Com 3min17, a música Uma coisa de cada vez, que encerra o álbum Tudo ao mesmo tempo agora, de 1991, do Titãs, o último com Arnaldo Antunes, já preconizava o futuro apenas em duas frases: “Uma coisa de cada vez, uma coisa de cada vez... Tudo ao mesmo tempo agora, tudo ao mesmo tempo agora... Em pleno século 21, a era digital ou a chamada quarta revolução industrial mudou o modus operandi do mundo, as pessoas já convivem com robôs domésticos graças à inteligência artificial (AI) e a velocidade para tudo se impõe vestida, muitas vezes, de uma obrigatoriedade sem controle. Urgência que tem adoecido muitos. Ansiedade, inquietação, dificuldade para manter o foco, sensação de cansaço contínuo, dores de cabeça e nas costas, angústia, transtorno para dormir, solidão, sofrimento por relações sociais passageiras... Alguma familiaridade?
Tudo isso são sinais de quem sofre com o pensamento acelerado. Pessoas pilhadas, que não conseguem se desligar, que andam 24 horas conectadas e ainda têm a sensação de que estão perdendo algo. O documentário Heal - O poder da mente, da Netflix, faz um alerta ao mostrar a forte ligação entre a psique e a saúde física por meio das histórias de líderes espirituais, médicos e doentes crônicos de maneira impressionante.
Essa mudança de comportamento deu origem à síndrome do pensamento acelerado (SPA), termo criado pelo psiquiatra brasileiro Augusto Cury para o excesso de informação a que estamos expostos, que tem acelerado a velocidade com que construímos nossos pensamentos, provoca, quando não é gerenciada, a transformação da ansiedade positiva em negativa, o que vai asfixiando as pessoas. Na tese de Cury, há um desgaste mental, com consequências para o futuro profissional, emocional e social.
Conforme Augusto Cury, ainda não se tem consciência de que pensar exageradamente e sem nenhum autocontrole é uma fonte de esgotamento mental. E por esse motivo, como ele diz, é preciso adoecer para parar.
Sofia Bauer, médica psiquiatra e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), afirma que as pessoas nunca estiveram tão ansiosas: “A ansiedade faz parte da vida moderna. Sua forma patológica, o transtorno de ansiedade, é a segunda doença mental mais comum do planeta. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 264 milhões sofrem desse mal, 14,9% a mais do que há 10 anos. Estudos recentes, como o que consta no livro Energetic boundries, de Cindy Dale, de 2011, sugeriram que temos de 50 mil a 70 mil pensamentos por dia. Neurocientistas, como Richard Davidson e Jon Kabat-Zinn, já comprovaram isso e também que meditadores assíduos diminuem seus pensamentos para cerca de 40 mil por dia. A meditação é uma das maneiras de lidar com o estresse e a ansiedade, pois abre espaços no pensamento”.
CANSAÇO
Para Sofia Bauer, os sinais dessa aceleração são cada vez mais comuns.
Para Sofia Bauer, não importa se a pessoa nasceu ansiosa ou vem ficando ao longo da vida. “Não importa qual modelo, mas a sociedade e a vida corrida de hoje nos obrigam a fazer mais coisas ao mesmo tempo. Em um mundo moderno com amplificadores de sinais de wi-fi presos até em torres de igreja, nenhum lugar é sagrado mais. Da sala de reunião até o seu banheiro, a tecnologia inundou nossas vidas com mais conteúdo do que jamais conseguiríamos processar. Isso acabou com o nosso tempo de atenção.
A médica psiquiatra avisa que, muitas vezes, o cérebro implora por descanso, mas não é atendido. Então, ele age e para a pessoa. “O pior de ficarmos assim tão atentos é que desgastamos o cérebro e podemos adoecer de forma mais grave, O estresse e o esgotamento são sinais da mente acelerada, de sua ansiedade. Ela agita mais o lado direito do cérebro, responsável pela emoção, e a pessoa entra em hot-state. Age por pura emoção e sem a razão de vida. Fica tudo ruim. Elétrico, agitado, ansioso, como se tivesse mesmo um tigre ali na esquina querendo te comer vivo. Até que tem outras coisas! A maioria está nessa vida corrida, com a mente acelerada. Onde isso vai levar? A uma vida infeliz, diminuição da saúde e longevidade abalada. Além de perder o humor e deprimir, você pode adoecer.
SOLUÇÃO
O caminho para viver melhor está ao alcance de todos. Sofia Bauer sugere exercícios diários que podem ajudar: “É importante sentar, apreciar e respirar fundo. Escreva em um caderno tudo que incomoda você por cinco dias consecutivos e depois deixe ir. Repare mais nos pequenos momentos de seu dia e veja o que você gosta mais de fazer. Se dê algumas pequenas pausas restauradoras - converse com amigo, tome um chá com alguém especial, ande descalço, aprecie a natureza, se dê um momento de contemplação. Pratique o bem sem ver a quem. E medite todos os dias, isso ajuda a limpar seu lixo mental também. A vida ficará mais fácil”.
Sofia Bauer avisa que não há como fugir da ansiedade, isso é fato, já que ela é uma adaptação evolutiva que permanecerá em nossos genes, independentemente da prosperidade e da segurança da sociedade em que vivermos. “Ela continuará nos ajudando a sobreviver - e, ao mesmo tempo, enxergar ameaças onde elas não existem. Mas é possível compensar seus efeitos negativos”, afirma, acrescentando que a chave é se aproximar de outras pessoas para pedir ou oferecer apoio, praticar exercícios mentais que abrem um portal de luz que vai refletir uma luz especial e redesenhar a mente e o cérebro. “A neuroplasticidade é possível, podemos recuperar as conexões se treinarmos ser mais positivos e descansar a mente. A decisão é pessoal e exige foco, que é investimento de tempo e energia. Seu cérebro ocupa apenas 2% da sua massa corporal, mas gasta 30% de sua energia. Por isso, é preciso aprender a desacelerar o pensamento. Às vezes, um tratamento psiquiátrico adequado é necessário sim, com medicações que não mitigam a doença, mas ajudam a reequilibrar os neurotransmissores. Mas para além disso, é preciso entender o que está levando o ser humano a ficar mais ansioso, mais vigilante e numa vida multitarefas. Aí mora nossa solução. É importante viver de forma mais simples.”
Estado de concentração
Do trabalho ao lazer, parece inacreditável, mas o pensamento acelerado infiltra em todos os ambientes e é preciso ser vigilante para não sucumbir à ansiedade e, assim, adoecer
Cada um tem a sua medida. Uns sentem menos, outros mais. Mas todos sabem do prejuízo de viver acelerado. Cansaço mental, dificuldade de concentração, de estar focado no presente, distração, instabilidade emocional, déficit de produtividade, dificuldade para escutar, problemas de comunicação e confusão mental... A lista não para por aqui, alerta Patrícia Carvalho, coordenadora adjunta da Brahma Kumaris em Minas Gerais, universidade espiritual mundial, uma entidade não governamental criada na Índia em 1937 com o objetivo de promover valores humanos, morais e espirituais universais.
Patrícia Carvalho destaca que esse é um mal dos tempos atuais, em que a média de pensamentos de um ser humano fica na faixa de 50 mil pensamentos por dia, na maior parte das vezes de forma totalmente automática, reativa e inconsciente. A média de tempo em que as pessoas ficam focadas em um conteúdo diminui a cada ano, devido à velocidade de informações pertinente à era digital, e isso afeta principalmente jovens e crianças, que já nasceram dentro dessa realidade.
Além da tecnologia (mal usada!), Patrícia acredita que há outros gatilhos que disparam o pensamento acelerado: “A tendência de viver cada vez mais no passado, e projetar acontecimentos do passado no futuro, a falta de contato e intimidade com os próprios sentimentos, a falta de exercícios de concentração e de presença, como a meditação, e a falta de uma postura mais reflexiva, que possa elaborar melhor a realidade, a dependência de fatores externos para ativar estados internos, a volatilidade das relações, a falta de valores e de experiências que sejam mais consistentes e duradouras, a temporariedade e a superficialidade das experiências”. Poucos admitem ou falam a esse respeito, sofrem em silêncio por não desacelerar.
BEM-ESTAR
Mas é fundamental desacelerar. Patrícia afirma que há saída: “A meditação, em todas as suas versões, desde o método mindfulness, que visa focar a atenção no momento e na ação presente, até a meditação raja ioga, mais conhecida como a ioga da autossoberania, que tem como objetivo colocar o indivíduo em contato com aspectos mais profundos e, consequentemente, estáveis de sua identidade, como as qualidades de paz, amor, verdade, felicidade, força, pureza, equilíbrio, e, a partir disso, cultivar um estado interno de preenchimento e satisfação”.
Outro aspecto apontado por Patrícia é que, partindo de um estado de preenchimento, a relação do indivíduo com os diversos eventos e situações externas muda a sua natureza. “Em vez de necessitar dessas situações para se sentir bem, o estado de bem-estar interno passa a ser determinado na forma como somos capazes de perceber e lidar com as situações. A prática da meditação faz com que a pessoa passe a contemplar seus pensamentos, dando-se conta daqueles que são indesejáveis, e passe aos poucos a ir aprofundando a experiência e gerando sentimentos totalmente alinhados com os pensamentos positivos, para chegar a um estado de concentração e bem-estar. Sem empenho não alcançamos resultados na vida, e o mesmo aplica-se à meditação, e seus resultados positivos.”
REFLEXÃO E CONTEMPLAÇÃO
Força de vontade é o que todos precisam, já que muitos têm as desculpas certas – “eu não consigo”, “sou agitado demais”, “não paro de pensar”: “A solução é aumentar o conteúdo interno por meio do autoconhecimento. Dessa forma, podemos oferecer para a mente pensamentos profundos e consistentes, gerando experiências prazerosas, que, naturalmente, fazem com que a mente entre em estado de concentração. A mente está interessada em experiências e, quanto mais capazes de oferecer a ela experiências profundas e prazerosas, mais ela permanecerá concentrada e alerta. Nesse sentido, pensamentos “clichês” não têm o poder de gerar comprometimento da mente.
Para Patrícia, é importante que as pessoas aprendam a praticar a reflexão e a contemplação do conhecimento “para extrair dessa prática significados que tragam entendimento, inspiração e clareza e dessa forma funcionem como combustíveis para o processo de meditação. Outro aspecto importante é conhecer a técnica. Na Brahma Kumaris, ministramos cursos de introdução, nos quais damos um escopo básico de conhecimento, e um passo a passo para a prática da meditação”. Vale ressaltar que os cursos na Brahma Kumaris são gratuitos, uma vez que o trabalho é mantido por meio de contribuições voluntárias.
Recomendações para praticar no dia a dia
» Meditar todos os dias ao despertar, nem que para isso seja necessário despertar mais cedo. Ou fazer parte de um grupo de meditação para se comprometer com a prática e trocar experiências
» Evitar assistir à TV, filmes e atividades muito agitadas antes de dormir, para garantir a qualidade do sono
» Alimentar-se com alimentos frescos e saudáveis. Recomendamos a dieta lacto vegetariana, sem consumo de carne de nenhum tipo
» Evitar tabaco, álcool e drogas
» Paradas estratégicas durante o dia. A cada duas horas, pare por um minuto para exercitar foco e concentração
Fonte: Brahma Kumaris
Valorizar as relações humanas
“Você já teve dificuldade em gerenciar seus pensamentos, como se eles competissem uns com os outros? Aquela sensação de não conseguir processar cada um deles individualmente frente a avalanche de informações diárias às quais estamos expostos? Segundo especialistas da Universidade de Berna, na Suíça, um ser humano conseguiria ler até 350 páginas por dia. Entretanto, o volume de informações geradas pela internet corresponderia a 7.355 gigabytes, o equivalente a bilhões de livros produzidos diariamente”, afirma o mestre em neurociências pela UFMG Guilherme da Cunha M. Santos, neurologista do Hospital MaterDei Contorno e da Santa Casa de BH.
Para Guilherme, também editor do portal Neurocurso.com, o problema da “sobrecarga de informações” é relativamente novo para o cérebro. “A automatização das funções neurovegetativas (respiração, digestão, controle neural do sistema cardiovascular etc.) foi um ganho incrível na história evolutiva do sistema nervoso humano. Fazemos isso sem pensar a cada fração de segundo em um intrincado mecanismo integrativo com outros órgãos e sistemas biológicos. Esse perfil multitarefa, no entanto, fica mais comprometido quando consideramos funções cognitivas superiores. Filtrar, processar e utilizar informações para um determinado fim tem um alto custo cognitivo. Earl Miller, neurocientista do Massachusetts Institute of Technology (MIT), especialista em atenção dividida, afirma que o que fazemos na realidade é simplesmente mudar de uma tarefa para outra rapidamente, criando a falsa ilusão de que somos multitarefa.”
DOPAMINA
Assim, destaca Guilherme Cunha, fica fácil entender o porquê da chamada mente acelerada: “Uma face do transtorno de ansiedade generalizado, considerado um problema de saúde pública atualmente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em um levantamento de 2018, 9,3% da população brasileira sofre de transtorno de ansiedade, o país campeão na América Latina. Dor de cabeça, palpitações, formigamentos (parestesias cutâneas), angústia e medo inexplicados são apenas alguns dos sintomas”.
Guilherme Cunha explica que se descobriu que o comportamento multitarefa aumenta a produção do hormônio do estresse, o cortisol, assim como a adrenalina, com repercussões negativas globais para o sistema nervoso. “A multitarefa cria um loop de dependência de dopamina, uma necessidade reverberante de sensação de recompensa pela procura por estímulo novo (nesse caso, informação). Para piorar a situação, o córtex pré-frontal tem um viés de novidade, o que significa que sua atenção pode ser facilmente sequestrada por algo novo, comprometendo a atenção seletiva, o botão de REC para memória. Ler um livro ou escanear o Instagram? A resposta está na criação de filtros mentais, para que cada gigabyte consumido possa valer a pena.”
TRABALHO
O pensamento acelerado está no dia a dia e, portanto, faz parte do mercado de trabalho. Aliás, os profissionais, cada vez mais cobrados e com a competição em alta, são “obrigados” a entrar nesse ritmo. Fátima Trindade, especialista em gestão de carreiras e vice-presidente da Thomas Case & Associados, traça um perfil desse trabalhador do século 21: “É tido como um mal do século. O colaborador aparenta ansiedade doentia, tem menor controle de suas emoções, fica refém de pensamentos perturbadores. É uma pessoa que sofre por antecipação, não trabalha bem suas frustrações e se cobra em excesso. Muitos profissionais se tornam mais fechados, inseguros, com consciência crítica baixa, prazer quase nulo e instabilidade das emoções. São pouco participativos, angustiados e com certo humor depressivo. É bom ficar atento para evitar desconfortos, problemas na empresa, podendo vir a ser, inclusive, dispensado”.
A vida é feita de escolhas. Fátima Trindade afirma que, primeiro, o profissional deve ter uma mudança no mindset (atitude mental). “Valorizar mais as relações humanas e a troca de experiências, buscar mais qualidade de vida, lazer e respeitar a saúde. Tentar levar uma vida mais feliz e contemplativa. Importante não se deixar influenciar pelas pessoas que nutrem pensamentos negativos, sempre buscando o bom humor, trazendo a autoconfiança e autovalorização para o dia a dia, independentemente da opinião dos colegas. Enfim, valorizar o que o dinheiro não compra.”
A especialista em carreira avisa que gestores, líderes e colegas podem ajudar trazendo o profissional para mais perto do grupo, incentivando momentos de lazer entre os colaboradores, promovendo ambiente positivo e fazendo as cobranças que forem necessárias de forma mais humana. Além disso, tem sido comum convidar especialistas em mindfulness, coaching, treinamento de competências e lideranças visando ao autoconhecimento e maior entrosamento do grupo. O gestor deve cultivar a ideia de que os funcionários representam o seu maior capital, sendo generoso, altruísta e acolher todos, investindo na felicidade geral. “Empresas saudáveis têm funcionários saudáveis. Todos devemos estar conscientes de que a vida tem ciclos. Não há sucesso e nem fracasso que sejam eternos.”
Estilo de vida desenfreado
Quanto mais o mundo se acelera, cada pessoa precisa encontrar um caminho próprio para acalmar a mente e não comprometer as relações humanas nos ambientes emocional, amoroso e profissional
A vida estressante e a mente acelerada podem ter consequências diversas na saúde, no estilo de vida, nos relacionamentos afetivos e profissionais de uma pessoa. Como elas não param, estão sempre correndo, ocupadas, atrasadas, cumprindo uma lista infindável de atividades profissionais e sociais, o tempo para cuidar de si e de suas necessidades é cada vez mais escasso. “Com isso, há uma quebra da homeostase natural e necessária à boa saúde, e o corpo começa a adoecer. A lista de doenças causadas ou agravadas pelo estresse e pelo estilo de vida é enorme. Os pacientes com doenças psicossomáticas são cada vez mais frequentes nos consultórios médicos e psicológicos, uma vez que a doença pode ser o “freio de mão” utilizado pelo inconsciente e pelo corpo para chamar a atenção do sujeito sobre seu estilo de vida desenfreado, que desrespeita os limites. Além do adoecimento físico, existe o psíquico”, alerta Cynthia Dias Pinto Coelho, psicóloga clínica.
Segundo a psicóloga, para pensar em “vilões e culpados” é preciso traçar um paralelo entre a evolução da humanidade, o mercado competitivo e a incorporação da vida digital no cotidiano. “Antigamente, o comércio, as empresas e indústrias fechavam por volta das 17h, 18h e seus funcionários iam para casa, com um trânsito tranquilo e rápido, chegavam em casa a tempo de conversar com vizinhos, jantar em família, assistir ao jornal e ver a novela na TV. O telefone era usado para breves conversas e recados urgentes, já que quase tudo esperaria tranquilamente até o próximo dia de expediente ou o próximo encontro. Hoje, as pessoas passaram a viver no limite da exaustão e palavras como deadline e prazo final passaram a fazer parte do cotidiano. Some-se a isso as redes sociais, que conectam as pessoas de forma legal, mas que consumem tempo significativo da vida real. Assim, a vida segue acelerada, o trabalho é acelerado, o pensamento é acelerado, as ações são aceleradas e muitas pessoas seguem exaustas, ansiosas, insones, depressivas, infelizes...”
FINITUDE
Mas tudo tem um outro lado e, na maioria das vezes, uma outra saída. Cynthia Dias garante que tem como controlar esses agentes que provocam tamanha inquietação: “É possível, mas exige consciência, disciplina e esforço para se imporem limites claros de tempo e ações e o estabelecimento de prioridades”, afirma. Segundo a psicóloga, é preciso entender, por exemplo, que ao encerrar a jornada diária de trabalho não se deve passar o tempo livre respondendo aos e-mails ou mensagens; que, durante o almoço ou jantar, o celular deve estar distante da mesa, para que as pessoas aproveitem o tempo para conversar e comer realmente; que ao assistir a um show ou teatro, o tempo deve ser destinado a curtir o artista e não somente a filmar e fotografar mil ângulos para postar; que a hora de fazer esportes, visitar a família ou namorar, por exemplo, deve ser gasta nas relações pessoais.
“É preciso aprender a se desconectar e descobrir que isso não só é necessário como libertador.” Para ela, muita gente tem vivido no “piloto automático”, de forma mecanizada, a cumprir metas, obrigações sociais e compromissos de trabalho, de forma quase robotizada. “Para perceber isso, é preciso parar e pensar: estou feliz com a vida que levo? Se eu morresse hoje, os meus afetos e amores estariam em dia ou apenas as minhas obrigações?. A resposta a essas perguntas pode servir de referência à mudança.”
Cynthia Dias confessa que ouve, com frequência, queixas sobre esse ritmo de vida no consultório: “As mais frequentes são relativas ao cansaço e à exaustão, bem como à falta de tempo para descansar, para ler, para curtir a família e os amigos, para cuidar da saúde (ir ao médico, fazer atividades físicas ou se alimentar corretamente), para dormir, para ter um hobby, assistir a um filme, para 'não fazer nada' e, acredite, para fazer sexo com seu parceiro (a). E o sentimento mais comum é o de 'não aguentar mais' tamanho peso e sobrecarga. Como se algo estivesse prestes a explodir. Além disso, relatam muito o adoecimento físico e psíquico, decorrentes dessa vida acelerada. A tomada de consciência sobre a nossa finitude, sobre a fragilidade da vida, faz com que as pessoas parem para repensar o quão efêmera é a vida e como é preciso saber aproveitá-la de forma efetiva, valorizando a convivência com aqueles que amamos, fazendo coisas que nos dão prazer, valorizando as pequenas coisas como ver o mar, brincar com os animais ou fazer uma criança sorrir. Como diz o rei Roberto Carlos, “é preciso saber viver...”
A psicóloga conta que estudiosos em tanatologia e em cuidados paliativos, que lidam com pacientes terminais, falam que ao se deparar com a inevitabilidade e a proximidade da morte, ninguém se arrepende de não ter comprado um carro mais potente, de não ter feito uma pós-graduação ou de não ter juntado uma fortuna no banco. “As pessoas, normalmente, se arrependem de não ter amado, de não ter convivido com as pessoas de quem gostavam, de não ter viajado para os lugares que queriam, de não ter falado de seu amor àqueles que partiram, de não ter cuidado da sua saúde, de não ter feito aquilo que queriam para fazer o que os outros esperavam. Enfim, elas se lamentam pela perda da oportunidade das pequenas e fundamentais felicidades, que não fazem parte dessa vida acelerada de hoje e que o trabalho e o dinheiro não podem comprar.”
Como desacelerar?
Um banho relaxante: um banho quente, sem pressa, de imersão ou ducha, deixando a água bater na nuca, apreciando o aroma de sais de banho tem um incrível poder calmante.
Meditação: algumas técnicas de relaxamento e meditação podem ajudar a acalmar o pensamento, tirando-o da ciranda exaustiva de pensar muito, de pensar em tudo ao mesmo tempo.
A prática de atividade física: os esportes fazem bem à saúde do corpo e da mente, além de ajudar na produção de endorfina, hormônio responsável pela sensação de prazer e bem-estar.
Exercícios de respiração: os exercícios de respiração ajudam a acalmar a mente, oxigenam o corpo, além de ajudar a focar a atenção em si mesmo em vez de pensar em fatores externos.
Contato com a natureza: ver o mar ou apreciar as montanhas e matas tem um grande poder calmante na mente humana.
Fazer atividades de lazer: cada pessoa tem suas preferências quanto à forma de se divertir, mas o fato é que reservar um tempo para ir ao cinema, ouvir música, dançar, cantar, ler um livro, ver filmes ou séries, viajar pode ser uma grande forma de relaxar e desacelerar o pensamento.
Namorar: estar com quem amamos, receber um carinho, fazer sexo, ouvir palavras positivas nutrem e acalmam a mente.
Sair com amigos: o tempo gasto com os amigos, num encontro em casa ou num bar, com boas risadas, relembrando os velhos tempos da vizinhança ou do colégio, contando piadas ou conversando amenidades pode restaurar as energias.
Voluntariado: os trabalhos voluntários, de caridade, renovam as forças e a boa-fé na humanidade. Além de ajudar ao próximo, eles podem levar a reflexões sobre a vida, um redimensionamento dos seus problemas e, consequentemente, a programação de mudanças em seus hábitos diários.
Fonte: Cynthia Dias Pinto Coelho, psicóloga clínica
Ilhas de relaxamento
“Informações baseadas no estudo A universe of opportunities and challenges indicam que existe a possibilidade de que o volume de dados digitais alcance a casa dos 40 zettabytes até 2020. Uma só edição do jornal americano The New York Times contém mais informações do que uma pessoa comum recebia durante toda a sua vida há 300 anos. Uma pesquisa simples no Google mostra que mais de 1 mil novos títulos de livros são editados por dia em todo o mundo. Além dessa avalanche de conhecimentos ainda temos que responder a e-mails, mensagens de WhatsApp, levamos trabalho para casa, temos os problemas profissionais, pessoais, eventos sociais e familiares, sem falar na capacitação, estudos, atividades religiosas, voluntárias...”. A fala é de Cristiano Miranda, médico especialista em cardiologia, pós-graduado em psicologia e que atua com cardiologia do esporte, e mostra com clareza a quase impossibilidade de não ter o pensamento acelerado na atualidade.
Cristiano Miranda lembra que o psiquiatra e escritor Augusto Cury afirma que esse excesso de informação e o ritmo acelerado de vida levariam a um impacto na saúde mental dos indivíduos: “Ele cunhou o termo síndrome do pensamento acelerado para descrever os sintomas. Embora não haja evidências científicas, ela guarda semelhança com a condição psiquiátrica conhecida como transtorno de ansiedade generalizada (TAG), caracterizada por ansiedade e preocupação excessivas, relacionadas com diversas situações da vida diária. O quadro vem acompanhado por dificuldade de concentração, lapsos de memória, cansaço, sintomas psicossomáticos, gastrite e até taquicardia. E, geralmente, as pessoas não sabem a razão e não percebem que estão entrando em (TAG) por considerar o ritmo acelerado da vida 'normal'”.
Conforme o cardiologista, a principal comorbidade psiquiátrica associada à TAG é a depressão. “Estudos indicam que a depressão é fator independente para desenvolver doença arterial obstrutiva, com consequente aumento de mortalidade por doenças cardiovasculares, como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral. Existem doenças cardíacas relacionados com o estresse, como a miocardiopatia estresse induzida (síndrome de Takotsubo), conhecida como síndrome do coração partido.”
NATUREZA
Medicamentos como antidepressivos, ansiolíticos e outros podem auxiliar nesse transtorno. “Existe também os tratamentos não farmacológicos que podem ser instituídos de forma preventiva, como a psicoterapia, em especial a técnica cognitivo comportamental, redução diária de álcool, nicotina e cafeína, a prática de meditação, exercícios de relaxamento e respiratórios, acupuntura, práticas de caminhada na natureza e atividade física.”
O cardiologista orienta os pacientes a fazer “ilhas de relaxamento”: “Ensino a técnica de meditação cardiocerebral do Institute Heart Math, que promove o adequado funcionamento entre o coração e o cérebro. Todas as técnicas de meditação, quando treinadas e bem realizadas, apresentam o mesmo efeito de estimular o sistema nervoso parassimpático, componente do sistema nervoso autônomo responsável por 'relaxar nosso corpo', reduzir o ritmo do coração, a pressão arterial e a frequência respiratória com consequente diminuição da ansiedade e resposta ao estresse. A atividade física é importante porque auxilia na redução do estresse, da ansiedade, depressão e doenças cardiovasculares”.
A terapeuta holística e coach Amanda Dreher escreveu o livro Stop ansiedade - O guia definitivo para você sair do ciclo de ansiedade emocional, pela Editora Luz da Serra. A proposta é auxiliar os leitores que precisam controlar a ansiedade e parar de explodir por qualquer motivo. Sem esquecer daqueles que, pelo contrário, estão paralisados, sem conseguir tomar atitudes. No livro, ela destaca os cinco passos essenciais para parar a ansiedade, método que chamou de Clara, e os níveis do ciclo de ansiedade.
1 - Conhecer: pensamentos, sentimentos, emoções...
2 - Limpar: desapego, superação, perdão, coragem de aceitar imperfeições...
3 - Acreditar: conexão interior, poder da gentileza, pare de reclamar, origem do sofrimento...
4 - Realizar: poder das escolhas, a vida não é eterna, aprendizado...
5 - Agradecer: a vida é uma oportunidade, superação, energia do amor, gratidão...
Os cinco níveis do ciclo da ansiedade emocional:
1 - Inércia: é cada vez mais frequente, com o estilo de vida moderno, ter um excesso de atividade mental, ou seja, muitas ideias e pouca ação. Mente cheia de pensamentos é ladra de energia. Por mais que queira fazer, tenha vontade e sonho, não existe ação, nem movimento. É preciso se reconectar com sua essência para ter clareza e poder de realização.
2 - Escuridão: falta clareza e direção, a vida não tem um sentido, um propósito, é vazia, falta alegria e não há um estado de plenitude. É preciso saber quem você é, acender a luz do coração.
3 - Eu sozinho: enquanto não conseguir olhar para trás e sentir gratidão, enquanto não honrar e reconhecer tudo que o trouxe até aqui, não seguirá em frente, se sentirá completamente sozinho, com um vazio interno que nunca passa. Acredita que tudo depende só de você, do seu esforço e a vida fica pesada demais. O que passou, passou.
4 - Julgamento: é quando tenta racionalizar tudo e, no momento em que sua mente julga, acaba enquadrando pessoas e situações. Rotula todas as experiências, pessoas e situações. Porém, ao agir assim, a mente se fecha, desconecta-se e passa a perceber a vida de forma limitada. Nesse nível, é preciso superar o medo de se abrir para a vida e encarar o medo de ser julgado, reforçar a confiança e fortalecer a conexão interna.
5 - Explosão: é estar no limite, qualquer coisa é gatilho para a explosão interna (aquela que guarda, engole e coloca para baixo do tapete) e externa (aquela que não tem como esconder, reage no impulso e fala coisas sem pensar e depois se arrepende). É preciso limpar mente e abrir o coração, cortar essa cadeia reativa e reassumir o controle da vida.
SERVIÇO
Título: Stop ansiedade - O guia definitivo para você sair do ciclo de ansiedade emocional
Autora: Amanda Dreher
Editora: Luz da Serra
Páginas: 200
Preço sugerido: R$ 49,90