Estudo indica que ingestão de carne vermelha eleva risco de morte precoce

Pesquisa aponta que comer ao menos 3,5 porções do alimento por semana é associado ao perigo 9% maior de morrer nos próximos anos. Índice sobe para 13% no caso de embutidos

por Paloma Oliveto 20/06/2019 13:26
Charly Triballeau/AFP
Evidências científicas têm demonstrado que o consumo alto de carne vermelha tem relação com o surgimento de doenças cardiovasculares, diabetes 2 e alguns tipos de câncer (foto: Charly Triballeau/AFP)

O consumo de carne vermelha, especialmente a processada, foi associado a um aumento da mortalidade, segundo um estudo que acompanhou dados de mais de 81 mil pessoas ao longo de oito anos. O trabalho, da Faculdade de Saúde THChan de Harvard, foi publicado na edição mais recente da revista British Journal of Medicine e também revela que, durante o período, homens e mulheres que reduziram a quantidade do ingrediente na dieta, buscando alternativas mais saudáveis, tiveram taxas de mortalidade mais baixas.

Nos últimos anos, um robusto corpo de evidências científicas tem demonstrado que o consumo alto de carne vermelha tem relação com o surgimento de doenças cardiovasculares, diabetes 2 e alguns tipos de câncer - a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a incluir esse alimento na lista das substâncias carcinogênicas. Esse, porém, é o primeiro estudo longitudinal que examinou como mudanças na ingestão de carne vermelha ao longo do tempo podem influenciar o risco de morte prematura.

Para isso, os pesquisadores utilizaram dados de 53.553 mulheres que participaram do Estudo de Saúde das Enfermeiras e de 27.916 homens incluídos no Estudo de Acompanhamento de Profissionais de Saúde, ambos dos Estados Unidos. No início das investigações, os voluntários não tinham doença cardiovascular nem câncer. Os cientistas de Harvard analisaram se reduzir ou aumentar o consumo de carne vermelha entre 1986 e 1994 implicou mortalidade entre 1994 e 2002 e se mudanças nesse padrão alimentar foram associadas a óbitos de 2002 a 2010.

A cada quatro anos, os participantes completaram um questionário alimentar, onde eram perguntados sobre quantas vezes, em média, nos 12 meses anteriores, ingeriram uma porção-padrão de cada alimento da lista. As respostas variavam de “nunca ou menos de uma vez por mês” a “seis ou mais vezes por dia”. Os pesquisadores, então, dividiram os voluntários em cinco categorias, baseados nas mudanças de consumo da carne vermelha.

Durante o estudo, o número total de mortes por qualquer causa foi de 14.019 (8.426 mulheres e 5.593 homens). Doenças cardiovasculares, câncer, doenças respiratórias e neurodegenerativas foram, nessa ordem, as principais causas dos óbitos. Depois de ajustar os resultados para idade e outros fatores com potencial de influenciar a mortalidade, os cientistas constataram que o aumento da ingestão de carne vermelha (tanto processada quanto não processada) em 3,5 porções ou mais por semana foi associado, em oito anos, a 10% mais risco de morrer nos oito anos seguintes.

Elevar o consumo de alimentos processados, como salsichas, salames e bacon, foi associado a um risco 13% maior de morrer, enquanto o aumento de carne não processada resultou em 9% mais mortes. Os autores consideraram as associações consistentes independentemente de idade, nível de atividade física, qualidade da dieta, tabagismo e consumo de álcool.

SUBSTITUIÇÕES

Por sua vez, reduzir a ingestão de carne vermelha ao mesmo tempo em que se aumentou o consumo de grãos integrais, vegetais ou outras proteínas, como aves sem pele, ovos e peixe, teve relação com risco menor de morte tanto entre homens quanto em mulheres. “Por exemplo, trocar uma porção diária de carne vermelha por uma de peixe foi associado, oito anos depois, a 17% menos risco de morte nos oito anos subsequentes”, diz o principal autor, Frank Hu, professor de nutrição e epidemiologia da faculdade. A substituição também trouxe benefícios em curto (quatro anos) e longo (12 anos) prazos.

É importante notar que o estudo é observacional, ou seja, não estabelece uma relação de causa e efeito. Ainda assim, na opinião de Guilherme Renke, endocrinologista, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) e cardiologista da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), trata-se de um trabalho robusto e respeitável. “Ele não é suficiente para comprovar; no entanto, sugere essa forte associação entre consumo de carne e maior mortalidade. Como outros estudos são favoráveis à alimentação rica em vegetais, parece-me razoável a orientação de diminuição do consumo de carne como o aumento da ingestão de verduras”, diz.

Frank Hu destaca que a alimentação baseada em vegetais ou, ao menos, a adoção da dieta mediterrânea, que não inclui carne vermelha, pode impactar na redução da mortalidade. “Esse estudo de longo prazo fornece mais evidências de que reduzir a ingestão de carne vermelha pode diminuir o risco de morte prematura. Para melhorar tanto a saúde humana quanto a sustentabilidade ambiental, é importante adotar um estilo mediterrâneo ou outra dieta que enfatizem plantas alimentares saudáveis.” "Para melhorar tanto a saúde humana quanto a sustentabilidade ambiental, é importante adotar um estilo mediterrâneo ou outra dieta que enfatizem plantas alimentares saudáveis" . Frank Hu, principal autor do estudo

Duas perguntas para...

Guilherme Renke, endocrinologista membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) e cardiologista da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)

1) Quais as principais implicações do estudo?


É mais um estudo grande de uma série de publicações robustas que sugere maior mortalidade com consumo da carne. No entanto, deve-se dar maior atenção às carnes processadas, que não são in natura e recebem aditivos, conservantes e demais substâncias químicas. Já existem outras associações com consumo de processados, como obesidade e síndrome metabólica, ambas condições que também aumentam a mortalidade.

2) O senhor acredita que a tendência da alimentação baseada em vegetais se consolidará no Brasil?

Na realidade, já se consolidou em diversas capitais do país, especialmente no Sudeste, onde o número de adeptos do “reducionismo” (diminuição da ingestão de carne) cresceu muito nos últimos anos. Resta saber se em outras regiões, onde o consumo de carne é grande, haverá ou não esse movimento.