O envelhecimento acelerado do cérebro pode dar origem às características biológicas mais devastadoras do Alzheimer. Ao estudar esse fenômeno, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Van Andel (Vari), nos Estados Unidos, detectaram um mecanismo genético que pode levar à morte celular no cérebro. Segundo eles, o processo é um caminho estratégico para o desenvolvimento de tratamentos mais diretivos contra a doença neurodegenerativa. Detalhes do trabalho foram apresentados recentemente na revista Nature Communications.
Os cientistas focaram a investigação em estruturas chamadas intensificadores. São trechos específicos de DNA considerados peças-chave na compreensão do Alzheimer por aumentar ou diminuir a atividade de genes a partir da influência de fatores como envelhecimento e condições ambientais. Os genes contêm instruções para proteínas, responsáveis por realizar as funções biológicas do corpo. Dessa forma, se um intensificador desativa um gene, a proteína para a qual ele codifica não será produzida, gerando consequências.
A partir dessas informações prévias, a equipe americana descobriu que, no processo de envelhecimento normal do cérebro, há perda progressiva de importantes em intensificadores.
Labrie e os colegas observaram a atividade de intensificadores de células cerebrais em pessoas em diferentes estágios do Alzheimer e a compararam com a de células de indivíduos saudáveis. Além da perda progressiva e acelerada de importantes marcas epigenéticas em intensificadores, eles detectaram a superativação, em células cerebrais, de um conjunto de genes ligados à doença. Segundo eles, esse fenômeno estimula a formação de placas e emaranhados de proteínas no cérebro, como a beta-amiloide, e reativa o ciclo celular em células que já estão totalmente formadas.
“Nos adultos, as células cerebrais são tipicamente divididas. Quando os intensificadores reativam a divisão celular, isso é incrivelmente prejudicial”, pontua a autora.
IMPLICAÇÕES CLÍNICAS
Thaisa Mourão Vasconcelos de Mattos, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Franca (Unifran), destaca a importância do trabalho americano. “O estudo da genética e da epigenética é o caminho para a cura, pois poderíamos impedir o início da doença. Essas linhas de pesquisa nos trazem a esperança de um dia nos vermos livres das doenças degenerativas”, afirma.
A professora do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade de Brasília (UnB) Márcia Renata Mortari também ressalta o potencial clínico da pesquisa. “A partir desse estudo, podemos verificar a possibilidade de testes de novos remédios que possam atuar nesses intensificadores, modificando a progressão da doença.
A autora do estudo pondera que as alterações identificadas nos intensificadores dos neurônios ocorreram nos estágios iniciais da doença, antes que a patologia da doença atingisse a parte do cérebro examinada. “Isso sugere que essas mudanças podem ser importantes para iniciar os processos da doença, mas precisamos investigar isso ainda mais”, diz Viviene Labrie. A equipe planeja desenvolver novos sistemas experimentais para rastrear compostos que possam corrigir a desregulação em intensificadores e que tenham potencial como novos tratamentos ou medidas preventivas.
Sem mudança estrutural
São mudanças que influenciam a expressão genética sem mudar a sequência de DNA. Outra maneira de pensar em epigenética é como uma camada de controle que fica no topo do código genético.
Palavra de especialista
Márcia Renata Mortari, professora da UnB e pós-doutora em neurociências pela USP
Compostos em teste
“Uma alternativa para o tratamento do Alzheimer poderia ser inibir a ativação excessiva por via dos intensificadores, também chamados de enhancers. Isso trataria as patologias e, consequentemente, poderia minimizar os efeitos colaterais. Compostos que envolvem a regulação dos enhancers ou abordagens baseadas para bloquear a atividade intensificadora inapropriada estão no início do desenvolvimento, mas alguns já foram capazes de atravessar a barreira hematoencefálica, estrutura que protege o sistema nervoso central, de mamíferos. Além disso, terapias semelhantes mostram efeitos promissores em ensaios clínicos para hepatite C e HIV.”
* Estagiária sob a supervisão da editora Carmen Souza.