Ao analisar o caso de uma paciente com câncer de mama, um tempo atrás, deparei-me com a constatação do quanto o entendimento do genoma humano foi um divisor de águas para a oncologia. O quadro dela é interessante por diferentes fatores e nos mostra a importância do autocuidado e do rastreamento do tumor.
Sabe-se que cerca de 15% dos cânceres são determinados por fatores genéticos. No caso das mulheres, essa informação é usada para rastrear a doença no grupo com grande risco para a síndrome genética de predisposição ao câncer. Ou seja, aquelas mulheres em que há casos de câncer de mama na família, especialmente em parentes de primeiro grau e jovens, a exemplo dessa paciente. Com receio de ter herdado a mutação, ela sempre fez o acompanhamento médico criterioso. Devido a isso, em 2017, com 61 anos, ela descobriu um nódulo em estágio bem inicial, o que fez toda diferença para o sucesso do tratamento: o tumor não espalhou para outros órgãos (metástase).
Para identificar as características do tumor, solicitei um exame genético e, aí, tivemos a grande surpresa e felicidade! Essa paciente não havia herdado a mutação, tinha desenvolvido a doença por condições ambientais. Por isso, não era necessário fazer a retirada das duas mamas e de seus ovários, reduzindo a exposição a cirurgias mais extensas.
Dito isso, volto à constatação que o caso dela me proporcionou. Um simples exame de saliva nos permitiu identificar as características genéticas hereditárias da paciente (o chamado painel genético germinativo) e saber que, apesar do que as condições indicavam, ela não tinha a síndrome predisposição.
Esse tipo de inovação, já presente no Brasil, faz brilhar os nossos olhos.
A genética molecular na oncologia é um verdadeiro paradigma que fez a área dar um salto em evolução. Há cerca de 10 anos, quando começou esse grande avanço tecnológico, principalmente, para detecção das alterações genéticas e moleculares do câncer, fiquei fascinado, passei a estudar mais sobre o tema e decidi fazer um pós-doutorado em genética. A partir daí, dediquei-me a criar um laboratório para poder desenvolver, aprimorar e adaptar essas tecnologias à realidade brasileira.
Se a gente considerar que, no Brasil, cerca de 200 mil pessoas morrem por ano vítimas do câncer e que 15% desses cânceres são causados pela síndrome hereditária, podemos chegar à conclusão de que a disponibilidade generalizada desses testes genéticos poderia potencialmente poupar 30 mil vidas por ano. Seria extremamente auspicioso e vantajoso, a longo prazo, levar esse tipo de exame para a rede pública.
Normalmente, o teste é indicado para pessoas com casos de câncer na família, especialmente em pessoas com menos de 55 anos, após a confirmação do perfil. A gente faz o teste genético na pessoa que teve o câncer.
Identificar a presença dessas mutações amplia sobremaneira as possibilidades de prevenção. A primeira ação preventiva é adotar hábitos de vida positivos: alimentação equilibrada com exclusão de alimentos processados e aumento da ingestão de frutas, verduras, legumes, grãos e peixes; não fumar; não beber; ter os devidos cuidados com a exposição ao sol; fazer atividade física, pois, uma vez que a pessoa tenha predisposição, precisamos reduzir os riscos adquiridos e ambientais.
Em alguns casos, pode envolver medicação para evitar o desenvolvimento do tumor, a exemplo do câncer de intestino hereditário (síndrome de Lynch), em que indicamos a aspirina, e de alguns casos de síndrome de câncer de mama, para quais indicamos o tamoxifeno.
Por fim, em alguns casos de predisposição muito forte – por exemplo, o câncer de mama causado por mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 –, também indicamos a cirurgia profilática, conhecida como cirurgia redutora de risco. A indicação só ocorre após analisar todas as condições e quando os ganhos são realmente vantajosos. Foi o que fez a atriz Angelina Jolie, em 2013, por exemplo, ao optar em fazer a retirada preventiva das mamas, ovários e trompas de falópio.
Quando bem indicada, essas técnicas são extremamente eficientes. E cabe a nós geneticistas explicarmos as suas vantagens e desvantagens. Claro que, no final, a decisão sempre é do paciente. Acredito que, em um futuro próximo, teremos, inclusive, a possibilidade de correção do genoma por meio da edição do DNA. Mas, por hora, o que podemos fazer é detectar a predisposição e, assim, atuar preventivamente.
André Murad é médico oncologista, pós-doutor em genética, professor da UFMG e pesquisador. É diretor-executivo na clínica integrada Personal Oncologia de Precisão e Personalizada
andremurad@personaloncologia.com.br
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