Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descobriram que o medicamento sofosbuvir – prescrito para tratar a hepatite C crônica – consegue, em testes com células humanas, eliminar o vírus da chikungunya e da febre amarela. Segundo a equipe, a substância tem potencial para ser usada no combate às doenças em pouco tempo. Isso porque ela já é usada clinicamente, o que encurta algumas testagens científicas. A expectativa é de que o remédio consiga ajudar a evitar epidemias previstas para os próximos dois anos.
Detalhes sobre a ação do sofosbuvir foram divulgados no portal de estudos científicos F 1000 Research. Em entrevista à agência de notícias da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Rafaela Milan Bonotto, uma das autoras do estudo, conta que os resultados do experimento com células humanas infectadas pelo chikungunya são surpreendentes e animadores. “A droga mostrou-se 11 vezes mais efetiva contra o vírus do que contra as células”, compara. Estudo com análises relativas à febre amarela será divulgado brevemente.
Apesar dos resultados iniciais positivos, Rafaela Milan Bonotto adianta que mais pesquisas são necessárias para entender como se dá o efeito antiviral da substância. “Ainda não sabemos, com precisão, como a droga atua em termos moleculares. O que constatamos foi o resultado macroscópico: a eliminação do vírus e a preservação das células”, diz. No caso do tratamento da hepatite C, também causada por um vírus, o sofosbuvir inibe a proteína que sintetiza o genoma viral. “Pode ser que ocorra o mesmo com o chikungunya, mas o mecanismo de ação ainda precisa ser elucidado”, complementa a pesquisadora.
ECONOMIA Outra vantagem do uso do medicamento é a possibilidade de ganhar um novo recurso para combater o chikungunya sem a necessidade de grande investimento de tempo e financeiro. “O processo para a obtenção de um fármaco é extremamente demorado e caro. O tempo entre o início da pesquisa e a disponibilização do produto no mercado é de, em média, 12 anos. O custo é da ordem de US$ 1,5 bilhão ou mais”, detalha, também à agência Fapesp, Lucio Freitas-Junior, um dos autores do trabalho, professor da USP e orientador de Bonotto, que recebeu bolsa da Fapesp para conduzir o estudo durante o doutorado.
A estimativa do professor e de Rafaela Milan Bonotto é de que o remédio da hepatite C seja usado com nova aplicação em, no mínimo, 12 meses. “O sofosbuvir é uma droga que passou por todo o processo de aprovação para uso humano. Isso possibilita que ela possa vir a ser utilizada contra a chikungunya em um a três anos. O custo seria muito menor, estimado em cerca de US$ 500 mil”, explica Lucio Freitas-Junior.
Os cientistas creem que as descobertas resultem em novos estudos para o desenvolvimento de mais tratamentos. “Não há vacina desenvolvida e as ferramentas para diagnóstico ainda precisam ser otimizadas. O sofosbuvir é algo concreto que pode se tornar ferramenta poderosa para lutar contra esse vírus. Os resultados de nossa pesquisa possibilitam que as instituições eventualmente interessadas deem início aos ensaios clínicos”, ressalta o professor.
Para Lucio Freitas-Junior, a chikungunya, bastante semelhante à dengue, merece atenção especial devido às possíveis sequelas da infecção. Não são poucos os casos de pessoas que têm a doença e são acometidas por dores articulares debilitantes, com o risco de interferir nas atividades profissionais e até na locomoção.
O vírus da chikungunya tem o mosquito Aedes aegypti como vetor, assim como o da dengue e o da zika. Juntas, as doenças contabilizaram 269,4 mil casos suspeitos e 117 mortes de 1º de janeiro a 11 de agosto deste ano, segundo o Ministério da Saúde. A dengue responde por 75% dos casos. Em relação à chikungunya, foram 68,8 mil registros, sendo o Rio de Janeiro o estado com a maior incidência.