Alterações na microbiota podem contribuir para a propagação do tumor de mama, segundo cientistas americanos. Os especialistas provocaram um desequilíbrio nas bactérias que habitam o intestino de ratos com o câncer e observaram que os animais sofreram evolução mais acelerada das células doentes, em comparação a roedores com a flora intestinal saudável. As descobertas, publicadas na revista especializada Cancer Research, podem ajudar na construção de estratégias de combate ao tumor mais eficazes que as atuais.
Um dos maiores desafios dos especialistas é prever se o câncer vai se espalhar para além das mamas, atingindo outras partes do corpo (metástase). Segundo os autores do estudo, esse fenômeno acontece precocemente por uma série de fatores. “Um deles é ter alto nível, no tecido, de células imunes chamadas macrófagos. Também há estudos que demonstraram que quantidades aumentadas de proteína colágeno no tecido levam ao aumento da metástase do câncer de mama”, explica Melanie R. Rutkowski, professora-assistente de microbiologia, imunologia e biologia do câncer da Universidade de Virgínia Câncer Center, nos Estados Unidos, e uma das autoras do estudo.
Na pesquisa, os cientistas tentaram esclarecer se mais um fator suspeito de aumentar as chances de metástase se confirmaria. “Há evidências de que as mulheres diagnosticadas com câncer de mama e que têm comorbidades associadas à disbiose comensal (desequilíbrio das bactérias do intestino), como obesidade e diabetes, apresentam risco aumentado de desenvolver metástase. No entanto, não se sabia se o microbioma intestinal influenciava diretamente a metástase do tumor de mama. Nosso estudo teve como objetivo testar diretamente o papel do microbioma e seus efeitos sobre o câncer de mama metastático”, detalha Rutkowski.
No experimento, os investigadores manipularam ratos para que tivessem câncer de mama. Durante algumas semanas, as cobaias receberam coquetel de antibióticos para que sua microbiota intestinal fosse alterada. Os cientistas notaram que a disbiose comensal provocada pelos remédios contribuiu para o crescimento e a maior propagação do tumor no corpo dos animais. “Alterar o microbioma resultou em inflamação de longo prazo no tecido e no ambiente do tumor”, frisa Melanie R. Rutkowski. “Essas descobertas sugerem que ter uma microbiota não saudável e as alterações que ocorrem no tecido relacionadas a um microbioma prejudicial à saúde podem ser preditores precoces de câncer de mama invasivo ou metastático”, indica.
GÂNGLIOS E PULMÕES
Segundo Ana Carolina Salles, oncologista clínica do Centro de Oncologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, o estudo tenta responder a uma pergunta que tem inquietado especialistas da área. “A microbiota influencia a capacidade do câncer de mama receptor hormonal positivo se disseminar para outros tecidos e órgãos?”, diz. “Ao fim do experimento, eles demonstram que aqueles animais que apresentavam disbiose tinham maior número de metástases ganglionares e pulmonares. Esse dado é muito interessante. Mostra, em estudo pré-clínico, um assunto que está sendo amplamente estudado e que relaciona a microbiota e o câncer.”
A especialista ressalta que as pesquisas têm demostrado a importância do equilíbrio da microbiota para a saúde humana, inclusive como fator protetor contra o desenvolvimento de tumores malignos. “No caso do câncer de mama, há inúmeros trabalhos em andamento que tentam responder a perguntas como: qual a diversidade da microbiota de pacientes que desenvolvem câncer de mama metastático? Essas alterações de diversidade ou a disbiose podem mudar as respostas aos tratamentos do câncer de mama?”, ilustra.
FUTURAS INTERVENÇÕES
Para a equipe de pesquisadores, os resultados poderão ajudar no desenvolvimento de terapias contra o câncer de mama, mas eles ressaltam que as investigações precisam ser aprofundadas. “Uma vez que entendemos como um microbioma desequilibrado influencia a metástase do câncer de mama, há certamente um potencial para desenvolver terapias que reduzam a probabilidade de desenvolvimento de doença metastática por meio da modulação de bactérias intestinais. No entanto, muito mais trabalho precisa ser feito para entender como o microbioma contribui para esse processo”, frisa Melanie R. Rutkowski.
Como próximo passo, os cientistas pretendem validar as descobertas do experimento com ratos em testes com humanos. “Em seguida, nosso objetivo é identificar os instigadores celulares ou moleculares da metástase do tumor e como eles estão relacionados à disbiose comensal. Finalmente, gostaríamos de determinar se essa relação está exclusivamente relacionada ao câncer de mama ou se a disbiose comensal afeta também a metástase de outros tumores”, adianta a autora.
Apesar de os resultados da pesquisa sinalizarem a possibilidade de manipulação da flora intestinal em pacientes com câncer de mama, evitando a metástase, cientistas e especialistas ressaltam que a mensagem-chave do estudo é a importância de manter o microbioma saudável. “Todos esses fatores que contribuem para a saúde, como dieta rica em fibras, exercícios e sono saudável, influenciam positivamente o microbioma. Se você fizer todas essas coisas, em teoria, vai ter uma microbiota saudável. E isso, acreditamos, está muito associado a um desfecho favorável a longo prazo para o câncer de mama”, afirma Melanie R. Rutkowski. “Hoje, é inequívoca a importância de manter o equilíbrio da microbiota. O próprio uso de antibióticos, como foi mostrado nesse trabalho pré-clínico, pode causar disbiose. Precisamos estar cada vez mais atentos a isso”, frisa a médica Ana Carolina Salles.