Movimentos precisos, visão em 360 graus e completa imersão em partes do corpo humano jamais vistas a olho nu. A cirurgia robótica tem promovido avanços revolucionários na medicina. Mas, ao contrário do que se pode supor, o procedimento não é comandado pelo robô. Ele é apenas um instrumento, de alta precisão, controlado pelo médico. Minas Gerais é o terceiro estado que mais faz esse tipo de procedimento no país. Com quatro bases instaladas em hospitais particulares de Belo Horizonte, a média de cirurgias já passou de 100 por mês. São Paulo, que tem 28 robôs operando, lidera a lista, seguido pelo Rio de Janeiro.
O Brasil é o país que mais faz cirurgia robótica na América Latina.
Para entender como funciona essa tecnologia a serviço da saúde, a equipe do Estado de Minas acompanhou uma cirurgia robótica conduzida pelo urologista Pedro Romanelli, um dos primeiros cirurgiões mineiros a se especializar nessa área. Na sala de cirurgia do Hospital Felício Rocho, a equipe médica está preparada para conduzir uma intervenção de próstata. O robô entra em cena. Não é um ser de metal com braços e pernas semelhantes às humanas.
Um braço do robô é equipado com uma câmera que gera imagem em alta definição, tridimensional e com a ampliação de até 20 vezes. “Nesta microcâmera do robô tem duas óticas, cada uma joga para um olho do cirurgião. É como se estivéssemos dentro da cavidade da barriga do paciente. Então a gente tem um nível de detalhe muito grande”, explica Romanelli.
O cirurgião comanda o trabalho operatório de um console. Ali, era dentro da sala de cirurgia.
SINCRONIZAÇÃO
A pesquisa da Intuitive fez um mapeamento nacional das especialidades que mais operam por robótica. A urologia lidera o ranking, com mais de 4 mil procedimentos realizados em 2018. “A robótica foi desenvolvida, inicialmente pela empresa, pensando na cirurgia cardíaca. Mas eles falam que miraram o coração e acertaram a próstata”, comenta Pedro Romanelli. “A próstata também é um órgão que fica em um local escondido, onde é difícil a gente conseguir fazer essa cirurgia. E a delicadeza do robô nos permite fazer isso de uma forma mais precisa”, afirma. A cirurgia geral aparece em segundo lugar, com mais de 2 mil operações, seguida da ginecologia, com cerca de 1 mil procedimentos robóticos.
Menor tempo de recuperação
Principal vantagem da cirurgia robótica é encurtar o período de internação. Por outro lado, o preço do procedimento no Brasil ainda é muito alto em relação à operação convencional
Quando descobriu que a mudança de coloração do esperma era um dos sintomas de um câncer na próstata, o caminhoneiro Roberto Márcio Castro, de 53 anos, levou um susto. “Faço controle anual desde os 45 anos.
A decisão por uma cirurgia robótica veio depois de muita pesquisa. “Uma de minhas filhas é enfermeira. Ela me ajudou muito a pesquisar sobre o tratamento. Conversei também com pessoas que tinham feito a cirurgia robótica e todas falaram muito bem da recuperação”, recorda. Mas a decisão só veio mesmo depois de passar por três médicos urologistas. “Descobri que fazendo a operação robótica, teria muito menos chances de complicações, como a incontinência urinária, e até mesmo menos chances de ter problemas na vida sexual”, conta Roberto.
E foi o que aconteceu. Às 12h de 10 de fevereiro deste ano, ele entrou na sala de cirurgia do Hospital Matter Dei, e às 16h o procedimento acabou. “Quatro horas depois, eu já estava conversando. Tive algumas dores durante a noite, mas na tarde do outro dia já recebi alta”, diz Roberto Márcio. “A recuperação foi muito rápida. A gente precisa ficar com uma sonda nos sete primeiros dias, mas já caminhava, saía de casa desde o quarto dia.”
TRAUMA MENOR
Para o paciente, as vantagens em fazer um procedimento com o uso da tecnologia robótica em relação ao procedimento convencional, via laparoscopia, vão desde a segurança ao menor tempo de recuperação. “Todas as cirurgias minimamente invasivas (sem grandes cortes) fazem com que tenhamos um trauma muito menor, sangramento muito menor, menos chance de transfusão e complicações pós-operatórias”, afirma o urologista Pedro Romanelli.
Na contramão das indicações positivas de intervenções com uso da tecnologia estão os custos. A cirurgia robótica ainda é cara. O procedimento na próstata, por exemplo, custa em torno de R$ 40 mil, o dobro do preço de uma cirurgia convencional. Mas, para Roberto Márcio, os benefícios da recuperação valeram a pena. “Acho que com a tecnologia tem muito mais chance de dar certo. A recuperação da nossa saúde é a coisa mais importante que existe”, avalia o caminhoneiro, que voltou para a estrada 45 dias depois de se curar do câncer.
O alto preço da tecnologia é uma das grandes barreiras para o avanço e popularização do procedimento no país. “O robô é caro. Tem custo de aproximadamente R$ 12 milhões, sem imposto. Mas, hoje, no Brasil, já temos cinco hospitais públicos que têm essa plataforma”, comenta Pedro Romanelli. Minas Gerais ainda não tem o equipamento na rede pública de saúde. Por enquanto, somente São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande Sul conseguiram disponibilizar a cirurgia em hospitais públicos.
Outro entrave no acesso das pessoas ao procedimento é que os convênios de saúde não cobrem a cirurgia. “A Agência Nacional de Saúde define o que é cobertura obrigatória pelos planos, e o robô ainda não está incluído nessa lista”, explica o especialista.
CAPACITAÇÃO
Assim como Sálua, o médico brasileiro que tiver interesse em se especializar em robótica vai ter de fazer o curso fora do Brasil. O país ainda não disponibiliza a formação. Os centros de treinamentos mais próximos estão na Colômbia e nos Estados Unidos. “É um curso que dura dois dias. Temos aulas teóricas e práticas”, conta a médica. Mesmo após receber o certificado, o profissional deve fazer as primeiras 20 cirurgias acompanhado de um tutor. “Assim como quando a gente tira carteira de motorista e ainda não sabemos dirigir, a mesma coisa ocorre com a cirurgia robótica”, compara Romanelli, que, também, atua como orientador de profissionais recém-formados em hospitais de Belo Horizonte.
Três perguntas para...
Rafael Coelho, urologista especialista em cirurgia robótica do Hospital 9 de Julho, em São Paulo
1) Como fica a relação médico-paciente com a chegada do robô?
Creio que a automatização e a robotização da medicina vão gerar conflitos sim na relação médico/paciente, à medida que as relações se tornam mais distantes e o contato médico/paciente superficializado. Será uma nova era da medicina, focada em resultados, estatística e padronização de condutas que, sem dúvida, elimina laços de empatia, amizade e humanidade entre médicos e pacientes. É um desafio para nós manter as relações humanas em um primeiro plano com os avanços da medicina e ciência. Creio que em algum momento teremos de reavaliar esses rumos para saber se estamos no caminho certo.
2) Só o uso da tecnologia garante o sucesso do procedimento?
O sucesso do procedimento é totalmente dependente do cirurgião. As plataformas robóticas atuais funcionam como um sistema master-slave, em que os braços robóticos são controlados totalmente por um cirurgião. A plataforma oferece vantagens, como imagem magnificada, tridimensional, instrumentos miniaturizados e articulados, além de filtrar o tremor do movimento; mas o resultado depende do cirurgião, que tem de saber usar esses recursos de maneira adequada para oferecer melhor resultado.
3) No futuro, o robô poderá assumir o controle e eliminar a necessidade do médico?
A empresa VERb surgical, resultado de um esforço conjunto da Google e JJ, já tem falando em cirurgia totalmente automatizada, em que não seria necessário um cirurgião. Entretanto, eles mesmo admitem que esse tipo de cirurgia ainda está muito distante e diversas barreiras terão de ser vencidas ainda para torná-la viável. Por hora, a empresa está investindo todos seus esforços na produção de uma plataforma robótica master-slave, totalmente dependente de um cirurgião.
Em nota, a Johnson & Johnson Medical Devices deu detalhes da tecnologia desenvolvida pela empresa. "A Johnson & Johnson Medical Devices criou a Verb Surgical em parceria com Google, que permitirá a troca de conhecimento de profissionais durante uma cirurgia, por exemplo. A inclusão de soluções colaborativas e digitais não se tratam de substituir a capacidade do cirurgião pelo robô, mas sim colocar toda a evolução tecnológica a serviço do médico, para que ele possa, a partir das melhores técnicas, do melhor instrumental e do compartilhamento de conhecimentos oferecer o melhor desfecho para o paciente", diz o comunicado.