Um texto inusitado convida para evento agendado em BH, aberto ao público em geral e que teve todos os ingressos disponíveis esgotados. Apesar de causar certa estranheza, a iniciativa Vamos jantar e falar sobre a morte? faz parte de um movimento mundial, com mais de 100 mil edições já realizadas em 30 países. Na capital mineira, a anfitriã é a psicóloga Luciana Rocha, especialista em luto, suicídio e cuidados paliativos. “O objetivo do projeto, trazido para o Brasil pela plataforma inFINITO (saiba mais na página), é desmistificar a morte, um assunto tabu apesar de ser a única certeza que temos ao longo da existência”, justifica.
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O jantar, realizado em um restaurante italiano da cidade, segue os moldes tradicionais, com serviço de entrada, prato principal e sobremesa. Ao todo, 25 convites foram disponibilizados. Segundo Luciana, os participantes têm perfil variado. “Há profissionais da área de saúde e cuidados paliativos, além de pessoas que simplesmente se interessam pelo tema. A adesão foi imediata e muitos que ficaram de fora demonstraram interesse em participar em uma próxima oportunidade”, revela a psicóloga.
Bate-papo Luciana conheceu a iniciativa em São Paulo (SP), já participou de algumas edições, e acredita no potencial positivo do projeto. “Somos convictos de que, quando temos medo da morte e a negamos, só estamos criando um problema para a nossa existência. Assim, partimos da ideia de que quando aceitamos a finitude, falamos sobre anseios, medos, expectativas e desejos, passamos a viver melhor e a nos preparar para a nossa a morte e a partida de entes queridos com mais tranquilidade.”
O programa é conduzido pela anfitriã e não envolve a abordagem de crenças religiosas. “Trata-se de um bate-papo esclarecedor, em que abordamos aspectos referentes a um momento que faz parte da vida de todos nós. Na conversa, abrimos espaço para o diálogo e apresentamos caminhos possíveis para uma finitude digna, o que impacta na qualidade de vida, na jornada individual de cada sujeito.”
Expectativas Em experiências anteriores, a psicóloga afirma que os participantes, chamados por ela de sobreviventes, saem “mais vivos do que nunca” do jantar. E justifica: “Ao falarmos da morte, ressignificamos a vida. Negar a morte faz com que muitas vezes negligenciemos a nós mesmos, como se tivéssemos todo o tempo do mundo para fazer as coisas, adiando sonhos, perdendo de vista àquilo em que realmente acreditamos”.
A psicóloga acrescenta que a iniciativa tende a ajudar o participante a projetar um fim de vida com mais dignidade. “Ao falar da morte, de como gostaria de morrer, aonde, o que fazer diante de uma doença crônica, até onde pretende chegar, a pessoa se posiciona como responsável por sua morte, assim como o é em relação a vida.”
Por fim, Luciana afirma que dialogar sobre o tema, por si só, já representa uma quebra de tabu e abre espaço para novas posturas diante da vida. “Falar sobre a morte, e se conscientizar do fato de que ela vai ocorrer para todo mundo e que pode ser a qualquer hora, faz com que a gente demonstre mais nossos sentimentos, busque mais o que quer, seja mais autêntico. Proporciona uma qualidade de vida melhor e nos faz dar importância para o que realmente faz sentido.”
Conheça Tom Almeida, autor da plataforma que trouxe a iniciativa Vamos jantar e falar sobre a morte para o país
Como você conheceu a iniciativa de promover jantares que falam sobre a morte?
Por conta de algumas experiências pessoais com a morte, entendi que o tema era um grande tabu e não falar sobre isso só tornava esse momento ainda mais dificil. Assim, fundei o movimento inFINITO, que promove encontros e experiências para falar sobre a morte.
No meio desse processo, descobri que este é um movimento global, da boa morte, e fui me conectando com as iniciativas pelo mundo. Uma delas foi o Death Over Dinner – A Morte no Jantar. Entrei em contato e disse que gostaria de traduzir a plataforma para o português, e o Michael Hebb, o fundador do projeto, adorou a ideia, tanto que esteve no Brasil no ano passado para o lançamento da versão brasileira www.amortenojantar.com.br.
Quando realizou o primeiro jantar no Brasil? Como tem sido a adesão ao convite?
Foi no início de 2018. Desde então, todos os jantares que promovo têm reservas esgotadas.
Por que levar à mesa um tema tão pouco falado?
Porque a mesa é um espaço de comunhão, de conexão e que favorece o diálogo.
É mesmo possível desmistificar o tema morte?
Sim, é possível. Em diferentes culturas e religiões, pensar e meditar sobre a nossa própria finitude é um processo de autoconhecimento e de conexão humana. Entender que somos finitos nos faz valorizar a vida.
Em que medida a iniciativa é inspiradora?
A morte e o morrer é um dos assuntos de maior vanguarda no mundo hoje. Promovemos reflexões nunca feitas antes que nos remetem a pensar nas pessoas que amamos e nas relações que mais nos importam.
Qual é a repercussão entre os convivas?
É sempre muito positiva. Ao final de cada jantar tiramos uma foto do grupo para celebrar e todos saem com um grande sorriso no rosto. Ficam inspirados a repensar como estão vivendo e se existe algo que gostariam de mudar para que não se arrependam mais tarde.