela ausência de uso de máscaras, tanto pelo infectado como pelos outros usuários.

A chave para diminuir essa possibilidade estaria na utilização de sistemas ou medidas que propiciem a renovação de ar do ambiente, na limpeza periódica do filtro (que para o vírus não parece ser de grande valia) e no uso de máscaras. E quanto maior e mais ventilado o ambiente, maior possibilidade há de uma maior dispersão e “diluição” das partículas virais e, consequentemente, diminuição da possibilidade de infecção, especialmente naqueles que estiverem usando máscaras.

Isso vale também para ambientes não climatizados e fechados, como elevadores, nos quais falar ao celular ou conversar com outro usuário favorece a dispersão do vírus e deve ser ao máximo evitado.

Os shoppings em geral utilizam sistemas de refrigeração que renovam o ar, mas o mesmo não é realizado no Split, o sistema mais utilizado, e em crescente expansão, no Brasil e outras partes do mundo. Nos sistemas mini-splits, que a maioria dos escritórios e residências utiliza, o filtro não é capaz de reter partículas muito pequenas como vírus e não há renovação de ar.

Então o que fazer? Em primeiro lugar, nunca vá a locais públicos ou com ar condicionado se você tiver febre ou qualquer outro sintoma que sugira COVID-19 ou outra doença respiratória. 

Por outro lado, não utilizar o ar condicionado pode ser também muito ruim: as altas temperaturas causam uma sensação de sufocamento em ambientes muito quentes e pouco ventilados, o que pode levar à retirada total ou parcial da máscara para melhor respiração, o que certamente não é recomendado.

Ao que tudo indica, o melhor é renovar continuamente o ar do ambiente, deixando o ar condicionado ligado mas permitindo sua entrada e saída por portas e janelas abertas e, claro, utilização contínua de máscaras em ambientes públicos ou de trabalho. Isso vale também para as academias, onde a instalação de ventiladores extras e exaustores de ar ajuda muito.

Outra medida interessante é habilitar através do controle remoto o sistema “swing”, presente na maioria dos splits de parede, e que faz o ar circular em várias direções, evitando o fluxo para uma única direção. No aparelho de ar condicionado de janela, denominados ACJ, permitir a renovação do ar acionando tecla no próprio aparelho. Isso também vale para veículos onde a recirculação de ar e a manutenção de janelas fechadas é totalmente desaconselhável se houver presença de pessoas que não sejam do seu convívio íntimo.
 
Em restaurantes é recomendável que a música seja desligada para evitar que os clientes, sem máscara para poderem se alimentar, falem muito alto, o que favorece a eliminação de vírus pela respiração de uma pessoa infectada. Quando os frequentadores não estiverem comendo, devem colocar sua máscara.

Acredito ainda que a indústria de ar condicionado, em franca crescimento no mundo todo, está empenhada em desenvolver sistemas de desinfecção ou esterilização de vírus e outros microorganismos, adaptáveis ou pré-existentes, e que em breve também teremos soluções para mais este problema!

Meu nome é Alexandre Rattes, sou médico Otorrinolaringologista e se você tem alguma sugestão de matéria por gentileza envie para otorrino.lifecenter@gmail.com