Companhia de animais desenvolve nas crianças relações de afeto, lealdade, cumplicidade e muito amor

Relação também ajuda os pequenos a entender sobre seus atos e consequências

por Joana Gontijo 08/07/2019 13:35

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Lucca, de 2 anos, gosta de observar o peixe Chico, que tem a mesma idade que ele (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

Não é só um ataque de fofura. Quando uma criança está perto de um animal, não é apenas uma diversão ou um instante de prazer. Já é cientificamente atestado que, na hora em que o pequeno interage com algum bichinho, muita coisa acontece. É, antes de tudo, um aprendizado. A garotada percebe como é ser alguém mais bem resolvido, que respeita para ser respeitado, que enxerga e reconhece a existência do outro, o espaço alheio. Também desenvolve emoções de afeto, lealdade, carinho, cumplicidade e amor. Pelo ponto de vista fisiológico, os guris estão até mesmo desenvolvendo anticorpos que serão proteção para doenças contagiosas. Conviver com animais é uma lição de saúde, mas também de qualidade de vida. Em outro aspecto, ajuda até no entendimento sobre viver e morrer.

O cachorro, o gato, o passarinho, o peixe, a tartaruga, o coelho, o hamster, ou qualquer outro mascote. É na experiência com eles que as crianças conseguem compreender o ciclo da existência: gestação, nascimento, os primeiros passos, a doença e a morte. Como o intervalo de sobrevivência menor que os seres humanos, os animais são fontes inesgotáveis de saber. "Dessa relação, podem brotar sentimentos como a frustração, a alegria e também a autonomia", observa o pediatra Sérgio Crestana. "Ao lidar com os animais, a criança projeta os cuidados que os pais têm com ela. Ela vai trazer isso para seu 'teatro interno', para a organização do psiquismo. É o que elas fazem com as bonecas e com os brinquedos, só que o animal vai reagir, e esse contato traz novas experiências", explica o médico.

Na casa da designer de interiores Flavi Pereira tem cachorro, pássaro e peixe. O carinho, a atenção, o companheirismo - ela sempre gostou de animais de estimação. Flavi tem o filho Lucca, de 2 anos e, para ela, estar junto aos bichos é bom até mesmo para a criação do pequeno. A designer completa 7 anos de casamento, e o simpático yorkshire Jimmy foi um presente de seu marido à época. Ela brinca que o cão é seu primeiro herdeiro. "Ele é tranquilo, parceiro, amoroso, brincalhão, extremamente sociável. Fica irritado só quando pegam sua bolinha", conta.

Jimmy convive bem com outra estrela da casa, a lulu da pomerânia Channel, de 2 anos. Flavi e o marido são donos ainda da calopsita Cacau, de 8 anos, do canário belga Tonico, na família há mais de um ano, e o peixe Chico, de 2 anos. Flavi conta que Lucca, Jimmy e Channel são grandes amigos, afinal convivem desde que o garoto é bebê. Quando o menino está no berço, ou depois no cercadinho, o yorkshire fica ao lado. Lucca não costuma acordar cedo, e o cão deita perto até ele acordar - na hora do cochilo à tarde, a mesma coisa. A rotina de Lucca é igual a dos cães. Correm, se divertem, passeiam juntos, vão a praças, parques, sítios, e gostam também de viajar. "Lucca e eles são camaradas. Meu filho nunca fica sozinho, os cães estão sempre ali. É uma relação de irmãos", diz a designer.

A calopsita Cacau já era uma das habitantes da casa de Flavi antes do filho vir ao mundo. Sempre circulou solta pelos cômodos. O menino aos poucos foi se acostumando e hoje se dão muito bem. “Ela é um pouco arisca com o Lucca, mas ele nunca teve medo. Acha engraçado”, conta. Com o pássaro Tonico, Lucca aprendeu a oferecer comida, saber o horário e o que ele come, e percebe que tem hábitos diferentes. Já o peixe betta Chico cresceu junto ao garoto e hoje é o único animal que fica em seu quarto. Foi um agrado do pai quando Lucca nasceu. “O Lucca gosta, acha curioso, observa ele nadando. Quando vê peixes na televisão, acha que é o dele”, diz Flavi. “Com todos os bichinhos, é uma proximidade que estimula o senso de responsabilidade, a noção de respeito às diferenças, o desenvolvimento cognitivo, partindo de todos os pontos positivos de um amor incondicional”, acrescenta.

RESPONSABILIDADE

Esse é um elo que propicia uma compreensão melhor do mundo. "Com os animais, a criança consegue exercer um papel diferente. Ela se torna cuidadora, responsável. Vai expressar talentos que muitas vezes na família não é possível porque, nesse caso, é ela quem precisa de cuidado", pontua Ceres Berger Faraco, veterinária e doutora em psicologia. Esta relação tem impactos imediatos na autoestima dos pequenos, que passam a se considerar importantes. "Se você pede para uma criança pequena trazer um potinho de água para o animal, ela vai fazer isso com seriedade, como se fosse uma joia rara", exemplifica a veterinária.

O diálogo íntimo que se molda entre uma criança e um animal de estimação pode mesmo fazer milagres. Além do senso de responsabilidade e a afetividade, entre os benefícios estão a redução da ansiedade, o fortalecimento da autoconfiança e o aprimoramento de habilidades sociais. "Isso implica no reconhecimento do sentimento do outro. Os animais têm uma resposta clara para isso. Se eu sou hostil ou ameaçador, ele foge. Se eu sou delicado e carinhoso, ele se aproxima. O animal não disfarça, o que faz com que a criança tenha uma noção mais clara das consequências de seus atos. Desenvolve a empatia de entender o que o outro sente. Violência, agressão e egoísmo nascem dessa incapacidade de reconhecer que o que eu faço é ruim para a outra pessoa", acrescenta Ceres Berger Faraco.

Sensações compartilhadas
Além de desenvolver habilidades motoras, na convivência com animais as crianças passam a ter noção sobre o que o outro sente


A vivência com os bichos também favorece habilidades motoras e de fala para as crianças. O animal significa o universo de outra pessoa para dentro de casa - seja na atenção com a ração, o banho ou os passeios diários, a criança passa a compartilhar sensações e criar hábitos saudáveis. "Crianças aprendem com facilidade a imitação dos sons, o andar deles. Isso tudo é um estímulo muito grande no desenvolvimento motor e é algo espontâneo. É uma experiência lúdica do desenvolvimento", salienta Ceres Faraco.

"A criança começa a entrar em contato com a diversidade, com as diferenças. Ela vai aprender com quem pode se relacionar. Com o cachorro, sim, com a galinha, não. Ela vai entrando dentro desse ciclo mágico da vida", observa Sérgio Crestana. Nesse contexto, alguns mitos devem ser derrubados. O exemplo típico é o da criança asmática, que não estaria apta para brincar com gatos. "É uma bobagem. Quando entram em contato com pelos, as crianças desenvolvem resistências que vão inclusive protegê-las de alergias no futuro. Algumas acabam desenvolvendo alergias porque não tiveram esse contato precoce", diz o médico.

Mas o especialista alerta: é preciso dosar responsabilidades. Uma criança não está pronta para assumir completamente uma obrigação de cuidar de um animal. Ela precisa de ajuda - a relação deve ser de prazer, não de compromisso. Ceres Faraco acrescenta que, para ter o animal, os pequenos costumam elencar promessas, porém esse cuidado deve ser dos pais. "Animal não é presente de Dia das Crianças ou de Natal e não deve ser escolhido por impulso. O ideal é ter um planejamento para que toda a família esteja realmente consciente dessa responsabilidade, senão a experiência pode se transformar em um desastre", chama a atenção. Antes da idade indicada para iniciar essa relação, a tarefa deve ser dos pais.

Ana Maria Miranda/Divulgação
A cadelinha Fiona, com as irmãs Maria, de 18 anos, e Mayra, de 3: animal fez a diferença na vida das duas (foto: Ana Maria Miranda/Divulgação)
Dentro da perspectiva de amenização da ansiedade, alguns estudos apontam que crianças que estão enfrentando problemas na família, como a separação dos pais, enfrentam a questão de uma forma menos traumática quando têm um animal em casa. A shih tzu Fiona tem 9 anos e chegou na família da designer de interiores Adriana Diniz em boa hora. Foi um presente de uma amiga da filha mais velha de Adriana, Maria, de 18 anos, quando ainda era filhote. À época, a designer enfrentava um processo de divórcio de seu primeiro marido, e a primogênita, então com 9 anos, se mostrava entristecida, precisando se adaptar a uma outra realidade. "Uma psicóloga sugeriu a convivência com um cachorro. Confesso que nunca fui muito fã dos cães, mas abri mão mesmo pela necessidade. No fim das contas, Fiona transformou minha opinião. Hoje eu adoro, vejo o quanto é importante, e como ajudou a Maria", pontua Adriana Diniz.

RESPEITO


Fiona se tornou uma grande companheira da menina. "A gente brincava muito. Eu passava muito tempo em casa, minha mãe trabalhava fora e meu pai tinha saído. Com a Fiona conseguia me distrair", diz Maria. Ela assumiu por Fiona as tarefas que a mãe delegou. Passeio, comida e água, higiene com as necessidades fisiológicas. "Criei responsabilidade e uma noção de respeito. Aprendi a respeitar o espaço dela e ela aprendeu a respeitar o meu. Encarei o divórcio bem, mas fiquei um pouco triste e, com a Fiona, fui melhorando aos poucos. É uma amizade, uma relação tranquila", conta.

Do segundo casamento, a pequena Mayra, de 3 anos, é o grande fruto. A designer conta que, durante a gravidez, Fiona parecia entender tudo, seguia Adriana aonde ia, cheirava sua barriga. Quando a rebenta nasceu, percebeu que se tratava de um bebê e logo lhe dedicou cuidados - a cachorrinha estava sempre por perto do berço. "Quando a Mayra chega da escola e abre a porta, Fiona a recebe, pula, abraça, mas Mayra sabe que uma hora chega, tem um limite. O estopim é curto", descreve a designer. Fiona hoje é um dos amores da pequena.

Agora, Adriana Diniz sabe como o contato com animais faz bem. "Quando você tem uma companhia, não sente solidão. Em momentos de estresse, a presença do animal acalma. Entende-te como se fosse gente de verdade. Ajuda na própria harmonia da família. Observo mesmo pelas minhas filhas. Pelo cuidado, pela alegria, como Fiona faz diferença na vida das meninas", pontua.

Em boa companhia

Arquivo Pessoal
"A criança precisa saber que se trata de um outro ser vivo, não é o mesmo que um bichinho de pelúcia. Ao mesmo tempo, saber diferenciá-lo do ser humano. É um elo benéfico, mas há limites" - Cristiane Maluf Martin, psicanalista (foto: Arquivo Pessoal)
O relacionamento com animais é sempre muito positivo, diz a psicanalista Cristiane Maluf Martin. Com esse vínculo, salienta, a criança aprende a cuidar do outro, ter empatia, reorganizar o tempo, assumir compromisso (pelo simples fato de olhar a comida, a água, a higiene). Mas para ela, há o momento certo para a criança começar a se responsabilizar pelos bichos - não adiante ter o animal de estimação se ainda não for apta para mantê-lo. "A partir dos 7 anos, essa noção de cuidado é melhor. É um exercício para a própria dinâmica familiar. A criança precisa saber que se trata de um outro ser vivo, não é o mesmo que um bichinho de pelúcia. Ao mesmo tempo, saber diferenciá-lo do ser humano. É um elo benéfico, mas há limites. Respeitando isso, o animal será uma boa companhia", orienta a psicanalista.

Para crianças tímidas, exemplifica, o animal pode ser um estímulo para a socialização, na medida em que essa experiência seja de troca. "Hoje a indústria dos pet shops é forte, porém devemos considerar que eles não são humanos", ressalta Cristiane, sobre os excessos comuns dessa convivência, como fazer comemorações de aniversário para o bicho, ou dar coleira de cristal Swarovski e roupa de grife. "Quando essa relação extrapola, em alguns momentos pode se tornar patológica", alerta.

Entre os pontos positivos, existem muitas situações. "Para crianças com paralisia cerebral, por exemplo, a terapia com cavalos é eficiente. Em alguns tipos de autismo, o animal, geralmente o cão, pode ajudar. Essa relação pode otimizar o desenvolvimento de habilidades motoras e, além dos aspectos sensoriais, também melhoras de cognição. Pode ser um auxílio para crianças que sofreram algum trauma físico ou psicológico."

Esse relacionamento tem papéis interessantes. Todo o amadurecimento das crianças é beneficiado com o contato com pets durante a infância. “O desenvolvimento da criança que tem a companhia de um bichinho ocorre bem mais rápido”, afirma a pediatra Ana Carolina Sato. Os pais, no entanto, devem se cercar de atenção. Meninos e meninas com menos de três anos não estão cientes de sua força, da reação do animal, e seus movimentos podem ser bruscos, o que pode ocasionar no animal uma reação inesperada, como uma mordida ou arranhão mais forte. Para evitar esse tipo de situação, é importante que as brincadeiras sejam monitoradas por adultos.

TERAPIA

A partir dos 12 anos para elas e 14 anos para eles, a responsabilidade com o animal costuma aumentar. Nessas faixas etárias, eles podem assumir mais cuidados com os bichinhos, como trocar ração e água e passear. "Isso dá uma noção diferente para esses pequenos que estão chegando à adolescência: o olhar sobre o mundo muda quando tem alguém que depende de você", ensina Ana Carolina.

Pesquisas comprovam que conversar e brincar com animais é ainda uma solução para combater o estresse, uma verdadeira terapia. "Só a festa que se encontra diariamente quando chega em casa já é um banho de ânimo para ninguém botar defeito. Essa sensação de alegria que a interação com animais nos dá libera endorfina ao cérebro, hormônio responsável pela sensação de bem-estar, além de ajudar no controle da pressão sanguínea e no sono", ressalta a pediatra. Simultaneamente, o próprio ato de brincar, passear e as atividades ao ar livre com o animal requerem esforços físicos, e exercício é saúde.

E não é só sobre cachorro. “Vale igual para qualquer bicho. Pode ser gato, peixe, tartaruga. Qualquer um”, esclarece a pediatra. A dica é saber escolher o novo integrante da família. “O ideal é que se consulte um veterinário de confiança, e que se procure um bicho com temperamento parecido ao da criança - um animal calmo para uma criança mais tranquila, por exemplo”, explica Ana Carolina. Além disso, tem que ser adequado ao ambiente onde vai morar. Um animal enorme em um local pequeno certamente será um problema.

PLAVRA DE ESPECIALISTA

Gustavo Pinho - Veterinário

Imunidade reforçada

Crianças que mantêm contato com animais de estimação possuem maior imunidade e menor chance de desenvolver alergias, por exemplo. O contato com o pet também ajuda a aprimorar habilidades na esfera social, como afeto, docilidade, lealdade, inteligência, respeito ao próximo e responsabilidade. Essa relação pode significar saúde e trazer sociabilidade às crianças, promovendo uma sensação de bem-estar e diversos outros benefícios para seu desenvolvimento. Esse vínculo de amizade proporciona uma sensação de segurança, e é uma forma de combate à solidão e depressão. Cães, pássaros e gatos são os animais que interagem melhor com as crianças, e o cão é uma ótima escolha. Dentre as raças de cães que se relacionam bem com os pequenos estão o labrador, golden retriever, lhasa apso, beagle, poodle e pug, citando apenas alguns.

Referência para a vida real
A proximidade com os bichos fortalece a autoestima, pois o carinho é verdadeiro e desinteressado. Nesse convívio, a criança também aprende a lidar com a perda e a dor


Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Mariana Penido, de 5 anos: "Gosto de animais porque eles são bonzinhos e posso fazer carinho" (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Pode-se dizer que o garoto Rafael Penido, de 9 anos, já nasceu fã dos animais. “É muito legal. Pelas características deles mesmo. Fazem um monte de coisas que a gente não consegue. Tem um lagarto, por exemplo, que lança sangue pelo olho para se defender do predador”, diz. O fascínio por bicho vem de pequeno. Na escola, pela televisão ou em lugares para onde viaja com a família, é uma verdadeira adoração. Rafael conta sobre as visitas ao zoológico e sobre uma recente ida ao Pantanal com os pais e a irmã, onde conheceu de perto tucano, jacaré, e o tuiuiú Tafarel, estrela em um hotel fazenda da região. O menino diz que se interessa por todos os animais – e tem para todos os gostos. Entre mamíferos, répteis, anfíbios, peixes, aves e até insetos e moluscos, a lista dos prediletos é extensa: rinoceronte, caracol, tigre, iguana, tartaruga, grilo, gafanhoto, besouro, lagarto, tucano, flamingo, águia, pinguim. Por incrível que pareça, se sente um tanto intimidado por cachorros. “Agora vamos ganhar um peixe.”

A irmã mais nova de Rafael, Mariana, de 5 anos, reforça o time dos amantes dos bichos. Na casa dos avós, seus grandes parceiros são os vira-latas Matozinhos e Darwin. “Gosto porque eles são bonzinhos, mansinhos, posso fazer carinho, dar a comida, levar para passear. Eles entendem as coisas e me obedecem. São meus amigos. Eu gosto muito de cachorro”, diz. Mariana também conta que, além de amar andar a cavalo, adora os animais em geral: gato, peixe, coelho, porquinho da índia, hamster... Na escola onde estuda, o convívio com os animais é uma tônica da linha pedagógica. Na hora da jardinagem, os alunos encontram uma enorme variedade de animais. “Tem a cabra Bebé, o cavalo Tatu... Tem também porquinho da índia, galinha, pato, peru, passarinho, periquito...”.

Ver um animal com proximidade é um modo de aprendizado especial. É uma maneira de despertar nos pequenos uma preocupação e consciência acerca das outras formas de vida, como um todo. Na escola que Mariana frequenta, a Verde Vida, em Belo Horizonte, a vivência com os animais é uma ideia que nasceu junto à instituição, que existe há 24 anos. Em um primeiro momento, o objetivo era atender as necessidades dos pais e, ao mesmo tempo, criar algo que despertasse o interesse das crianças. A fundadora e diretora Salette Brittes buscou em suas raízes no interior a semente para iniciar um belo trabalho. O norte é aprofundar a consciência sobre o meio ambiente, a relação e o respeito das crianças com a natureza, incluindo os animais, em processos que vão muito além do que a simples recreação.

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Na escola Verde Vida, em BH, a companhia dos animais é para os alunos uma lição de respeito à alteridade e à natureza (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

Hoje, a escola tem cerca de 100 alunos da primeira infância, até os 7 anos de idade. Coelho, porquinho da índia, ararajuba, periquito, calopsita, galo, galinha, pato, cabrita, cavalo - estão todos presentes por ali, alguns vivem soltos, outros não. Esse convívio favorece a sensibilidade acerca do outro, pontua a coordenadora da escola, a pedagoga Carla Mariana Rocha Brittes da Silva, e também é uma referência no próprio desenvolvimento dos conteúdos didáticos. "Cresce a noção de altruísmo, o pensar sobre as atitudes. São crianças observadoras, detalhistas, o que percebemos mesmo pelos pais que nos dão esse retorno. Quando está em um parquinho, ela presta atenção na joaninha, na minhoca. Teve uma vez até de um menino que se preocupou com um rato que encontrou na rua", diz Carla.

O lugar e o papel de cada um

Na Escola Municipal Vila Aparecida, na cidade de Portão, próxima a Porto Alegre, uma experiência bem sucedida foi apresentar aos alunos alguns bichinhos. O dia dedicado à atividade aconteceu já há algum tempo, mas serve como um bom exemplo. O pressuposto era fazer com que as crianças apreendam o lugar e o papel de cada animal. Na ocasião, compareceram à escola mais do que um cão ou um gato: uma galinha, uma ovelha, um coelho e até minhocas foram apresentados ao grupo da pré-escola. A receptividade foi gigantesca: abraços, beijos e carinhos. E, claro, muitas perguntas -"tem nome? faz xixi? o que come? por que a minhoca é de um jeito e a galinha de outro?".

Arquivo Pessoal
Na escola Vila Aparecida, de Portão, atividade levou alguns bichinhos para perto das crianças (foto: Arquivo Pessoal)

Os benefícios diretos dessa amizade são evidentes: a autoestima, a confiança, a autonomia e a autoimagem ficam fortalecidas, pois o carinho é verdadeiro e desinteressado. Mesmo para filhos únicos, a noção da generosidade, contrária ao egoísmo, é estimulada, na medida em que surge o conceito de compartilhar - segredos, sensações, brinquedos e momentos felizes. A preciosa lição de vida e morte encontra também um espaço delicado nesse convívio - a criança aprende a lidar com a perda e com a dor.

A dona de casa Mércia Siqueira Theodoro sempre conviveu com animais. Na infância, eram seus maiores companheiros para os momentos de diversão. Além dos bichinhos mais comuns, como cachorro e gato, ela lembra, por exemplo, de uma iguana e uma salamandra que viviam em sua casa. Hoje, Mércia é mãe de uma turminha de cinco - Natalie, de 16, Paulo, de 10, Luca, de 9, Enzo, de 8, e Pedro, de 7. Os filhos herdaram o gosto pelos animais. Já passaram pela casa de Mércia cachorro, gato, galo, galinha, coelho, pato, calopsita, sempre soltos no quintal. A preferência da família é mesmo pelos gatos - já foram mais de dez. Hoje, o gato Nrsimha é o rei do pedaço, e vive ao lado de Maizena, um simpático porquinho da índia que Natalie ganhou de presente de aniversário em 2018.

Cada um dos meninos elege seus bichinhos prediletos. Para Enzo, a atração é por coelhos, para ele “peludinhos e fofos”, gatos, porque gostam de brincar, cachorro, macaco, elefante, e ele também adora tigre, mas bebê. De um periquito que já esteve com o garoto, até hoje guarda de lembrança uma de suas penas e a gaiola. “O passarinho gostava de brincar de pique-esconde, fugia, entrava no armário. Acabou ficando doente e morreu. Os animais ajudam a gente. Alertam quando tem algo estranho”, diz Enzo.

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
Na casa dos irmãos Pedro, de 7 anos, Paulinho, de 10, Natalie, de 16, Enzo, de 8, e Luca, de 9, já passaram cachorro, gato, galo, galinha, coelho, pato, porquinho-da-índia e calopsita, sempre soltos no quintal (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

Luca é um amante incorrigível dos patos. Não é à toa que sua cor preferida é amarelo. Além do casal de patos que havia em casa quando Luca era bem pequeno, os patinhos estão presentes em pelúcias, brinquedos, livros, vestuário, roupa de cama, toalha, e mais. “São gordinhos, bonitinhos, têm o bico bonito, sabem brincar, são alegres. Gosto de bicho porque interagem com a gente”, conta. Na lista dos animais mais queridos, Luca também elenca o marreco, o sabiá, o avestruz e o cervo - e, como não poderia ser diferente, seus personagens favoritos são o Pato Donald, sua namorada Margarida, os sobrinhos Huguinho, Zezinho e Luisinho e o Tio Patinhas.

COMPANHIA

Para Pedro, os animais são amigos e bons companheiros. “Nosso gato ficava sempre com minha avó quando ela estava doente.” Pedro adora porquinho da índia, pinguim, lhama, arara azul, tucano, cobra, gato, pintinho, urso panda, águia, raposa, e é encantado com histórias sobre dinossauros. O gato é a predileção de Paulinho. “Fazem companhia, são inteligentes, espertos, alegres, uma boa distração. Quando a pessoa está em depressão, por exemplo, o animal faz melhorar”, conta.

Natalie também é afeita aos gatos. “Apesar de muitas pessoas falarem que não são companheiros, na verdade os gatos são extremamente carinhosos. Cresci em volta de gatos e criei um amor por eles.” De pequena, a menina também lembra a ligação com cachorros, coelhos e acaba de ganhar o porquinho da Índia Maizena. “Gosto dos animais em geral. Não têm maldade como os seres humanos, são puros por natureza. É uma relação espontânea - não forjam sentimentos”, diz. Na opinião de Mércia, um ponto positivo de estar entre os animais, para as crianças, é desenvolver o senso de responsabilidade. “Eles cuidam, assumem obrigações.”

Estar entre os animais, no fim das contas, faz bem para qualquer um. Entre os espectros da modalidade de atividade terapêutica alicerçada no contato com os bichos, estão a possibilidade de abordar e responder a doenças mentais (demências, Alzheimer, Parkinson, psicoses, esquizofrenia e depressão); deficiências intelectuais, motoras e multi deficiências (paralisia cerebral, síndrome de Down e autismo); obesidade (programa de combate); geriatria (estimulação cognitiva e enfrentamento da solidão e do isolamento); dificuldades de aprendizagem (apoio à leitura e/ou à escrita, dislexia, discalculia, disortografia, disgrafia e perturbação de hiperatividade). Conforme a situação e cada perfil de enfermidade, surgem as indicações de dinâmicas entre terapeutas e pacientes, com a assistência de animais.

Hormônio do amor

Liza Kamei/Apae Sete Lagoas
Na Apae Sete Lagoas, acompanhamento em saúde por cães resulta em maior socialização e autonomia (foto: Liza Kamei/Apae Sete Lagoas)

A relação de carinho e sinergia entre os seres humanos e os bichos é algo histórico e sabido. Atualmente, esse elo alcança benefícios que vão muito além da simples convivência. Os queridos amigos já atendem a demandas que perpassam a melhoria das condições de vida e do bem-estar do homem, auxiliando em trabalhos específicos que possuem eficiência comprovada cientificamente. Não se trata de tomar o lugar dos tratamentos convencionais, mas as terapias assistidas por animais (TAA) são encaradas como facilitadoras em intervenções acerca de problemas físicos, psicológicos, cognitivos e sociais, rompendo barreiras entre os profissionais de saúde e os pacientes. Ideal para atuar em diferentes tipos de patologias, principalmente para quem sofre de alguma forma de deficiência, essas práticas otimizam a expressão das emoções, a sensibilidade, o amor, o compartilhamento de experiências, o progresso nas interações entre pessoas, o controle do estresse e de traumas, combatem a depressão, minimizam a solidão, diminuem a agressividade, mudam o comportamento e a coordenação motora. Uma experiência pioneira vendo sendo implementada na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Sete Lagoas, na Grande BH. Desde 2007, o acompanhamento em saúde feito por cães, denominado cinoterapia, ao lado de procedimentos convencionais, tem surtido resultados positivos para os pacientes, como maior socialização e autonomia. Entre os atendidos, crianças, adolescentes e adultos. De acordo com Fabiana Reis, médica veterinária e especialista em cães e gatos, "a partir do momento em que nos é ativado o 'hormônio do amor' pelo contato com o bicho nós só temos a ganhar. Ao fornecer companhia, carinho, conforto, entretenimento e, principalmente, amor incondicional, os animais domésticos trazem a seus donos, e a quem se relaciona com eles, inúmeros ganhos."