Foi-se o tempo em que toda a família se reunia em volta da mesa para as refeições diárias. Cada vez mais raros, esses momentos perdem espaço para a tela de celulares, tablets e a TV, interferindo diretamente na forma como nos relacionamos com a alimentação. Baseado em técnicas meditativas, o mindful eating é um conceito que vem sendo bastante discutido em relação às práticas de desenvolvimento de atitudes corretas ao se alimentar. Observando e cultivando uma nova relação com a comida, para controlar melhor a alimentação, de forma mais compassiva.
Segundo a nutricionista e instrutora de mindful eating Patricia Coelho, esta postura ao comer confere uma maior consciência do nosso corpo, melhorando o metabolismo e sentimentos intrínsecos aos processos digestivos. “Conseguimos notar melhor os sinais de saciedade, percebendo a quantidade de comida que nosso organismo pede, de acordo com esses sinais internos, o que nos faz ter uma consciência corporal mais aguçada”, avalia.
Tornar um momento para si no momento da refeição contribui também para perceber o que ocorre dentro da gente quando nos alimentamos. “É estar atento ao que ocorre fora e dentro de nós quando nos alimentamos, sem maiores julgamentos, autocríticas e distrações, sem acessar celular, sem ficar pensando no trabalho ou em problemas ou em qualquer questão que não esteja ocorrendo naquele exato momento”, reforça a nutricionista sobre a ideia meditativa do mindful eating.
Bruna Marta, culinarista, terapeuta ayurveda e professora de ashtanga ioga no Nauk Yoga, afirma que, ao ter essa atenção, há, ainda que em nível inconsciente, a sensação de conforto, alívio e bem-estar.
Além disso, cultivar uma atitude mindful ao comer também melhora a saúde, uma vez que, ao mastigar de forma mais atenciosa, fortalecemos a sensação de saciedade e absorvemos mais nutrientes. “É uma estratégia necessária para pessoas que comem por ansiedade, por exemplo, e para pessoas que têm uma digestão mais lenta ou baixa absorção de nutrientes”, ressalta a culinarista.
Patricia Coelho ainda comenta que o mindful eating trabalha com o desenvolvimento da atitude de busca por um prazer sustentável, livre da culpa e com responsabilidade. “Entre os resultados, inclusive baseados em pesquisas científicas, está a redução de compulsão alimentar, melhora da aceitação e satisfação com o próprio corpo e aumento da consciência alimentar”, aponta.
FOME REAL
De acordo com Bruna Marta, outro conceito importante da terapia ayurveda é a fome real. Para ela, é preciso utilizar os princípios da fome verdadeira para orientar nossa alimentação ao longo do dia, identificar padrões e melhorar a nossa saúde.
A culinarista comenta que é muito comum que as pessoas se alimentem por razões que não sejam fisiológicas. “Pode ser um hábito ruim, como beliscar lanchinhos ou comer de três em três horas só porque estamos de dieta ou porque está na hora ou pode ser uma emoção mal digerida, como ansiedade, medo e estresse, que nos leva a comer por compensação”, salienta. O fato é que, para Marta, “numa visão ayurvédica, ao comer sem fome 'do estômago' nosso corpo perde a capacidade digestiva”.
Patricia Coelho diz que a atenção plena pode ser cultivada em qualquer coisa que fazemos, principalmente no ato de cozinhar. Seja no momento de preparar ou em partes do processo, como cortar, escolher ou a forma de misturar alimentos e temperos.
MUDANÇAS
Bruna Marta frisa que, para essa atenção plena, é preciso se autoconhecer. Afinal, cada ser humano é único e isso vale para a comida e para nossos hábitos e escolhas. “É um conhecimento acessível, atemporal e universal. Todos nós podemos mudar a nossa mente a qualquer momento, mas você só terá a chave se buscar o autoconhecimento”, finaliza.
O maior objetivo dessa técnica, segundo Patricia Coelho, é causar o aumento da consciência em relação aos gatilhos emocionais que nos trazem experiências em relação ao quão diferente é uma refeição feita de forma plena. “Existem casos em que a pessoa naturalmente começou a comer menos por diminuir estados de ansiedade e conseguiu levar adiante as práticas quase diariamente e, portanto, acabou emagrecendo. Mas esse não é e não deve ser o foco do mindful eating”, disse.
Saiba mais: Foco no momento
O termo mindfulness tem ficado cada vez mais popular no mundo ocidental, desenvolvido pelo pesquisador Jon Kabat-Zinn a partir de 1979, na Universidade de Massachussets, nos EUA. Esse foi um programa de medicina comportamental voltado para a redução de estresse, trabalhado com pacientes com dor crônica devida a diferentes problemas de saúde, com inspiração em práticas budistas e do ioga.