Um texto inusitado convida para evento agendado em BH, aberto ao público em geral e que teve todos os ingressos disponíveis esgotados. Apesar de causar certa estranheza, a iniciativa Vamos jantar e falar sobre a morte? faz parte de um movimento mundial, com mais de 100 mil edições já realizadas em 30 países. Na capital mineira, a anfitriã é a psicóloga Luciana Rocha, especialista em luto, suicídio e cuidados paliativos. “O objetivo do projeto, trazido para o Brasil pela plataforma inFINITO (saiba mais na página), é desmistificar a morte, um assunto tabu apesar de ser a única certeza que temos ao longo da existência”, justifica.
Leia Mais
Entidade oferece apoio para quem viveu o drama do suicídioVariação do Pilates trabalha corpo e mente para promover saúde, beleza e qualidade de vidaLevantamento com 96 países indica que um terço deles não oferece qualidade de vida aos idososO jantar, realizado em um restaurante italiano da cidade, segue os moldes tradicionais, com serviço de entrada, prato principal e sobremesa. Ao todo, 25 convites foram disponibilizados. Segundo Luciana, os participantes têm perfil variado. “Há profissionais da área de saúde e cuidados paliativos, além de pessoas que simplesmente se interessam pelo tema. A adesão foi imediata e muitos que ficaram de fora demonstraram interesse em participar em uma próxima oportunidade”, revela a psicóloga.
Bate-papo Luciana conheceu a iniciativa em São Paulo (SP), já participou de algumas edições, e acredita no potencial positivo do projeto. “Somos convictos de que, quando temos medo da morte e a negamos, só estamos criando um problema para a nossa existência. Assim, partimos da ideia de que quando aceitamos a finitude, falamos sobre anseios, medos, expectativas e desejos, passamos a viver melhor e a nos preparar para a nossa a morte e a partida de entes queridos com mais tranquilidade.”
O programa é conduzido pela anfitriã e não envolve a abordagem de crenças religiosas. “Trata-se de um bate-papo esclarecedor, em que abordamos aspectos referentes a um momento que faz parte da vida de todos nós. Na conversa, abrimos espaço para o diálogo e apresentamos caminhos possíveis para uma finitude digna, o que impacta na qualidade de vida, na jornada individual de cada sujeito.”
Expectativas Em experiências anteriores, a psicóloga afirma que os participantes, chamados por ela de sobreviventes, saem “mais vivos do que nunca” do jantar. E justifica: “Ao falarmos da morte, ressignificamos a vida. Negar a morte faz com que muitas vezes negligenciemos a nós mesmos, como se tivéssemos todo o tempo do mundo para fazer as coisas, adiando sonhos, perdendo de vista àquilo em que realmente acreditamos”.
A psicóloga acrescenta que a iniciativa tende a ajudar o participante a projetar um fim de vida com mais dignidade. “Ao falar da morte, de como gostaria de morrer, aonde, o que fazer diante de uma doença crônica, até onde pretende chegar, a pessoa se posiciona como responsável por sua morte, assim como o é em relação a vida.”
Por fim, Luciana afirma que dialogar sobre o tema, por si só, já representa uma quebra de tabu e abre espaço para novas posturas diante da vida. “Falar sobre a morte, e se conscientizar do fato de que ela vai ocorrer para todo mundo e que pode ser a qualquer hora, faz com que a gente demonstre mais nossos sentimentos, busque mais o que quer, seja mais autêntico. Proporciona uma qualidade de vida melhor e nos faz dar importância para o que realmente faz sentido.”
Conheça Tom Almeida, autor da plataforma que trouxe a iniciativa Vamos jantar e falar sobre a morte para o país
Como você conheceu a iniciativa de promover jantares que falam sobre a morte?
Por conta de algumas experiências pessoais com a morte, entendi que o tema era um grande tabu e não falar sobre isso só tornava esse momento ainda mais dificil. Assim, fundei o movimento inFINITO, que promove encontros e experiências para falar sobre a morte.
No meio desse processo, descobri que este é um movimento global, da boa morte, e fui me conectando com as iniciativas pelo mundo. Uma delas foi o Death Over Dinner – A Morte no Jantar. Entrei em contato e disse que gostaria de traduzir a plataforma para o português, e o Michael Hebb, o fundador do projeto, adorou a ideia, tanto que esteve no Brasil no ano passado para o lançamento da versão brasileira www.amortenojantar.com.br.
Quando realizou o primeiro jantar no Brasil? Como tem sido a adesão ao convite?
Foi no início de 2018. Desde então, todos os jantares que promovo têm reservas esgotadas.
Por que levar à mesa um tema tão pouco falado?
Porque a mesa é um espaço de comunhão, de conexão e que favorece o diálogo.
É mesmo possível desmistificar o tema morte?
Sim, é possível. Em diferentes culturas e religiões, pensar e meditar sobre a nossa própria finitude é um processo de autoconhecimento e de conexão humana. Entender que somos finitos nos faz valorizar a vida.
Em que medida a iniciativa é inspiradora?
A morte e o morrer é um dos assuntos de maior vanguarda no mundo hoje. Promovemos reflexões nunca feitas antes que nos remetem a pensar nas pessoas que amamos e nas relações que mais nos importam.
Qual é a repercussão entre os convivas?
É sempre muito positiva. Ao final de cada jantar tiramos uma foto do grupo para celebrar e todos saem com um grande sorriso no rosto. Ficam inspirados a repensar como estão vivendo e se existe algo que gostariam de mudar para que não se arrependam mais tarde.
.