A febre do Nilo Ocidental é uma doença parecida com o zika - também causada por um flavivírus e transmitida por meio da picada de um mosquito. Pesquisadores dos Estados Unidos resolveram investigar se as semelhanças param por aí. E, em experimentos com ratos, descobriram que não. O vírus causou danos cerebrais em fetos de cobaias prenhas, como a microcefalia desencadeada pelo zika vírus em bebês humanos. Para os autores, os achados reforçam a necessidade de se combater a enfermidade - que é mais incidente nos Estados Unidos, mas já registrada no Brasil - e de se manter vigilante quanto a outros micro-organismos com ação similar.
O trabalho publicado na Science Translational Medicine, aliás, envolve quatro “primos” do zika: o vírus da febre do Nilo Ocidental, o mayaro, o powassan e o chikungunya, também presente no Brasil (leia Saiba mais). “Nós suspeitamos que o vírus zika não era o único com a aptidão de atravessar a placenta. Em parte com base em estudos prévios em camundongos, por causa de casos esporádicos de vírus do Nilo Ocidental e também de outras infecções relacionadas a flavivírus que causaram aborto espontâneo ou defeitos congênitos”, conta ao Estado de Minas Jonathan Miner, professor do Departamento de Medicina, Patologia, Imunologia e Microbiologia Molecular da Universidade de Washington e principal autor do estudo.
Segundo Miner, um estudo epidemiológico do vírus do Nilo Ocidental mostrou dois casos de microcefalia em uma amostra de 72 episódios da doença, mas a pesquisa foi considerada pequena demais para estabelecer uma ligação definitiva entre o micro-organismo e os danos cerebrais.
A equipe injetou um dos quatro vírus em ratas que estavam no sexto dia de gestação. Uma semana depois, foram examinadas as placentas das cobaias. Constatou-se que todos os micro-organismos infectaram as placentas e os fetos, mas os níveis de contaminação da febre do Nilo Ocidental foram de 23 a 1.500 vezes superiores aos dos outros três patógenos nas placentas, e de 3 mil a 16 mil vezes mais altos no cérebro dos fetos. Cerca da metade dos fetos cuja mãe foi infectada pelo Nilo Ocidental ou pelo Powassan morreu dentro de 12 dias. Não houve óbitos nos outros dois grupos.
Placentas humanas também foram infectadas.
Werciley Júnior, infectologista e chefe da Comissão de Controle de Infecção do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, ressalta que, apesar de o comportamento dos vírus estudados ser cogitado, isso ainda não havia sido abordado cientificamente. “É um artigo que resolveu estudar vírus que são da mesma família e investigar se eles teriam o mesmo efeito, o retardo de crescimento cerebral. A ideia é bastante interessante, pois, se temos um grupo similar, é de se esperar a possibilidade de eles agirem da mesma forma, o que foi comprovado com a pesquisa”, diz.
Mais testes
Os pesquisadores salientam que, apesar de os resultados indicarem semelhanças, mais pesquisas são necessárias para afirmar se outras infecções podem causar aborto espontâneo e danos cerebrais. “Milhões de pessoas foram infectadas com zika em um curto espaço de tempo, e acho que é mais fácil ver, em humanos, que esse vírus pode causar danos ao feto.
O autor do estudo adianta que as pesquisas futuras poderão ajudar no tratamento do zika. “Meu laboratório está trabalhando para entender como o sistema imunológico fetal luta contra os vírus, o que, eventualmente, pode levar a novas terapias que limitem a propagação do zika e de outros vírus que conseguem ultrapassar a placenta”, diz. O próximo passo mais importante, porém, segundo Miner, é fazer estudos epidemiológicos adicionais para definir mais claramente se os flavivírus têm efeitos semelhantes nos seres humanos.
Independentemente dos resultados futuros, o cientista chama a atenção para a importância da prevenção. “Eu não quero que as pessoas pensem que estamos dizendo que o Nilo Ocidental é definitivamente uma ameaça para as mulheres grávidas e seus bebês. Estamos dizendo que é possível. Mas até que possamos saber com certeza, é sempre uma boa ideia usar o repelente de insetos”, diz. Werciley Júnior pondera que as doenças não são tão comuns no Brasil. “Porém, com a globalização, a chance de elas virem a crescer no país é real.
No Piauí
Em junho do ano passado, a Secretaria de Estado da Saúde do Piauí notificou 10 suspeitas de casos do vírus da febre do Nilo Ocidental. Um deles, em Teresina, resultou na morte da pessoa infectada. Segundo o Instituto Evandro Chagas (IEC), que fez os exames de detecção da doença, todos os testes mostraram uma “reação cruzada”, ou seja, uma positividade simultânea com outro flavivírus, como zika, dengue e vírus da encefalite de Saint Louis. A condição sinaliza que, nesses casos e nos registros de zika e chikungunya feitos no Brasil, há a possibilidade de ter sido atribuído a uma complicação ao micro-organismo errado ou de que os problemas foram causados por mais de um patógeno.
SAIBA MAIS
FAMÍLIA IMPACTANTE
A febre do Nilo Ocidental é transmitida por meio da picada de mosquitos do gênero Culex e tem como principais sintomas febre aguda, ânsia e mal-estar. A mayaro, doença que provoca febre hemorrágica, é parecida com a dengue: causa os mesmos sintomas e a recuperação do paciente se dá, geralmente, em duas semanas. Já a Powassan foi batizada com o nome da cidade em que surgiu, em Ontário, no Canadá. É considerada uma enfermidade rara e, geralmente, ocorre em regiões rurais ou selvagens. No caso da chikungunya, as febres, as dores nas articulações e a possibilidade de a pessoa enfrentar sequelas durante anos é o que mais preocupa. A doença é registrada praticamente em todo o mundo, mas é mais incidente na África, Índia e Ásia..