Pessoas que estão obesas ou com sobrepeso por muitos anos devem ter cuidado redobrado com a saúde cardíaca. É o que sugere estudo do Johns Hopkins Medicine, em Maryland, Estados Unidos. Segundo pesquisadores da instituição, quanto maior o tempo de briga com a balança, maior é o risco cardiovascular, devido ao impacto prolongado à musculatura cardíaca. E o pior: a vulnerabilidade segue mesmo quando se consegue emagrecer.
“Indivíduos com obesidade atual e anterior apresentam maior probabilidade de lesão miocárdica”, ressalta Chiadi Ndumele, professor-assistente da Faculdade de Medicina da universidade americana e principal autor do estudo, publicado na revista Clinical Chemistry. Para chegar à conclusão, Chiadi Ndumele e sua equipe analisaram os dados de 9.062 voluntários, com idade entre 45 e 64 anos e participantes do estudo “Atherosclerosis risk in communities”, um estudo prospectivo epidemiológico realizado em quatro cidades dos EUA de 1985 a 2016.
Para formar o banco de dados, homens e mulheres foram visitados quatro vezes, tiveram o índice de massa corporal (IMC), o histórico de doença cardíaca e os níveis da enzima cardíaca troponina avaliados e autorrelataram quanto pesavam aos 25 anos. As analisar os dados, a equipe do Johns Hopkins descobriu que quase 23% dos recrutados sofreram aumento do IMC entre 1987 e 1998, sendo que, na quarta visita, 3.748 (41%) estavam com excesso de peso e 3.184 (35%) estavam obesos.
O nível de troponina, indicador clínico para dano cardíaco, também foi avaliado pelos pesquisadores.
O pesquisador diz que os mecanismos que ligam a obesidade a danos no miocárdio, responsáveis, por exemplo, pelos infartos, ainda não são precisos, mas que o estudo mostrou que as condições comumente associadas ao excesso de peso, como hipertensão, diabetes e colesterol alto, não são justificativas para essa conexão, uma vez que os resultados foram semelhantes entre aqueles que tinham e os que não tinham essas condições. “Temos a hipótese de que o excesso de gordura exerce, provavelmente, efeitos tóxicos diretos no coração, por meio de cargas de pressão mais elevadas; efeitos tóxicos de gordura dentro do músculo cardíaco; e efeitos inflamatórios no tecido adiposo”, lista.
Para a professora de nutrição da Universidade Federal de Goiás (UFG) Maria Aderuza Horst, o fato de os pesquisadores terem excluído indivíduos com doenças cardiovasculares é um fator importante. “Eles retiram um elemento que poderia aumentar falsamente a relação entre excesso de peso e danos do miocárdio”, explica.
Biomarcador
Roberto Kalil Filho, professor titular de cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Instituto do Coração, avalia que o estudo aborda uma questão clássica sobre obesidade e doença cardiovascular. “A novidade é que eles mostraram que a obesidade, por si só, é um fator de risco para a lesão no músculo do coração”, conta.
Maria Aderuza Horst concorda, mas destaca que o tamanho da amostra da pesquisa também merece destaque. “Esse estudo é importante, uma vez que avaliou um grande número de indivíduos e utilizou um biomarcador de danos do miocárdio, a troponina cardíaca de alta sensibilidade, e fez uma associação com o tempo de excesso de peso”, detalha. Segundo a professora da UFG, um fator limitante da pesquisa é que o peso dos participantes aos 25 anos foi autorrelatado. Como eles iniciaram o estudo com 45 a 64 anos, podem ter ocorrido lapsos de memória.
Chiadi Ndumele conta que ele a sua equipe trabalham, agora, estudando as doenças com que a obesidade está associada aos danos no miocárdio e também o quanto essas lesões são diminuídas com a perda de peso. Para Roberto Kalil Filho, independentemente dos resultados, o emagrecimento deve ser estimulado. “É importante a perda de peso para tratar e evitar mais lesões no miocárdio”, justifica.
Tamanho do abdômen também merece atenção
O controle da circunferência abdominal é outro fator que merece tanto a atenção quanto o que mostra a balança, alerta Fernando Nobre, cardiologista e coordenador da Unidade Clínica de Hipertensão da Divisão de Cardiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP). O saudável é que mulheres tenham até 88cm e homens, 102cm. “O risco de doenças cardiovasculares cresce se aumentam desses valores”, alerta.
O especialista diz que a relação entre sobrepeso/obesidade e o aumento do fator de risco para doença cardiovascular não é questionada na área médica. “São frequentes e concorrem para, pelo menos, o triplo de ocorrência de infarto”, observa. “O que precisamos é de orientações claras e consistentes para a manutenção do peso corporal, avaliadas pelo IMC e pela circunferência abdominal, para a redução do impacto que eles determinam para a saúde cardiovascular”, sugere.
Apoio múltiplo
Professora voluntária da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB) e cardiologista do Hospital de Base, Fernanda Weiler ressalta outro ponto “alternativo”, mas com impacto na saúde do obeso. Ela fala sobre a importância de uma abordagem multidisciplinar, com endocrinologista, nutricionista, psicólogo, educador físico, terapeuta ocupacional e o próprio cardiologista.
O enfrentamento precoce é mais uma medida apontada pela especialista. “É comum o paciente jovem não fazer consulta de rotina com o cardiologista.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
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Fernanda Weiler - professora voluntária da Universidade de Brasília (UnB) e cardiologista do Hospital de Base
“O estudo desenvolvido pela Universidade Johns Hopkins demonstra o que havia muito tempo já desconfiávamos: a obesidade, independentemente de qualquer outro fator associado, causa danos à musculatura cardíaca. Ou seja, a novidade desse artigo é provar que, ainda que o paciente acima do peso tenha taxas de colesterol e glicemia normais e mantenha os níveis pressóricos controlados, ele apresenta maior risco de desenvolver insuficiência cardíaca a longo prazo. E mais: ele aponta que a manutenção da obesidade ao longo dos anos é ainda mais prejudicial. Assim sendo, um jovem obeso tem maior probabilidade de desenvolver doença no coração caso mantenha o IMC aumentado até a meia-idade. O controle do peso, portanto, deve ser feito precocemente.”
* Estagiária sob a supervisão da subeditora Carmen Souza.