Muito além do que um passatempo ou profissão, crochetar conquista cada vez mais adeptos

Jovens, crianças, homens e mulheres que se rendem à paixão por esta arte manual

Bárbara Cabral/Esp. CB/D.A Press
A estudante Beatriz Bessa, de 15 anos, vê no crochê uma maneira de desestressar da grande carga de estudo (foto: Bárbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)

Aquele famoso provérbio popular de que quem tricota um ponto aumenta outro ponto pode servir como um adendo na nossa história. Talvez a citação não seja bem assim, mas basta uma linha e uma agulha para que vários pontos se transformem em paixão. Além de bordados, essas linhas tecem histórias. Vivências que ultrapassam as décadas e deixam de ser algo feito por nossas avós e conquistam jovens, crianças homens e mulheres. Mais do que um passatempo ou ofício, crochetar acalma, e é a fuga e realização de várias pessoas.

Tudo começou muito cedo. Maria Luiza Lima, mais conhecida como Marilu, tinha entre 8 e 10 anos quando começou a usar suas linhas e agulhas para ajudar a mãe. O trabalho manual se tornou um dos prazeres de sua vida e hoje deseja toda a gratidão do mundo à sua mãe por ter lhe passado o que sabia. “Há mais de 50 anos aprendi a mexer com as agulhas e a transformar lãs e linhas em grande arte.”

Além de um ofício, o tricô e o crochê trouxeram muita motivação para a artesã. Apesar da ajuda da mãe, Marilu ainda tinha muito o que aprender e foi em busca de novas formas de aprendizado. “Antes não tinha muita facilidade, era só por meio de revistas e era muito grande o desafio de decifrar todos os sinais e letras e tinha que fazer sozinha, pois não podia pagar uma professora de artes. Mas venci esse obstáculo. O tempo passou, hoje tudo está mudado e muito mais prático, temos tudo no computador e é uma facilidade enorme”, relembra.

MEDITAÇÃO

“Quando começo não quero parar. Dá vontade de crochetar tudo.” Quem ouve a frase de Beatriz Bessa nem imagina que a crocheteira tem apenas 15 anos. Beatriz não faz por obrigação ou por pressão da mãe, que trabalha com os fios, mas por amor. “É um passatempo, uma meditação”, resume.

Apesar da pouca idade, Beatriz pode ser considerada uma veterana das linhas. Ela começou a crochetar aos 8, na escola de pedagogia Waldorf, que tem tricô e crochê no currículo. Hoje, ela tem a prática das agulhas como o grande hobby.

Mas, como toda menina, Beatriz tem sonhos. A estudante do ensino médio pretende cursar cinema e, para tanto, os livros tomaram conta da sua rotina. Abrir mão do crochê? Jamais. Os fios funcionam como um escape. E, quando os livros saem de cena, as agulhas e linhas entram em ação, o que, para Beatriz, é um momento de descanso. “Sinto-me bem enquanto faço. É uma atividade que me distrai. Crochê é uma delícia.”

Resgate da arte
Pessoas que se apaixonaram pelo tricô e crochê contam como este trabalho manual impacta suas vidas e se tornou uma espécie de terapia e meditação. Artesã e youtuber ensinam técnicas

Jair Amaral/EM/D.A Press
A artesã Maria Luiza criou oficinas para ensinar crochê para que esta arte não seja esquecida (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Em um momento de sua vida, a artesã Maria Luiza Lima, a Marilu, descobriu que a sua paixão pelas linhas não deveria ser algo exclusivo seu. “É tudo, respiro isso 24 horas por dia e é uma felicidade enorme. Então, decidi que deveria passar essa arte pra frente. São coisas maravilhosas e não devem ser esquecidas”, diz.

Sem pensar duas vezes, a artesã decidiu oferecer oficinas e aulas para ensinar a paixão de sua vida para outras pessoas. Quem tricota um ponto, aumenta outro ponto e assim fez. “Atendo pessoas mais vividas, que não tiveram a oportunidade de aprender quando eram mais novas e o interesse é muito grande. É um momento maravilhoso, você passa o que sabe e aprende muitas coisas. O aprendizado é uma coisa maravilhosa. É muito gratificante e emocionante quando você vê um trabalho pronto feito pelas alunas. Não tenho palavras… temos que seguir em frente e não deixar esta arte morrer”, conta.

Maria Luiza afirma: “Esta arte é tudo que sei na minha vida, pretendo continuar enquanto tiver força e sei que Deus vai me conceder essa bênção. É o meu tudo”.

Na internet

Se para algumas pessoas o crochê é apenas um hobby, para a youtuber Bianca Moraes, de 28 anos, já virou coisa séria. Ela começou a fazer crochê em 2011, depois de se apaixonar pelo amigurumi, uma técnica usada para a confecção de bonecos em 3D. “Antes, não gostava de crochê, achava meio brega, meio coisa de avó, mas conheci o amigurumi e comecei a olhar com outros olhos para mantas e cestas”, comenta.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
Apaixonada por amigurumi, a youtuber Bianca Moraes, de 28 anos, utiliza a internet para ensinar a fazer bonecos (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A youtuber conta que aprender a crochetar também foi um desafio. A mãe dela até sabia, mas desconhecia a técnica que tinha encantado a jovem. Informações em português, na internet, também eram difíceis de encontrar, mas um vídeo ajudou Bianca a dar os primeiros passos. “Achei um vídeo com a qualidade bem baixa de imagem que ensinava fazer. Aprendi e fiz primeiro um coraçãozinho e depois fui indo cada vez mais”, lembra.

A jovem não só conseguiu fazer o amigurumi como também virou expert no assunto. De aluna, passou a ser professora. Hoje, além de confeccionar os bichinhos, ela dá aula e grava vídeos para o YouTube. O canal dela, o Two Bee, tem mais de 94 mil inscritos, a maioria deles entre 24 e 35 anos. Ela ainda conta que também tem o público mais velho em busca de novas técnicas.

Para Bia, como é conhecida, o melhor é o feedback que recebe dos seguidores. “A quantidade de gente que entra em contato comigo falando que está melhorando de depressão ou ansiedade por causa do crochê é muito grande”, comemora. Efeito positivo para os seguidores e para ela própria. Segundo a youtuber, mais que trabalho, a prática se tornou uma espécie de terapia. “É quase uma meditação.”

O menino que conquistou a web

O crochê também tem lugar especial entre o público infantil. Um menino de 12 anos viralizou na internet com seus vídeos fazendo crochê. De fato, a facilidade com que Junior Silva maneja as agulhas é incrível. Os primeiros pontos ele aprendeu com a irmã e, mais tarde, desenvolveu as habilidades com a ajuda da avó e da tia. O canal dele no YouTube conta com mais de 42 mil inscritos e no Instagram (@juniorcrocheteiro) são cerca de 28 mil seguidores. Nos vídeos, ele ensina a fazer alguns pontos, além de contar um pouco sobre a vida. Enquanto o garoto conversa, é impossível tirar o olhar da agulha e da linha que ele utiliza com tanta agilidade e perfeição.

Eles não só podem, como devem
Homens rompem preconceitos e mostram que crochetar não é coisa de mulher. Empresário encontra nesta arte não só um hobby, como também uma forma de relaxar e curtir a família

Alguns novelos de linha, agulhas e lindas peças de crochê. Por trás delas, um homem barbudo, casado e provando que se engana quem pensa que crochê é coisa de mulher. O empresário Fabiano Figueiredo, de 43 anos, começou a crochetar há seis meses e já tem a atividade como um hobby em comum com a mulher e um ótimo meio de relaxar e curtir a família.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
"Não penso em fazer sapatinho de bebê, mas posso fazer uma capa para o vaso da suculenta, um quadro superbacana de super-herói" - Fabiano Figueiredo, empresário (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A oportunidade surgiu no próprio trabalho. Fabiano tem uma empresa que oferece cursos, entre eles o de crochê. “Quando a nossa empresa começou a oferecer esse tipo de conteúdo, pensei: por que não?. Então, decidi fazer. Tem sido superbacana porque, quando faço, relaxo”, relata.

Fabiano encarou o curso cheio de vontade de aprender e sem nenhuma resistência. A facilidade das mulheres em lidar com os fios era clara, mas isso não o assustou. Apesar de parecer mais complicado para ele, o empresário não desistiu. “Várias das alunas já tinham algum conhecimento. Acho que, culturalmente, elas já carregam isso. As pessoas ensinam, simplesmente pelo fato de elas serem mulheres. Para o homem, não.”

CONQUISTA DE ESPAÇO

Mas os tempos são outros e, para Fabiano, o crochê saiu do contexto da “vovó” e vem ocupando o seu espaço, com formas e técnicas diferentes. A técnica escolhida pelo empresário foi o maxcrochê com fios de náilon. “Tenho uns projetos mirabolantes. Não penso em fazer sapatinho de bebê, mas posso fazer uma capa para o vaso da suculenta, um quadro superbacana de super-herói, enfim, posso inventar com o crochê”, destaca.

O empresário constata que o preconceito ainda existe. Em sua empresa, por exemplo, 99% dos alunos do curso de crochê são mulheres e, segundo ele, o assunto segue tabu nas rodas de conversas masculinas. Mas Fabiano não se importa e afirma que seria muito legal que outros homens entrassem no embalo das linhas. “Escolher algo diferente para fazer na vida é o que muda a gente. Não é por ser crochê ou bordado, é pela sua escolha de fazer algo diferente”, ressalta.

Entrevista
Janaina Pinheiro - crochet designer

Arquivo Pessoal
(foto: Arquivo Pessoal)
Estímulo à criatividade

Janaina Pinheiro, de 42 anos, é daquelas pessoas que não se contentam com o comum. Em busca de uma vida mais tranquila, foi em direção a algo para chamar de seu. Hoje, a ex- representante comercial se dedica ao crochê, arte que faz com muita dedicação. Para a produção das peças, a designer aponta que é preciso, além de qualidade, um preço competitivo, já que há uma desvalorização do trabalho artesanal.

Como e por que decidiu se aventurar no crochê?

Resolvi aprender a fazer crochê porque eu queria fazer algo meu, depois que saí do meu emprego e me mudei. Sempre tive um jeito para o artesanato. Comprei linha e agulha pela internet e uma revista que ensinava a fazer crochê. Quando ela chegou, levei um susto, porque a revista que ensina vem com uns gráficos que só as pessoas que têm muita prática conseguem ler. E quase desisti. Porém, entrei no YouTube e comecei a ver vídeos e sozinha mesmo. Insistentemente, fui aprendendo e aprendi rápido. Mas sempre estou aprendendo.

Como surgiu a ideia de vender e comercializar os seus produtos?

Sobre a ideia de vender, na verdade, eu quis aprender o crochê para sobreviver disso. Como eu queria ficar mais calma, ter uma vida mais tranquila e morar longe da cidade, vi isso como uma solução. Comecei a vender pela internet. E hoje vendo pela Instagram, Facebook, participo de feiras e vendo muito em grupos no WhatsApp. Faço as propagandas nessas redes e esse é o meu canal. Foi a minha opção pra ter um horário fixo, já que o crochê exige dedicação e concentração. Então, pra fazer uma peça tem que estar tranquilo e não pode ser em dia corrido. E essa foi minha opção.

É possível 'viver' com trabalhos feitos com os crochês?

É possível. Porém, para fazer uma peça é preciso tempo. Não consigo produzir uma demanda muito grande. E também uma situação que afeta é a desvalorização do trabalho artesanal. As pessoas não pagam o valor merecido ao trabalho, é muito trabalho e muito artesanal. Então, temos, sim, uma dificuldade para vender.

O que o crochê trouxe para a sua vida e como está presente?

Eu vejo como se fosse uma meditação. Sempre meditei e vi que era como meditar. Acalma muito, deixa a gente tranquila e fora que é muito gostoso. E quando comecei, isso me estimulou a querer aprender. Com o crochê me desenvolvi. Percebi que era capaz de criar coisas que não nunca imaginei. Cada vez mais, quanto mais eu faço, mais quero criar novas peças. Vem mil ideias e isso estimula a criatividade.

Do presídio para as passarelas

Agência Fotosite
(foto: Agência Fotosite)

A última edição da São Paulo Fashion Week, realizada em abril, recebeu na passarela o Projeto Ponto Firme, comandado voluntariamente pelo estilista Gustavo Silvestre. A iniciativa trouxe detentos da Penitenciária Desembargador Adriano Marrey, em Guarulhos. Considerando a importância de uma narrativa dentro de uma coleção de moda, 20 presidiários expressaram o cotidiano deles por meio das roupas em crochê e tricô, todos ensinados por Silvestre. Ele destaca a relevância do projeto como agente de transformação. “Eu era estilista, estava passando por um momento de incerteza e o crochê mudou a minha vida, trouxe liberdade e autonomia. Não precisava mais de modelista, cortador, estamparia, nada disso. Eu me bastava com uma linha e uma agulha. Quando recebi o convite para ensinar crochê na penitenciária, pensei que isso poderia ser bom para eles, como foi para mim.” E assim surgiu o projeto que conversa sobre humanidade sob a perspectiva de segundas chances.

* Estagiários sob a supervisão da editora Teresa Caram e da ssubeditora Sibele Negromonte