Cuarnavaca (México) - “Viagem de avião, ambiente fechado, ar-condicionado. Durante algum tempo, essas situações representaram para mim um verdadeiro sofrimento, com ardor, irritação e sensação de areia nos olhos, sem saber a causa dos incômodos. O desconforto somente terminou quando recebi o diagnóstico e iniciei o tratamento para o problema do qual sou portador: olho seco.” O mal-estar encarado pelo repórter é enfrentado por boa parcela da humanidade. A prevalência da doença gira em torno 10% a 20% da população mundial, podendo chegar a 33% entre os orientais.
No mundo, 337 milhões de indivíduos já foram diagnosticados com a síndrome do olho seco. As mulheres são potencialmente afetadas, com tendência de sofrer o incômodo na probabilidade de 10 vezes mais do que os homens. Elas também estão mais aptas a adquirir os sintomas a partir dos 50 anos de idade.
Os números da doença crônica, assim como as formas de tratamento, foram apresentados recentemente, durante o 1º Simpósio sobre a Síndrome do Olho Seco, realizado na cidade de Cuarnavaca, no México. Voltado para a mídia, o evento reuniu profissionais da Argentina, Colômbia, Brasil e do país anfitrião.
A enfermidade é uma das causas mais frequentes de consulta oftalmológica. “De cada quatro pacientes que vão ao oftalmologista, três apresentam problemas relacionados com o olho seco”, enfatizou Sashka Dunkerkey, diretor médico para a América Latina e Caribe da Alcon, divisão da empresa farmacêutica Novartis para a área de oftalmologia - fabricante de equipamentos e medicamentos, que promoveu o simpósio no México. Ele também lembrou que 80% das deficiências visuais podem ser evitadas, desde que os pacientes procurem o tratamento na hora certa.
A síndrome do olho seco é definida como doença multifatorial, que se manifesta com a diminuição da produção de lágrimas ou maior evaporação do filme lacrimal, resultando em instabilidade do mesmo, com desconforto, alteração da acuidade visual e potencial dano à superfície ocular.
Mudanças climáticas e ambientais, condicionador de ar e alguns medicamentos que influenciam na umidade ocular podem causar a síndrome. A doença também é provocada por doenças autoimunes e reumáticas, como o lúpus, e por alterações hormonais, que modificam a produção correta das lágrimas, formadas pelas glândulas lacrimais e glândulas localizadas nas pálpebras, não garantindo a adequada lubrificação da superfície da córnea e da conjuntiva. O desconforto pode ser causado ainda por outros fatores, como a permanência durante muito tempo na frente do smartphone, computador ou da TV, sem piscar.
Quando um paciente não tem diagnóstico e tratamento precoces, a doença pode se agravar e provocar danos e úlceras na córnea. Nesse caso, poderá resultar até na necessidade de transplante de córneas, se não for feito o tratamento adequado e dentro do tempo certo.
Diante disso, um dos aspectos que agravam o quadro do olho seco é que boa parte dos portadores não sabe que tem o problema ou demora a obter o diagnóstico correto. “Muitos pacientes sentem os sintomas sem saber que têm a doença. Muitos casos são mal diagnosticados. Com isso, as pessoas compram o colírio para outras finalidades e gastam dinheiro errado, sem fazer o tratamento adequado”, afirmou Sashka Dunkerkey.
Sintomas
O tratamento deve ser feito com colírios lubrificantes (lágrimas artificiais) apropriados. Mas em casos mais graves, pode existir até a necessidade de intervenção cirúrgica, para a desobstrução dos canais lacrimais.
Custos da doença
As perdas decorrentes da doença constam na pesquisa “O ônus econômico e humano da doença do olho seco na Europa, América do Norte e Ásia: uma revisão sistemática da literatura”.
Foi constatado um custo médio anual indireto da síndrome do olho seco para a sociedade americana de US$ 11,3 mil por paciente, devido à redução de produtividade. Levando-se em conta o número total de pacientes afetados, o custo indireto relacionado foi de US$ 55,4 bilhões por ano nos Estados Unidos. Concluído em 2015, o estudo foi baseado em dados levantados no ano de 2008.
Incidência é maior no Brasil
A síndrome do olho seco tem grande incidência em países tropicais, devido a questões climáticas. Dessa forma, o número de casos da doença é grande no Brasil, atingindo, sobretudo, regiões de clima seco, como é o caso do Norte de Minas. O oftalmologista Romero Goulart da Costa Melo, de Montes Claros, especialista em retina pela Fundação Hilton Rocha, disse que, embora não tenha feito levantamento epidemiológico, estima-se que o percentual do olho seco na região ultrapasse 50% da população.
“O Brasil como um todo sofre muito com a doença do olho seco, que afeta todas as regiões, especialmente do Norte de Minas para cima. Quanto mais seca a região, quanto menos chuvas e mais ventos, maior a prevalência da doença”, observa Romero Goulart.
O especialista lembra que, além da ardência, vermelhidão e sensação de corpo estranho, uma curiosidade é que o portador do olho seco também apresenta lacrimejamento excessivo, como se estivesse “chorando o tempo inteiro”.
Mas como a pessoa pode ter olho seco e, ao mesmo tempo, o aspecto de lacrimejamento em excesso? Romero Goulart explica que esse fenômeno decorre do fato de a lágrima ter vários componentes, como água, lipídios, gorduras e proteínas, necessários ao bom funcionamento da visão. “Quando a pessoa tem a síndrome do olho seco, o organismo aumenta a produção de lágrimas para lubrificar o olho. Só que não aumenta a produção de todos os componentes da lágrima. Ele consegue aumentar a produção somente da água. Então, a lágrima fica muito aquosa e, em vez de lubrificar, molha o olho e não provoca o efeito esperado”, esclarece.
O oftalmologista recomenda que as pessoas que apresentam o olho seco devem tomar cuidados básicos, como se proteger do sol, poeira e do vento com o uso de óculos escuros, e não andar de moto com a viseira do capacete aberta. Outra recomendação é para aquelas pessoas que trabalham com os olhos fixos na tela do computador, que devem realizar intervalos do serviço a cada uma hora.
CIRURGIA
Romero Goulart lembra que o portador da síndrome do olho seco, seja leve, moderada ou grave, se não fizer o tratamento adequado, tem mais chances de desenvolver outras doenças oculares, sobretudo, em relação à córnea.
“Devemos lembrar que a córnea não tem vasos, não tem veias nem artérias, não tem nutrientes que chegam por meio do sangue, como no resto do organismo. O único meio de a córnea receber oxigênio e nutrientes é por meio da lágrima. Se o paciente não lubrifica a córnea, ela vai ficar seca e desenvolver doenças. Inicialmente, aparecem ceratites – como se fossem ranhuras na córnea, que, em estado mais avançado, podem virar úlceras”, alerta o médico.
* O repórter viajou a convite da Alcon Farmacêutica .