Precisamos falar sobre câncer

O papel da população na luta contra o câncer é justamente desmistificar, informar-se corretamente, fazer prevenção e buscar o diagnóstico precoce

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(foto: Pixabay/reprodução)

Sou oncologista há 30 anos e, mesmo depois de tanto tempo, ainda percebo o tabu existente em cima da palavra “câncer”.

Infelizmente, a consequência direta disso é a dificuldade da população em buscar o diagnóstico precoce, o que impacta diretamente no crescimento da incidência e da mortalidade. Para expor esse meu ponto de vista, peço ao leitor que faça a análise: o que vem à sua mente quando pensa nesse termo? Duvido que seja o pensamento “é melhor prevenir, que remediar” ou pelo menos um sentimento de neutralidade.

E fica o questionamento: como uma palavra tão pequena pode carregar um peso tão grande? A meu ver, o preconceito existente é a causa desse peso.

Logo nos primeiros anos da minha carreira, um paciente havia falecido de câncer de pulmão e quando fui preencher o atestado de óbito, alguns familiares solicitaram que eu não colocasse o câncer como a causa. Surpreendido pela situação, perguntei o porquê e eles, então, disseram ser uma doença marcante, polêmica, que deporia contra a imagem do falecido.

“As pessoas vão ficar com medo por ter convivido com ele, vão achar que foram responsáveis pela transmissão da doença, que podem ter pego câncer dele ou algo pior,” eles me explicaram convictos.

Nesse momento, percebi como o diagnóstico era um tabu e o quanto os pacientes eram discriminados. A partir disso, me propus a ir além do meu trabalho clínico no consultório, levando informações corretas ao máximo de pessoas e esclarecendo como a prevenção é a melhor arma que temos contra os índices crescentes.


"As pessoas têm medo de falar e atrair a doença, têm medo de ir ao médico e confirmar o diagnóstico. Acham que a descoberta do câncer é uma sentença fatal, o que posso dizer com muita segurança: não é verdade"



É importante entender a origem do tabu. As pessoas têm medo de falar e atrair a doença, têm medo de ir ao médico e confirmar o diagnóstico. Acham que a descoberta do câncer é uma sentença fatal, o que posso dizer com muita segurança: não é verdade. Esse era o cenário do passado, quando os tumores eram identificados somente em estágios avançados e poucas pessoas se curavam. Outras faleciam sem sequer saber a causa.

Por outro lado, quando as primeiras opções terapêuticas surgiram, eram tratamentos muito tóxicos. Não havia medicação eficiente, por exemplo, para reduzir as náuseas e os vômitos causados pela quimioterapia. Hoje, contudo, ao se tratar de câncer não necessariamente o paciente terá efeitos colaterais como perda de cabelo, náuseas incontroláveis, indisposição. Isso porque as opções terapêuticas são amplas, não se resumem a quimioterapia e radioterapia. Até mesmo essas estão menos agressivas.

Para câncer de mama, por exemplo, as cirurgias de retirada do tumor são menos invasivas e as de reconstrução apresentam resultados excelentes. Antigamente, muitas vezes, o tratamento fazia mais mal que a própria doença.

Esse cenário mudou radicalmente. Primeiramente, porque o tema é mais discutido. Se antes as informações eram transmitidas entre vizinhos, nas rodas de amigos e de uma forma mistificada e mitificada, hoje, o conhecimento é mais democratizado. Desde que as pessoas procurem fontes corretas e confiáveis, elas têm acesso a conhecimento de qualidade. A mídia e os veículos de comunicação informam sobre isso, destacam casos de personalidades que adoeceram e conseguiram se curar, como Dilma Rousseff, Lula, Ana Maria Braga.

Em outra frente, as pesquisas avançaram proporcionando diagnósticos cada vez mais precoces. Temos uma série de ferramentas antes não existentes, principalmente o laboratório de genética molecular, que tem ajudado na prevenção, no diagnóstico e na seleção de tratamentos mais eficientes. Temos as terapias de precisão e personalizada, baseadas nas características genéticas do tumor, muito mais eficientes e menos tóxicas.

Contamos com os tratamentos alvo-moleculares e, mais recentemente, com a imunoterapia, ambos formas mais inteligentes e assertivas de combater as alterações genéticas presentes nos tumores ou de estimular o próprio sistema imunológico a combater a doença, no caso da imunoterapia. Resumindo, temos um instrumentário muito mais tecnológico e inovador para prevenir, diagnosticar, tratar, curar, recuperar a saúde do paciente e prolongar sua sobrevida com qualidade.

Contudo, ainda não é o suficiente! Não como eu e os colegas da área gostaríamos. Por maior que seja o acesso à informação e à evolução das técnicas e pesquisas, muitas pessoas ainda mantêm esse tabu. De nada adianta ter tecnologias avançadas se as pessoas não querem saber. Não querem ir ao médico, fazer os exames preventivos. Acham que se ficarem procurando, irão achar mesmo. E, sendo assim, preferem nem saber.

Mas insisto: o papel da população na luta contra o câncer é justamente desmistificar, informar-se corretamente, fazer prevenção e buscar o diagnóstico precoce. Uma vez que haja essa detecção em estágio inicial, há praticamente 100% de chances sucesso contra o tumor.

Por tudo isso, sigo no meu objetivo de falar e falar desse tema. Enquanto não se fala, está se ocultando, dando espaço para o aumento da incidência e da mortalidade. Temos que falar bastante, falar sempre, destacar que o câncer é uma doença com prevenção e que tem tratamento e cura. Quanto mais precoce o diagnóstico, melhor. Então, caro leitor, vamos falar sobre câncer sem medo?

andremurad@personaloncologia.com.br