Pesquisadores têm mostrado como os altos índices de poluição atmosférica causam impacto na saúde das populações, incluindo a cardíaca. Um novo estudo divulgado na revista European Journal of Preventive Cardiology, porém, mostra que a preocupação em monitorar a quantidade de partículas que poluem o ar não deve se restringir a países e/ou cidades que enfrentam esse tipo de problema regularmente, como China e Índia. Mesmo em locais com o ambiente mais limpo, o aumento rápido de poluidores, principalmente o de óxido de nitrogênio, chega a dobrar o risco de ocorrência de ataque cardíaco.
Florian Rakers e colegas chegaram às conclusões conduzindo um estudo em Jena, cidade alemã com cerca de 110 mil habitantes e considerada um local com ar limpo. O registro de 693 casos de pacientes diagnosticados com ataque cardíaco e admitidos no Hospital Universitário da cidade entre 2003 e 2010 serviu de ponto de partida para os investigadores. “Comparamos os dados de mudanças na concentração de ozônio, PM10 - partículas inaláveis suspensas no ar - e óxido de nitrogênio no ar pouco antes dos primeiros sintomas de ataque cardíaco de cada paciente com os de mudanças dos mesmos poluentes uma semana antes do ocorrido”, explica Rakers, pesquisador da instituição universitária.
Os resultados mostraram que o aumento de mais de 20 miligramas por metro cúbico de óxido de nitrogênio em 24 horas foi associado ao registro de mais do que o dobro do risco de ocorrência de ataque cardíaco (121%). Quando a taxa chegou a 8 miligramas por metro cúbico, a vulnerabilidade caiu para 73%. “Esse risco provavelmente não depende apenas de exposição a longo ou a curto prazo em um ambiente com alta concentração dessas partículas, mas também da dinâmica e da extensão de seu crescimento”, pondera Rakers.
As variações repentinas de ozônio e PM10 não foram associadas à complicação cardíaca, muito embora a exposição a altas concentrações de ambos seja prejudicial à saúde humana, podendo causar doenças pulmonares, problemas cardiovasculares e aumento geral da taxa de mortalidade, ressalta o autor. Rakers também destaca que o estudo não buscou identificar as causas que levam ao aumento repentino dos poluentes.
No caso da mudança rápida na concentração de óxido de nitrogênio, porém, ele acredita que o problema possa ocorrer por alterações na intensidade do tráfego de veículos, como em um feriadão ou no começo das férias. Segundo o pesquisador, na União Europeia, os carros a diesel são a maior fonte de óxido de nitrogênio - mais de 50% são gerados pela combustão de combustíveis fósseis. “Os óxidos de nitrogênio são emitidos principalmente pelos transportes, é preciso reduzir o tráfego de carros em nossas cidades”, defende.
Inflamações
Existe mais de uma teoria ou mecanismo que explica como a poluição atmosférica influencia o infarto cardíaco. Ubiratan de Paula Santos, pneumologista do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), explica que, segundo uma delas, o problema ocorre quando o poluente ou a substância química é inalado e entra em contato com os pulmões, causando inflamação. “Assim, a substância é liberada para a corrente sanguínea e torna o sangue mais viscoso, o que aumenta o risco de formação de pequenos trombos, os coágulos, dentro dos vasos sanguíneos. Esses coágulos podem obstruir a veia coronária, aumentando, consequentemente, o risco de infarte cardíaco”, detalha.
Segundo o pneumologista, o aumento da vulnerabilidade visto no estudo ocorre em pessoas que já têm alguma predisposição a problemas cardíacos, mesmo sem ter apresentado sintomas. “Quando essa concentração de poluição piora, o vaso que já era comprometido diminui o calibre da veia coronária, causando o infarto”, exemplifica. Santos diz que o tabagismo e o sedentarismo podem desencadear efeito parecido.
Bruno Ramos Nascimento, cardiologista e professor adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ressalta que a relação entre a poluição atmosférica e a doença cardiovascular é uma questão multifatorial. “Em regiões urbanas, as pessoas, geralmente, têm menor qualidade de vida, como má alimentação, sedentarismo e poluição. Esses são fatores que contribuem para a doença cardiovascular”, diz.
Para o cardiologista, o estudo americano falhou em não analisar se os pacientes tinham riscos anteriores ao infarto, como o diabetes. A equipe dedicou-se a um estudo retrospectivo, ou seja, focado na análise de dados de pessoas que já tinham infartado, e avaliou as variações de poluição antes do problema de saúde. “Ainda assim, a evidência é forte e está em acordo com as limitações”, ressalta.
Parâmetros mundiais
As recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto à qualidade do ar para PM10 e PM2.5, poluentes suspensos no ar que incluem sulfato, nitratos e carbono negro, são: em 24 horas, 25 microgramas por metro cúbico de PM2.5, e 50 microgramas por metro cúbico de PM10. Reduzindo apenas a concentração do PM10 para 20, cerca de 15% das mortes relacionadas à poluição do ar seriam reduzidas, estima a OMS.
Além da Alemanha
Os resultados do estudo alemão estão limitados à cidade de Jena e, por ser o primeiro estudo do tipo, não foi estendido para outros países. “Até agora, não ampliamos, mas incentivamos mais pesquisas sobre o tema. Ficamos surpresos com a magnitude do efeito e, mesmo que não possamos demonstrar a generalização dos resultados, achamos que é altamente provável que eles se apliquem a outros lugares”, diz Florian Rakers, pesquisador do Hospital Universitário de Jena.
O fato de o estudo ter sido conduzido em uma cidade com ar limpo chamou a atenção do pneumologista Ubiratan de Paula Santos. Segundo o professor, em locais que enfrentam a poluição atmosférica, os impactos devem ser maiores e merecem atenção. “Em cidades grandes já poluídas, principalmente em horários de trânsito intenso, as variações são altas e há uma queima grande de óxido de nitrogênio. Por isso, o risco deve ser muito maior”, explica.
Segundo Rakers, também é preciso analisar, em novos estudos, os impactos do aumento da concentração de poluentes do ar na ocorrência de outras doenças, como o derrame cerebral. “Estudos de maior escala em áreas urbanas e rurais são necessários para reproduzir os achados, as associações descritas e que doenças podem ser resultadas”, conclui.
SAIBA MAIS » Antes de nascer
Pela primeira vez, uma pesquisa científica mostra a relação entre a exposição à poluição do ar antes do nascimento e a ocorrência de dificuldade de autocontrole, relacionada a comportamentos impulsivos, como vícios e hiperatividade. O trabalho foi conduzido por pesquisadores do Instituto de Saúde Global e do Centro Médico da Universidade Erasmus de Roterdã, na Holanda, e divulgado, neste mês, no jornal Biological Psychiatry. Os pesquisadores avaliaram os níveis de poluição do ar na casa de 783 gestantes, incluindo níveis de dióxido de nitrogênio e partículas finas. Seis a 10 anos depois do nascimento, as crianças tiveram a morfologia do cérebro avaliada por imagens cerebrais. A exposição a partículas finas durante a vida fetal foi associada a um córtex mais fino - a camada externa do cérebro - em várias áreas de ambos os hemisférios. A mudança, segundo os autores, pode explicar o comprometimento no autocontrole. Chama a atenção ainda no estudo o fato de 95% das mães das crianças estudadas terem passado a gestação em ambientes com níveis de poluição considerados seguros pela União Europeia. “Portanto, não podemos garantir a segurança dos níveis atuais de poluição do ar em nossas cidades”, disse Mònica Guxens, autora principal do estudo.
PALAVRA DE ESPECIALISTA » Controle é primordial
Bruno Ramos Nascimento, professor adjunto da Faculdade de Medicina da UFMG
“A relação entre poluição e infarto não é uma novidade, mas esse tipo de achado, junto a dados anteriores, confirma suspeitas sobre o malefício para a saúde e reporta a importância do controle de poluentes ambientais. As cidades têm níveis cada vez mais elevados de poluição e, com o número grande de pessoas expostas, esse controle se torna uma necessidade. A exposição à poluição do ar cada vez mais, assim como para outras doenças, aumenta as chances do infarto cardíaco.”
*Estagiária sob supervisão da subeditora Carmen Souza