Saúde Plena

Menos pudor, mais poder

Falar sobre a saúde íntima da mulher ainda é tabu e gera constrangimento

Ana Lúcia Ribeiro Valadares, diretora da Sogimig - Foto: Leo Lara/Árvore
A saúde íntima da mulher merece atenção especial. Por mais que pareça improvável, infelizmente, ainda existe muito constrangimento para falar a respeito. No entanto, o conhecimento de cuidados básicos pode ajudar na manutenção do equilíbrio da região íntima e na prevenção de doenças infecciosas muitas vezes graves. Os cuidados necessários são associados à sexualidade, por muitas mulheres, e deixados de lado, no dia a dia. O que é um erro.


A médica ginecologista Ana Lúcia Ribeiro Valadares, professora da pós-graduação da Unicamp, membro da Comissão Nacional de Climatério da Febrasgo e diretora da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), avisa que entre os cuidados se destacam a limpeza da genitália externa na direção correta (frente para trás), após ir ao banheiro, com água pura ou com ácido láctico com lactoserum em sabonete líquido. Caso não seja possível, pode-se utilizar lenços umedecidos. Não é recomendado o uso de duchas vaginais nem de produtos perfumados, que podem levar a infecções e alergias.

Ana Lúcia alerta ainda que, em relação às peças íntimas, elas devem ser confeccionadas com tecidos arejados. É também ideal o uso de saias e vestidos. Já durante o período menstrual, a ginecologista recomenda ainda mais atenção: “Os cuidados com a higiene têm de ser mais frequentes. Os absorventes externos devem ser trocados de acordo com o fluxo menstrual da mulher e os internos devem ser deixados para academia, piscina ou praia. Outra questão importante é a dos piercings genitais, que podem levar a um maior risco de infecções”.

RESSECAMENTO

A mulher precisa dar atenção ao corpo em todas as fases da vida. Ana Lúcia explica que durante o climatério (peri e pós-menopausa), a queda dos estrogênios provoca a síndrome geniturinária da menopausa (SGM). É um conjunto de mudanças nos lábios maiores e menores, clitóris, vestíbulo/introito, vagina, uretra e bexiga. Afeta em torno de 50% a 81% das mulheres de meia-idade e mais velhas, dependendo da população estudada. “A secura vaginal, que aparece como consequência, leva à dor na relação (dispareunia), queimação e coceira, sangramento, além de infecção e incontinência urinária. A dispareunia pode levar à diminuição do desejo sexual tanto nas mulheres quanto nos seus parceiros e evasão da intimidade. Ao contrário das ondas de calor, muito prevalentes no climatério, que tendem a diminuir com o tempo de pós-menopausa, a SGM, se não tratada, pode progredir.”


No entanto, muitas mulheres sofrem silenciosamente com a dor na relação sexual por acreditar que é algo com que têm que conviver. “Assim, essa condição é usualmente “subdiagnosticada e subtratada” pelos ginecologistas. Além dos problemas sexuais, a secura vulvovaginal pode interferir nas tarefas diárias e exame ginecológico.”

Além da menopausa natural, existem outras situações, associadas com a diminuição da produção do hormônio estrogênio, que podem levar ao desenvolvimento de secura vaginal. Entre elas, Ana Lúcia destaca a menopausa cirúrgica (retirada dos dois ovários), lactação, exercício físico excessivo ou disfunção da alimentação e vários tratamentos de câncer que tornam os ovários inativos (radioterapia pélvica, quimioterapia, tratamentos medicamentosos para câncer de mama). “Para tratar a secura vaginal é importante ter em mente suas causas.”

 

Ana Lúcia explica que o uso do hormônio estrogênio tanto sistêmico quanto endovaginal restabelece a flora vaginal e melhora os sintomas de secura vaginal e queimação, bem como os sintomas urinários. “No entanto, deve-se respeitar as contraindicações. Entre os tratamentos não hormonais temos os lubrificantes e os hidratantes. Os lubrificantes levam a alívio momentâneo e devem ser usados durante a relação sexual. Os hidratantes têm efeito prolongado, retêm a umidade vaginal e diminuem a inflamação, devendo ser utilizados duas a três vezes por semana.”


LASER E CÂNCER
A médica enfatiza que a tecnologia a laser, recentemente, foi proposta como uma nova opção de tratamento mais duradoura para o alívio dos sintomas vulvovaginais. “Os protocolos existentes recomendam três sessões mensais de aplicação de laser endovaginal e com uma sessão de manutenção anual. O laser melhora o tecido interno do canal vaginal e vulva, aumenta a circulação local e estimula a produção de colágeno. No entanto, ainda existem lacunas sobre a duração dos efeitos terapêuticos e a segurança de aplicações repetidas que precisam ser mais bem estudados. Ainda não é coberto nem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nem pelas seguradoras de saúde.”

Ana Lúcia explica que, em mulheres com história de câncer de mama e SGM, a Sociedade Norte-Americana de Menopausa (NAMS) e a Sociedade Internacional de Estudo da Saúde Sexual Feminina (ISSWSH), publicaram um consenso e pode-se, preferencialmente, utilizar os hidratantes vaginais de longa duração e lubrificantes. Entendem que o laser fracionado é uma modalidade de tratamento em potencial para SGM nesse grupo de mulheres.”

A ginecologista alerta sobre o risco do chamado rejuvenescimento íntimo com o uso do laser: “É um termo mal definido, que foi motivo de críticas pelo FDA (Food and Drug Administration, agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos). Essa abordagem publicitária do laser deve ser desencorajada e a comunidade de ginecologistas deve impor a busca pela avaliação clínica crítica, pelo uso seguro, racional e apropriado dessa tecnologia. O laser vaginal não deve ser encarado como um procedimento cosmético banal”.


Buscar informação correta e segura é a única saída para ter a saúde íntima em dia. E o ginecologista é a fonte indicada. Ainda mais porque, em pleno século 21, esse assunto ainda é tabu ou tratado com pudor por muitas mulheres. Para Ana Lúcia, para vencer essa barreira, a saída é a educação para o público leigo: “Estratégias educacionais e marketing multimídia devem ser estimulados para aumentar a conscientização e a compreensão da saúde íntima, que deve ser tratada com destaque. As mulheres devem procurar seus ginecologistas para que eles as orientem em relação às prevenções e tratamentos”.

Sem censura

Até onde a censura e o pudor podem impedir de levar informação sobre saúde para todas as mulheres? A partir desse questionamento, a Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig) lança o movimento: “Menos Pudor, Mais Poder”. Após passar por uma série de censuras em suas redes sociais em postagens informativas que continham palavras como vagina, sexo e prazer, a entidade lidera o movimento para conscientizar sobre a importância de a mulher conhecer seu corpo e ir regularmente ao ginecologista. Por meio da campanha, a entidade pretende diminuir a estatística divulgada recentemente pela Federação Brasileira das associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), em parceria com o Datafolha. A pesquisa revelou que mais de 26 milhões de brasileiras estão com sua saúde ginecológica desassistida – 11% delas não vão ao médico por vergonha. De acordo com o levantamento, quatro milhões de mulheres acima dos 16 anos nunca foram ao ginecologista e 16,2 milhões não vão ao médico há mais de um ano. Para o presidente da Sogimig, Carlos Henrique Mascarenhas Silva, os dados servem de alerta. “Esses resultados são preocupantes, pois essa parcela da população que está desassistida corre o risco de ter um problema sem ao menos imaginar. É preciso divulgar a importância do ginecologista na vida das mulheres, que deveriam procurar atendimento desde a primeira menstruação.” E ainda destaca: “Informar a mulher sobre como cuidar da sua saúde, entender como seu corpo funciona e incentivar visitas regulares ao ginecologista não deve nunca ser considerado um insulto.” O movimento está disponibilizando as peças da campanha para serem baixadas na página www.menospudormaispoder.com.br.

Fique atenta
» Síndrome geniturinária da menopausa (SGM)
» Sintomas vulvovaginais
» Secura vaginal
» Irritação e queimação genital
» Dor na relação sexual (dispareunia)
» Diminuição da lubrificação na atividade sexual
» Prurido vulvovaginal (coceira na vulva e vagina)
» Desconforto e dor aguda genital
» Corrimento vaginal anormal
» Sangramento pós-coito (sangramento após a relação sexual)
» Sintomas urinários
» Urgência urinária
» Frequência urinária aumentada
» Disúria (dor ao urinar)