Telemedicina torna o acesso à saúde mais fácil e democrático

Da gravidez a doenças reumáticas, novas tecnologias aliadas à saúde facilitam acesso à assistência, mas contato pessoal com médico é fundamental e não pode ser dispensado

Estado de Minas 21/04/2019 12:23
Ilustração/EM/Quinho
(foto: Ilustração/EM/Quinho)

A tecnologia está no nosso dia a dia e em todas as partes: na forma como nos comunicamos, nos locomovemos e nos relacionamos uns com os outros. Com a saúde não poderia ser diferente. À parte todas as discussões sobre telemedicina, uma coisa é certa: com ela, o acesso à saúde torna-se mais fáciledemocrático.

Embora reconheça que essa junção é inevitável, e que a “tecnologia nos ajuda muito hoje”, o médico Drauzio Varella defende a humanidade da medicina. “Medicina é uma profissão que a gente faz com a mão. Eu acredito nisso firmemente. Sem tocar, sem auscultar, sem examinar, você vai fazer uma coisa que pode ser um cuidado de saúde, mas não chama medicina”, disse.

João Aidar, especialista em UTI pela Associação Médica Brasileira, diz não ter dúvidas de que a telemedicina veio para ficar. “O que se questiona é se o primeiro contato pode ser feito por telemedicina. Não. Você precisa de um médico”, afirmou. “Mas depois que você faz a consulta, tem essa interação médico-paciente, o retorno fica mais fácil se você, provavelmente, fotografar o exame e depois de enviar para omédico ele vai dizer o que precisa fazer.”

Essas declarações foram dadas no fim de fevereiro durante o evento de lançamento do projeto Acelera SAB, do Instituto SAB, que vai investir em aplicativos e startups na área da saúde. Na ocasião, Erik Cavalcanti, gestor na Vox Capital, destacou a importância da tecnologia para o acesso à saúde. “A tecnologia e as redes sociais permitem que alguém que esteja distante de um grande centro, que tem dificuldade de acesso a um profissional, tenha um mínimo de informação. Isso é superrelevante”, disse.

Esse lado positivo da tecnologia se justifica por uma realidade apontada por Aidar. “O Brasil, hoje, tem dois médicos para cada mil habitantes e a Organização Mundial da Saúde preconiza três. E as maiores queixas dos pacientes que procuram o Sistema Único de Saúde (SUS) são duas: falta de médico e dificuldade para marcar consulta com um especialista”, elencou.

Cavalcanti trabalha com inovação e empreendedorismo há 19 anos e jáparticipou do investimento e desenvolvimento de mais de 22 startups dos setores de saúde. Mesmo sendo dessa área, que prioriza o lucro, ele concorda que é preciso haver humanização e que a tecnologia em saúde precisa ter impacto social.

“Em saúde, o uso de tecnologia não pode ser replicado como em outras áreas, porque o serviço de saúde é principalmente humano. Do lado de investimento e inovação, fala-se muito em sistemas online. Em saúde, é importante que tenha o sistema 'O2O', online to offline. Se as soluções em tecnologia que existem na área de saúde não levarem em conta esse outro lado, talvez não seja sistêmico, não tenha a utilidade correta”, disse o gestor.

GESTAÇÃO ACOMPANHADA POR APLICATIVO


O evento em que se discutiu tecnologia em saúde contou com a presença de Gustavo Landsberg, médico de família e comunidade, fundador e CEO da startup Canguru. A plataforma destinada a gestantes conta com mais de 400 mil usuárias em todo o Brasil.

“Eu fico surpreso quando me deparo com esse número. A gente fez muito estudo para desenhar um aplicativo que atendesse às necessidades em um cenário obstétrico onde não faltam problemas. Estudamos bastante como poderíamos levar informação qualificada, ferramentas com que a gestante pudesse se empoderar e tomar as decisões sobre a própria saúde no diálogo com o profissional que cuida dela”, explica Landsberg sobre a criação do aplicativo.

A ferramenta traz informações como sintomas comuns em cada fase da gestação, o que fazer no pré-natal, como montar um plano de parto e o que fazer durante o trabalho de parto. Além disso, há um guia com diversas maternidades que indicam as taxas de cesáreas e partos normais realizados.

O CEO afirmou que as mulheres que usam o aplicativo são de todas as classes sociais, sendo que dois terços delas são atendidas pelo SUS. Ele contou que, por meio da plataforma, descobriu uma mulher que mora na divisa do Acre com o Peru e usa a ferramenta.

“Fiquei curioso e liguei para ela. Ela disse: 'esse aplicativo tira mais minhas dúvidas do que meu médico. Eu só soube que estava em trabalho de parto por causa do aplicativo. Eu olhei como era a contração, fui seguindo as recomendações'. Ela foi para a maternidade na hora certa e teve parto normal”, relatou Landsberg.

DOENÇA REUMÁTICA E AUTONOMIA

Embora as doenças reumáticas prejudiquem as articulações, médicos indicam a prática de exercícios físicos como parte do tratamento. Por serem crônicas, se manter em movimento é essencial justamente para preservar a mobilidade da pessoa e fazer uma reabilitação constante.

Pensando nisso, a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) lançou recentemente o aplicativo para celular Repare. A ferramenta traz mais de 20 vídeos com exercícios de fisioterapia e alongamento para que pessoas com espondiloartrites consigam se exercitar corretamente. Mais do que isso, a tecnologia traz independência.

“O aplicativo tem a intenção de fornecer mais autonomia aos pacientes, bem como informar, educar e melhorar a linguagem com eles. A ferramenta auxilia na questão não medicamentosa, com o estímulo e orientações sobre quais exercícios são mais indicados para os pacientes com dor nas costas e nas articulações”, explica o desenvolvedor do app, Marcelo Pinheiro, coordenador da Comissão de Espondiloartrites da SBR.

O aplicativo ajuda também no tratamento medicamentoso, uma vez que a pessoa pode marcar os horários dos remédios para receber um lembrete. Há possibilidade ainda de registrar os sintomas diários. “Isso ajuda muito na consulta, especialmente em pacientes que se esquecem, e ficamos com um documento mais objetivo. Assim, o médico pode ter uma noção mais próxima da verdade se o tratamento está ou não funcionando e quais os ajustes que devem ser feitos”, pontua o especialista.

Diferente de outras doenças reumáticas, como a artrite reumatoide, as espondiloartrites são um conjunto de doenças inflamatórias que afetam tendões, ligamentos (tendinites e bursites) e articulações e comprometem a coluna vertebral (dor nas costas). “Além disso, estão associadas com envolvimento da pele (psoríase), olho (olho vermelho: uveíte) e intestino (colite, diarreia crônica)”, explica Pinheiro.

Além dos exercícios físicos, o tratamento medicamentoso inclui uso de anti-inflamatórios não hormonais comuns e agentes que modulam a inflamação crônica. Caso o paciente não responda adequadamente, pode-se usar remédios imunobiológicos, que bloquearão de forma mais eficaz o processo inflamatório.