Modelo de habitação cohousing sênior cai no gosto de quem quer uma velhice independente e tranquila

O envelhecimento da população e as novas configurações familiares têm levado grupos a buscar novas formas de moradia pró-independência, sustentabilidade e qualidade de vida

por Laura Valente 11/02/2019 07:00

Sandra Lopes/Divulgação
Grupo de professores aposentados da Unicamp trabalham desde 2013 na implementação da Vila ConViver e esperam, até 2021, morar no cohousing (foto: Sandra Lopes/Divulgação )

Imagine um lar amigável para quem já chegou ou caminha para idade madura, em que o indivíduo é convidado diariamente a conviver com a comunidade, dividir tarefas, compartilhar a mesa e atividades lúdicas e prazerosas. Em que vizinhos se conhecem e se frequentam. Dividem muito e individualizam pouco. Em que o objetivo é favorecer a autonomia e o bem-estar.

Essa é a proposta do conceito cohousing sênior, que nada tem a ver com casas de repouso para a terceira idade ou hotéis especializados em receber esse público. O projeto consiste em um grupo que opta por abrir mão dos modelos de residência tradicionais para unir moradia individual a um espaço comunitário. Há, nesse ideal, pequenas habitações de uso particular (dormitório, minicozinha e banheiro) e uma área de uso comum com espaços de lazer, refeitório, salas de TV e lavanderias coletivas, por exemplo. Tudo em um mesmo terreno (uma gleba de terra) ou condomínio projetado para estimular o convívio, a sustentabilidade e a solidariedade.

Já sucesso de público e crítica na Dinamarca, EUA e Espanha, o conceito, que não é restrito à comunidade sênior – o filósofo grego Epicuro falava dele e difundiu seus propósitos três séculos antes de Cristo –, vem, aos poucos, chegando ao Brasil.

Por aqui, o modelo de iniciativa privada mais adiantado é o realizado por grupo de professores aposentados da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que, desde 2013, trabalham na implementação da Vila ConViver. Diretrizes jurídicas e códigos de ética já foram desenvolvidos e aprovados pelo conjunto, que conta com 54 pessoas. Até 2021, participantes, como o professor aposentado Bento Carvalho Júnior, esperam estar morando no cohousing. Já em João Pessoa e em mais cinco municípios da Paraíba, o governo estadual implantou o Cidade Madura, projeto de habitações populares (Minha casa, minha vida) adaptadas e com serviços voltados exclusivamente para a comunidade idosa local.

CONEXÕES

Ramon Lisboa/EM/D.A Press
Projeto idealizado pela terapeuta Gislaine D'Assumpção, o Aldeia da Sabedoria terá espaço em Ravena, distrito de Sabará, na RMBH (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

Em Minas, projetos cohousing também vêm extrapolando o plano das ideias. Em BH, exemplo é o Conexão Gaia. O grupo aberto, que atualmente conta com oito mulheres, é interessado em ampliar a convivência entre si e planeja ideais para a implantação da moradia, que celebrará a coletividade e resgatará preceitos das antigas comunidades, como um contato mais próximo e genuíno com a terra. A mãe natureza também é berço para a implantação do Aldeia da Sabedoria, projeto idealizado pela terapeuta Gislaine D'Assumpção, que prevê a construção de residências num espaço localizado em Ravena, distrito de Sabará, na Região Metropolitana de BH.

Segundo especialistas, o modelo cohousing sênior é um reflexo do que vem ocorrendo em todo o planeta: aumento da expectativa de vida da população e, com isso, o surgimento de uma comunidade madura cada vez maior, autônoma, ativa e carente de soluções para anseios e demandas.

Hábitos antigos mesclam ideais contemporâneos
Especialistas apontam que viver em um cohousing favorece a qualidade de vida dos idosos. Porém, exige novo comportamento, focado no desapego e em processos de cooperação

“É missão da Vila ConViver ser uma comunidade sênior solidária, que favoreça o envelhecimento saudável de todos os seus moradores por meio do apoio mútuo, da cooperação, do incentivo à autonomia, do respeito à individualidade de cada associado e da interação com a sociedade em geral”, detalha Bento da Costa Carvalho Júnior, de 72 anos. Engenheiro de alimentos, professor doutor aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele integra a Associação dos Moradores da Cohousing Sênior Vila ConViver e atua na vice-presidência da entidade.

Idealizado por grupo de docentes da Unicamp, a partir das pesquisas de um Grupo de Trabalho (GT) que investigou a temática moradia para idosos, o projeto Vila ConViver está com desempenho avançado. A previsão dos 54 integrantes é que a mudança para o espaço seja realizada a partir de 2021. Ao descrever o hábitat idealizado para viver a última etapa da existência, o professor aposentado é só entusiasmo. “Estudamos várias opções de residência para idosos com problemas - limitação/restrições - de autonomia e independência existentes no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. Esse trabalho nos levou à descoberta de um tipo de comunidade residencial intencional criado na Dinamarca, na década de 1990, em que os moradores iam menos aos médicos, tomavam menos remédios e viviam mais que o restante da população. O grande diferencial desse tipo de comunidade residencial era a parte social, por meio da criação intencional do espírito de comunidade, de apoio mútuo e cooperação entre os seus moradores”, explica.

No projeto da Vila, os arquitetos preveem que a casa comum chegue a ter até 600 metros quadrados (m²) de área construída (com suítes para hospedar familiares dos moradores) e as residências individuais, de 80m² a 100m². “Outras dependências comuns podem incluir pista de caminhada, núcleos distribuídos com mesa e bancos, horta etc. O estacionamento de veículos é comum, logo na entrada do terreno. A arquitetura física de uma cohousing privilegia a interação social”, reforça o professor.

MOTIVAÇÃO

Ramon Lisboa/EM/D.A Press
Ana Beatriz e Cícera Maia se uniram para divulgar o Conexão Gaia, local em que pretendem viver já a partir de 2022 (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)
A ideia é tentadora até para quem ainda é jovem, caso de Ana Beatriz de Oliveira, relações-públicas, de 49. A princípio, ela chegou aos grupos Cohousing BH e Conexão Gaia, ambos idealizados por Cícera Vanessa Maia, de 58, funcionária pública federal aposentada, pensando em poupar a única filha da preocupação com cuidados que demandaria na velhice. Mas logo se apaixonou pelo projeto e pelas ideias propostas no novo modelo. “Pela minha própria experiência de vida, percebo que as pessoas, mesmo familiares, não têm a ideia de repartir, compartilhar. E foi justamente tal premissa que me fisgou logo que conheci o modelo”, conta.

Hoje, ela e Cícera se tornaram amigas e vêm espalhando por aí a ideia do cohousing em que pretendem estar morando já a partir de 2022. “Nosso grupo ainda está em formação. Nessa caminhada de um ano, estabelecemos cuidar das relações e da convivência em um primeiro momento. Isso porque nosso grupo é aberto e eclético. Nosso foco, então, é conhecer essas pessoas, construir uma identificação, criar laços de convivência. Quando sentirmos que esse primeiro passo está consolidado, partiremos para o combinado.” Ou seja, os trâmites práticos, burocráticos e legais para a realização do cohousing.

Cícera informa que o propósito de residir em uma cohousing é mais amplo e imbuído de conceitos e paradigmas, como solidariedade e sustentabilidade. Além, é claro, da cultura do compartilhar. “Já no contato inicial, procuramos desconstruir a ideia do ‘quanto custa’ viver numa cohousing. Digo que é preciso, antes, saber se quero morar tão próximo a outras pessoas, aderir à coletividade. Sim, claro que existe um investimento financeiro e, geralmente, quem vive em um cohousing até se dispõe do imóvel tradicional para aderir ao projeto, mas não deve ser esse o tópico principal em uma primeira análise. Antes, há de se pensar nas relações.”

MUDANÇAS EM CURSO

Em coro, Cícera e Beatriz lembram que há uma nova configuração familiar e social em curso, inclusive dos pontos de vista antropológico e gerontológico. “Hoje, uma pessoa com 70 anos ainda é broto, por mais que a saúde não seja a mesma dos 30”, destacam. Cícera reforça: “Há, em cena, a necessidade de adaptação, uma mudança de cultura. Então, estamos pensando em novos espaços, em que haja atenção às demandas, à segurança e à qualidade de vida dos idosos”. E lembram que o processo exige mudanças, inclusive de paradigma, de comportamento. “A ideia de compartilhar ainda causa impacto muito forte aqui. Isso porque, no Brasil, ficamos amarrados à ideia de condomínio. Esquecemos de hábitos, como cumprimentar o vizinho, compartilhar um bolo. E nem todo mundo já despertou ou está disposto a praticar o desapego, a fugir do individualismo. É um desafio.”

CONHEÇA O MODELO COHOUSING:

- Saettedammen: 1ª cohousing multigeracional, implantada em 1972, em Ny Hammersholt, na Dinamarca. https://www.xn—sttedammen-d6a.dk/)

- Trabensol Cooperativa: cohousing sênior localizada em Torremocha de Jarama, na Espanha, inaugurada em 2013. https://trabensol.org/)

- Pioneer Valley Cohousing: comunidade multigeracional que opera utilizando a sociocracia. Essa cohousing foi implantada em 1994, em Amherst-MA, Estados Unidos https://www.cohousing.com/welcome)

- Oakcreek Community: cohousing sênior, concluída em 2013, implantada em Sillwater-OK, Estados Unidos. https://www.oakcreekstillwater.com/)

PROJETOS NO BRASIL:

- CohousingBrasil Co-Lares:https://www.facebook.com/ cohousingBrasil/ti?=as

- A arquiteta Lilian Lubochinski é entusistas da ideia: https//www.facebook.com/ lilian.lubochinski

- Cohousing Minas Gerais:https://www.facebook.com/groups/cohousingminasgerais/ref?=share

- Conexão Gaia:https://www.facebook.com/ cohousingbhconexaogaia/

- O arquiteto Edgar Werblowsky articula o movimento cohousing no Brasil:https://facebook.com/profile. phpid?=595587006

Arquivo Pessoal
(foto: Arquivo Pessoal )
Cinco perguntas para...

Guilherme Hosken Veiga, psicólogo, com especialização em neuropsicologia e reabilitação cognitiva, mestrando em neurociência e parceiro do Espaço Master, memória e vitalidade

1) Vocês trabalham com uma academia do cérebro. Em que medida o envelhecimento prejudica a capacidade cognitiva e a autonomia?

Com o envelhecimento, é natural que a perda e a menor produção de neurônios sejam intensificados. Consequentemente, isso prejudica o funcionamento cerebral. Outro fator que influencia o declínio cognitivo na terceira idade é o fato de que, com o passar do tempo, as pessoas tendem a realizar as mesmas atividades no seu dia a dia e, dessa forma, deixam de surpreender seu cérebro e de desenvolver diversas cadeias neurais. Podemos imaginar que nossas funções cognitivas, tais como memória, atenção e linguagem etc., são como bolhas de sabão. Quanto mais estimuladas, maiores elas ficam e por mais tempo tendem a permanecer cheias e saudáveis. Ao contrário, quando não estimuladas, elas ficam fracas e murcham.

2) Há contraindicação para que pessoas de idade avançada possam morar sozinhas e/ou manter as atividades cotidianas? Por favor, justifique a resposta.

Quando pensamos em autonomia na terceira idade, é importante analisar como o idoso realiza suas atividades da vida diária. Tanto atividades básicas, como higiene pessoal e alimentação, quanto instrumentais, como fazer compras, cozinhar, se manter atualizado com o mundo. Quando o idoso demonstra dependências nessas atividades da vida diária (Avds), sua independência está comprometida.

3) Aliás, o fato de manter a autonomia de moradia, em atividades e em relação à independência para com filhos e parentes, tem influência na saúde mental e física do indivíduo maduro?

Os idosos que conseguem se manter independentes de seus filhos são aqueles que têm grande vitalidade. Hoje, podemos pensar que manter-se independente e capaz de realizar atividades prazerosas é o objetivo da maioria da população que está envelhecendo, e a busca por esse objetivo influencia de forma muito positiva a saúde do idoso.

4) Como os filhos e outros parentes devem agir diante do desejo do idoso de manter a independência depois dos 70, 80 e até mais de 90 anos?

Acredito que as famílias, junto com os idosos, devem procurar profissionais que possam analisar os fatores que influenciam a independência. Dessa forma, tanto os familiares quanto o idoso passam a entender quais serão os desafios do processo.

5) A independência sênior é uma possibilidade real ou ainda uma utopia? Por favor, justifique a resposta.

É uma possibilidade real. Hoje, temos inúmeros casos de idosos que vivem sozinhos. Mas, para isso, além de saúde, eles precisam estar estruturados para que tudo ocorra com segurança.

Uma nova cultura de serviços e de mercado
Com o aumento da comunidade de idosos em todo o mundo, surgem iniciativas nos âmbito público e privado voltadas à demanda da população com mais de 60 anos


Leonardo Cechin/Divulgação
"Gosto de dizer que, em breve, o Dia dos Avós será mais importante para o comércio do que o Dia das Crianças"- Martin Henkel, publicitário, fundador da SeniorLab Mercado & Consumo 60 e palestrante sobre marketing e negócios desenvolvidos para o público maduro (foto: Leonardo Cechin/Divulgação )

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de Minas Gerais chegou a 21,2 milhões de habitantes em 2018. “Nesses números, fizemos uma descoberta curiosa: do total, 16% da população está com 60 anos ou mais, contra 13% de até 9 anos. Logo, a decisão de investir em um negócio para crianças ou um voltado para adultos de 60+ já tem amparo em fatos demográficos. A mudança do perfil etário já começou em Minas”, ressalta Martin Henkel, publicitário, fundador da SeniorLab Mercado & Consumo 60 e palestrante sobre marketing e negócios desenvolvidos para o público maduro. “Gosto de dizer que, em breve, o Dia dos Avós será mais importante para o comércio do que o Dia das Crianças.”

De fato, frente à revolução tecnológica, aos avanços da medicina e a uma preocupação cada vez maior com conceitos como qualidade de vida, a faixa etária da população mundial e brasileira cresce a passos largos. Não é exagero dizer que a geração mais jovem chegue aos 100 anos ou mais. Ganhamos longevidade, mas estamos preparados para responder a demandas e anseios dessa parcela cada vez mais significativa da população?

OS NOVOS IDOSOS

Henkel afirma que, nos últimos 5 anos, o perfil de serviços especializados para a terceira idade cresceu muito e extrapolou as questões assistenciais e de saúde. O especialista cita como exemplo a oferta de cursos de tecnologia, saúde preventiva (academias), continuidade de ensino (universidades para terceira idade), turismo e outros.

Também o jornalista Jorge Félix, professor e pesquisador especializado em envelhecimento populacional, informa que vários países vêm adotando estratégias no sentido de ampliar o olhar sobre a população longeva, deixando de pensar apenas do ponto de vista assistencial e de despesas (exemplo é a crise pela qual passa a securidade social brasileira) para adotar alternativas que visem ao desempenho econômico e de negócios movimentados por essa comunidade. “Penso em três palavras-chave nesse sentido: solidariedade (novas formas de residência, convívio com amigos e vizinhos, manutenção da autonomia dos idosos); ecologia (exemplo é a divisão de despesas com água e energia elétrica); e, por fim, tecnologia (área que pode determinar o bem-estar das pessoas que viverão sozinhas e que precisarão de autonomia para se comunicar, ser monitoradas, solicitar serviços e comprar produtos). Lembrando que a área de cuidados não está inclusa nos sistemas de securidade social”, reforça.

INICIATIVAS


No contexto, especialistas apontam que o olhar e a preocupação com os anseios e desejos dessa parcela da população não podem e nem devem ficar restritos ao poder público. É de todos. “Até porque, no Brasil, apenas 1% da população de idosos está institucionalizada ou sob a tutela do poder público, enquanto 99% ainda vivem com as famílias. Mesmo em estados com a cultura familiar forte em torno da pessoa idosa, precisamos lembrar que a configuração da família está mudando frente a dados como a entrada da mulher no mercado de trabalho, o deslocamento de mão de obra para os grandes centros e a diminuição do número de filhos. É preciso pensar em alternativas a partir de já”, sentencia o pesquisador Jorge Félix.

Leonardo Rodrigues/Editora Leya/Divulgação
Para o jornalista e pesquisador especializado em envelhecimento populacional Jorge Félix, é preciso pensar alternativas desde já, no sentido de ampliar o olhar sobre a população longeva (foto: Leonardo Rodrigues/Editora Leya/Divulgação )

“Nos Estados Unidos, quando o individuo completa 60 anos já sabe onde vai morar quando chegar aos 75. Já comprou sua cota, garantiu sua reserva ou adquiriu uma casa preparada e com serviços que lhe garantirão independência por muitos anos. Aqui no Brasil, esse raciocínio ainda é pequeno, mas mostra grande potencial de crescimento. Seja onde for morar, na própria casa, com as devidas adaptações para trazer segurança, ou em um apartamento ou casa planejados na planta para residentes independentes, o aging in place (envelhecer no lugar) exige planejamento e estrutura”, defende o publicitário Martin Henkel.

PROJETO ANTIGO

Em Ravena, distrito de Sabará, localizado a 26 quilômetros de BH, a psicóloga e terapeuta Gislaine D’Assumpção, fundadora e presidente do Instituto Despertar da Consciência, projetou, há anos, o Aldeia da Sabedoria. Idealizado para funcionar como um cohousing sênior, ela aguarda a chegada de interessados para tirar o projeto do papel. “O terreno já existe, uma área de 38 mil metros quadrados, vizinha à sede do Instituto e que será ‘adotada’ por ela, ou seja, os futuros moradores terão acesso aos serviços prestados lá.”

Ela conta que ideias parecidas já são realidade no distrito, onde ajudou a fundar duas ecovilas (Vale das Borboletas e Xangrilá), comunidades que vivem em harmonia com a natureza. No caso da Aldeia, a gleba de terra seria comercializada. “Imagino uma comunidade em que o idoso seja valorizado, viva em casas individuais e possa desfrutar de áreas, comuns como refeitório e lavanderia, por exemplo.” E vai além: “O instituto realiza diversos trabalhos sociais, inclusive com crianças e mulheres carentes da região, e seria maravilhoso incluir os idosos nessas atividades construtivas e que favorecem a qualidade de vida. Já imaginou?”, anseia.

O mercado 60

» A renda total da população 60 em 2018 foi de R$ 861 bilhões

» Os 60 respondem por 21% do consumo de bens e serviços nas famílias brasileiras

» 22% dos clientes da principal operadora de turismo do país são 60

» 21% dos lares brasileiros têm como única ou principal fonte de renda um sênior

» O Brasil já tem 8,1 milhões de pessoas 60 com perfil ativo no Facebook. Isso equivale a 27% da população sênior no país.

» Minas Gerais tem 760 mil pessoas 60 no Facebook, o que equivale a 23% da população sênior no estado

Fonte: SeniorLab Mercado & Consumo 60

E se morássemos todos no mesmo condomínio?
Iniciativa do governo estadual da Paraíba, o Cidade Madura - conjunto de moradias populares para idosos - já contempla seis municípios e cumpre importante papel social

Carlos Marcelo e Laura Valente

Carlos Marcelo/Em/D.A Press
Francisca, Ana Verônica, Valdinete e Edna do Carmo Silva no primeiro condomínio Cidade Madura, inaugurado em 2014, em João Pessoa: autonomia e tranquilidade (foto: Carlos Marcelo/Em/D.A Press )

Em pouco mais de quatro anos, centenas de idosos já residem em casas que integram o Cidade Madura, projeto construído na capital, João Pessoa, e nos municípios paraibanos de Campina Grande, Cajazeiras, Sousa, Guarabira e Patos. O residencial representa uma ajuda e tanto para as famílias carentes preocupadas com os seus parentes mais velhos.

Isso porque os condomínios, semelhantes aos do programa Minha casa, minha vida, oferecem residenciais exclusivos a parcela da população com mais de 60 anos, que não tem condição de arcar com custos comuns a essa fase da vida e, muitas vezes, não pode contar com o auxílio ou morar na casa de parentes. Projetada não só para abrigar residências, mas também para estimular a autonomia e a independência do idoso – sempre convidado a se socializar e a compartilhar experiências –, a iniciativa vem colhendo frutos em relação à melhora da qualidade de vida da comunidade. “Ver o sorriso no rosto do idoso morador do Cidade Madura é sinal claro de que o projeto deu certo, funciona, faz diferença”, registra Francisco Fabrício Firmino de Oliveira, psicólogo especialista em gestão com pessoas e psicologia organizacional e em gerontologia, mestre em ciências da saúde e vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos do Idoso (CMDI) de João Pessoa, gestão 2019/2020.

Ver galeria . 6 Fotos Conjunto habitacional inaugurado em 2014 em João Pessoa é voltado para pessoas acima de 60 anos que querem uma vida independente e tranquilaCarlos Marcelo/EM/D.A Press
Conjunto habitacional inaugurado em 2014 em João Pessoa é voltado para pessoas acima de 60 anos que querem uma vida independente e tranquila (foto: Carlos Marcelo/EM/D.A Press )

O profissional, que presta serviço voluntário no Cidade Madura da capital paraibana, é constantemente convidado para dar palestras sobre o projeto e sobre a influência que a iniciativa promove na qualidade de vida da população assistida. “É notório o quanto o projeto está beneficiando as comunidades de idosos. Saber que o idoso reside em seu espaço e tem acesso a serviços de convivência e assistência tira o peso da família de cuidar, de se preocupar. É uma forma de segurança e de acolhimento, que deixa filhos e netos felizes por saberem que ali dentro o idoso está protegido”, contextualiza. E acrescenta: “As conquistas são inúmeras. Havia pessoas em depressão, que não conversavam muito, se sentiam isoladas, e, hoje, frequentam vizinhos, passeiam, participam das oficinas que ministro e de outras atividades levadas para o espaço”.

MORADIAS INDIVIDUAIS


Vale ressaltar duas questões. A primeira é que o governo não transfere os imóveis para o idoso ou casal de idosos residente. Se há necessidade de o morador sair de lá por motivo de saúde ou de óbito, a casa é reocupada, de acordo com critérios estabelecidos e a fila de espera. A outra é que o Cidade Madura não é um asilo. Há, sim, a oferta de serviços assistenciais no local, mas o residente é responsável por cuidar de si mesmo e estimulado a manter-se como indivíduo ativo, autônomo. “O morador tem total liberdade de entrar e sair, de receber visitas de amigos, filhos, netos. Frequentar a praça, os espaços de convivência, o posto de saúde... aliás, essa liberdade e segurança de ir e vir interfere demais na vida de cada morador. A possibilidade de conversar com os outros, caminhar, plantar (temos uma horta comunitária) e empreender demais atividades interfere muito na longevidade dele, com expectativa real de que viva mais e fique mais aberto a cuidar de si.”

JOÃO PESSOA

Carlos Marcelo/Em/D.A Press
Uma das mais recentes unidades do Cidade Madura fica em Guarabira, no brejo paraibano: melhora da qualidade de vida da comunidade (foto: Carlos Marcelo/Em/D.A Press )

O Estado de Minas esteve no Cidade Madura da capital paraibana, o primeiro a ser fundado, em 2014. Os padrões da casa se repetem: são 40 unidades por condomínio, com 50m² cada residência. Os imóveis são equipados com interfone e chuveiro, e cada idoso decora como lhe convém. Os residentes pagam R$ 50 por mês, valor referente à taxa de manutenção das áreas externas.

Cada comunidade conta com um núcleo de saúde que dá suporte de prevenção e realiza o acompanhamento de pacientes, com visitas periódicas nas casas, em que há medição de pressão e da taxa de glicemia. Médicos do PSF visitam a comunidade uma vez a cada 15 dias, com o propósito de renovação de receitas e requisição de exames. Também um fisioterapeuta visita a comunidade e o serviço social atende dois cadeirantes residentes. Uma vez por semana, o psicólogo voluntário propõe atividades coletivas que objetivam a estimulação cognitiva e motora dos residentes, além da socialização. “Fazemos com que o espaço seja amigável e relacional, facilitando o convívio e a criação de laços entre os grupos”, explica Oliveira.

Diariamente, um educador físico ministra atividades, bem cedinho, às 6h. Os moradores também contam com segurança 24h, feita por ronda da Polícia Militar (PM). Lá, nunca houve ocorrência de furtos ou invasões.

A assistente social Magda Danielle Lucindo, coordenadora estadual do programa pela Secretaria de Estado e Desenvolvimento Humano, lembra que os moradores são autônomos. “Não tutelamos os idosos. O condomínio é um espaço deles. A vida segue normal, como se fosse um condomínio privado.”

INSCRIÇÃO

A coordenadora explica os critérios de seleção para novos residentes. “Na seleção, são feitas inscrições prévias e visitas domiciliares. O idoso não pode precisar de cuidador. Geralmente, realizamos em média 170 visitas em três dias. Para muitos deles, é uma libertação sair de casa.” Ao contrário do que se imagina, a rotatividade de moradores é grande. “Muitas vezes, filhos dos idosos que moram em outros estados acabam assumindo os cuidados.”

Entre outros motivos de queixas ou baixas, ela cita a perda da autonomia ou dificuldade inicial de adaptação por “resistência em ficar longe dos familiares, um dissabor comum para quem vivia com a casa sempre cheia”. Na turma, registra, há pessoas mais ativas e as mais ociosas, assim como em qualquer ambiente social. No entanto, o idoso é convidado o tempo todo a manter a autonomia. Um exemplo de atenção à realidade que já está aí.

Personagens da notícia

Selma Polari, 79 anos, moradora


Carlos Marcelo/Em/D.A Press
(foto: Carlos Marcelo/Em/D.A Press )
Uma das mais antigas moradoras do Cidade Madura, Selma tem 79 anos. “Tenho minha idade, mas não sou irritada e nem nervosa. Sou calma”, diz. Ela conta que morava de aluguel, pois, quando ficou viúva vendeu a casa própria. Hoje, deseja fazer modificações no imóvel do condomínio, o que não é autorizado pelo programa. Reclama da falta de garagem e do chuveiro elétrico que precisou instalar. Mas reconhece: “A casa é boa, é melhor do que muita casa aí”. Já o convívio, entende como ‘meio complicado’. E justifica: “Há muita gente nervosa. Por isso, fico no meu lugar, não fico indo em casa de vizinho”. A moradora também fala sobre a saúde de alguns vizinhos, “há muitos hipertensos e diabéticos”. Conta que ela mesmo cuida das demandas domésticas, “boto minha roupa na máquina, passo espanador, limpo tudinho. Não pago pra ninguém fazer”, e celebra a segurança realizada por sargentos reformados, dia e noite. “Pessoas ótimas.” Livre para ir e vir no condomínio, assim como os demais moradores, Selma circula de Uber e/ou de alternativo, que considera “melhor que ônibus: vou e volto”. Vaidosa, pede que a meia de compressão não fique visível na fotografia e segue em frente com a ajuda da fé – um adesivo traz a frase: “Deus cuida de mim” - e da medicina, como se percebe pelo conjunto de remédios postos em cima da mesa da sala.

Francisca de Souza Caju, 76 anos, moradora


“Morar no Cidade Madura foi uma das melhores coisas que ocorreram na minha vida”, comemora Francisca, de 76. Natural de Bonito de Santa Fé, município de Cajazeiras, a senhora afirma: “Tornei-me mais independente”. Entre os programas preferidos, a seresta. “Juntamos cinco ou seis, pegamos Uber e vamos”, conta. Também diz que adora cantar músicas de Ângela Maria, Nélson Gonçalves e Núbia Lafayette. E bate palmas quando o coral vai cantar lá.

Geisa Trigueiro de Lima, 77 anos, moradora

Carlos Marcelo/Em/D.A Press
(foto: Carlos Marcelo/Em/D.A Press )
Adepta da tranquilidade, Geisa, de 77, diz: “Toda vida morei só”. Elogia o Cidade Madura, com base na justificativa de que “gosto porque não tem criança perturbando, jogando bola”, e afirma que “as pessoas são amigas”. Para ela, o local é um paraíso. “Quando dá 20h30, 21h, tá todo mundo dormindo”, contextualiza. Entre as despesas com a habitação, paga “só condomínio e água”. Elogia a segurança e a paz do condomínio, que conta com policiais na portaria. Também elogia o serviço de saúde, com profissionais aptos a aplicar injeção e verificar a pressão. A vida social não é monótona. Ela mesma usa o salão de festas, que já sediou até um casamento mórmon e uma apresentação de coral gospel. Point divertido é a praça, onde os moradores se reúnem para conversar: “A gente ri tanto, que esquece o tempo. E tem um namoro novo entre dois moradores que vocês não estão sabendo”, confidencia, demonstrando empolgação com a novidade.