Assumir os fios brancos, além de dedicação, exige um bom relacionamento consigo mesmo e coragem para a aceitação. A cada dia, a moda dos grisalhos ganha mais adeptos – muitas vezes, um desafio para as mulheres, que, aos poucos, se livram das tintas e do culto à eterna juventude. A tarefa não é fácil, mas dar esse passo pode mudar não só uma imagem vista no espelho, mas, sobretudo, a forma como a vida é vivida, com mais leveza.
Levantamento da FSB Pesquisa, encomendado pela Avon, constatou que 14,4% das mulheres acima dos 45 anos já adotam o estilo platinado nos cabelos. E mais: 61,1% gostam da ideia de assumir os brancos. Para essa parcela de entrevistadas, mais que uma simples rebeldia aos padrões de beleza, esse é um sinal de atitude.
Por todos os lugares, é possível observar que o estilo é bem-vindo. Na internet, blogueiras americanas se reuniram para ajudar mulheres que, assim como elas, desejam passar pela revolução grisalha - nome dado ao site em inglês, Revolution Gray. Lá, é possível encontrar imagens e a história de transição de cada uma das quatro participantes que adotaram os fios brancos antes dos 50. A página traz ainda dicas, compartilha experiências tocantes e dá informações para pessoas que estão passando pelo mesmo processo.
Nas telas, várias atrizes destacam a beleza do cabelo grisalho. Recentemente, Sophie Fontanel, escritora e jornalista francesa especializada em moda, usou o tema como inspiração para lançar sua mais recente obra. O livro Une apparition, sem tradução para o português, relata a experiência de dar adeus às tinturas e aceitar os fios naturalmente brancos – processo também compartilhado, em todas as etapas, com os mais de 100 mil seguidores nas redes sociais.
NOVA MOLDURA
O ano de 2016 foi um tempo de crescimento não só para os cabelos, mas também para a própria vida de Ana Flávia Coelho, de 54 anos. Após passar pelo tratamento de um segundo câncer, a empresária, que perdeu os fios por conta da quimioterapia, teve a oportunidade de ressignificar a moldura que, como ela define, cobre nossas cabeças. “Quando perdi os cabelos, passei por um momento de muita meditação. Tentei usar peruca, lenço, mas nada me deixava confortável. Não me sentia eu. Comecei a aceitar minha careca como uma declaração pública de não estar nem aí para o que os outros pensavam. Era como uma nudez madura”, conta. Quando as primeiras pontinhas de cabelo começaram a aparecer, após alguns meses, Ana se sentiu à vontade para entender o novo “presente” recebido pelo corpo - os fios brancos.
"Acompanhar o nascimento desses branquinhos depois de eu ter ficado careca foi como a continuidade de um processo de renovação e crescimento" - Ana Flávia Coelho, de 54 anos, empresária
Efeito bicolor
Cansadas de se submeter a tinturas regulares e sofrer com os produtos químicos, mulheres assumem os cabelos brancos e contam com a ajuda de especialistas para fazer essa transição
A tendência de assumir os fios brancos chegou à Europa, originária dos Estados Unidos, e se popularizou há alguns anos. Mulheres de 30, 40, 50 anos ou mais passaram a expressar, por meio dos cabelos, que estavam fartas de se submeter a pinturas regulares e a sofrer com os produtos químicos. Cabeleireiros e profissionais da área aproveitam a fase para propor soluções inovadoras durante o período de transição e para atenuar o efeito bicolor. Enquanto isso, aumenta a procura por produtos que evitam o tom amarelado nos fios grisalhos.
Aqui, as brasileiras também lutam pela aceitação e pelo empoderamento dessa revolução. “Assumir essas mudanças significa aumentar a autoestima. As mulheres começam a entender que é possível viver com os cabelos brancos e, mesmo assim, continuarem jovens, saudáveis, interessantes e, acima de tudo, belas”, ressalta Amsha Carvalho, psicóloga parceira do Hospital Anchieta.
Quem ouve um pouco da história da funcionária pública Cristina Oliveira, de 53 anos, entende que, para ela, a transição do cabelo castanho-escuro para o grisalho veio de forma bastante natural. Ela conta que um dia, quando passava a escova nas madeixas, notou alguns fios brancos. “Descobri que já tinha uma mecha bem grisalha. E achei o máximo! A partir daí, só arrumava o cabelo de uma forma que ela pudesse ficar bem exposta.”
Apesar da pressão da família e do próprio cabeleireiro em esconder a tal mecha, Cristina não se deixou abalar e bancou a decisão: mudou de salão e tratou com naturalidade as opiniões dos parentes. “Nunca pintei o cabelo. Sempre fui bem resolvida comigo mesma e tive muita convicção do que queria. Aceitar os grisalhos não foi nada”, afirma. Desde que começaram a aparecer, há oito anos, os cabelos brancos foram encarados pela servidora pública como um acúmulo de beleza e de experiência adquiridas. “Liberdade. Para mim, é essa a palavra que descreve a aceitação. Sempre me olhei no espelho e gostei do que vi. Para as pessoas, como notavam os fios aparecendo aos poucos, creio que esse processo também foi bem natural.”
ACEITAÇÃO
As mudanças nos valores e na moda, segundo Cristina, contribuíram muito para que tudo fosse percebido de forma simples. Ao ser parada na rua diversas vezes e questionada sobre o que havia feito nos cabelos, ela apenas achava graça e recomendava que as pessoas deixassem de ter medo e aceitassem algo que achavam bonito. “Muita gente que me conhece acabou me seguindo. Hoje, vejo que várias amigas também estão se desprendendo da tinta. Acho isso incrível. Quero que todos se encontrem de alguma forma e se sintam maravilhosamente bem, assim como eu”, diz. Ela garante que, depois de passar por todo o processo, conta com a aceitação da família e dos amigos.
A aposentada Maria Inês Menicucci, de 55, assumiu a idade sem clichê. “Fiquei um tempo pensando. Já pintava cabelo desde os 20 anos e comecei a ter alergia. Não sou muito de frequentar salão. A gente vai amadurecendo e vai vendo que existem coisas mais importantes do que pintar cabelo, mas acho que precisa ter uma certa coragem. Afinal, tem uma maré que faz você se sentir mais velha”, afirma.
Maria Inês conta que sentiu uma pressão (em deixá-los brancos) e viu que tudo era bobagem. Ela enfrentou um câncer de mama e se lembra de que, depois que passou pela quimioterapia, os cabelos nasceram “limpinhos e novinhos”, e ela decidiu mantê-los assim. “Só de não ter que aguentar salão – além de mais econômico - já vale a pena (risos). É a sensação de se assumir verdadeiramente. Hoje, ando vendo tanta mulher assim que já é a coisa mais normal do mundo. Na Europa, por exemplo, tem demais.”
DEPOIMENTO
Sinal de liberdade
“Desde 2012 não pinto os cabelos. Eu me cansei, sabe? Tanta tinta, tanta química e eu não era disciplinada. Aí, pensei: vou parar de vez. Não pinto mais. Fui cortando até a química toda do cabelo desaparecer. Sinto-me bem, aliás, todo mundo elogia meu cabelo. As pessoas me falam que querem deixar suas madeixas sem pintá-las, mas que não têm coragem. Muitas querem assumir. Olham, ficam babando, mas a coragem é pouca. Sempre falo para essas mulheres que acaba a preocupação com tintura. É uma sensação grande de liberdade, tranquilidade e aceitação.”
Recomeçando do grisalho
Assumir os cabelos brancos não é decisão simples para grande parte das mulheres. Um dos grandes desafios nessa nova fase é se segurar para não voltar a tingi-los
Desde os 14 anos, ela já tinha uma mecha alva entre os fios pretos. Com o tempo, esses fios foram aumentando e, já em 2015, grande parte do cabelo da empresária Ana Flávia Coelho, de 54, estava grisalho, mas escondido pelas tinturas. Ela perdeu os fios por conta da quimioterapia. “Depois de eu ter ficado careca, decidi não pintar mais. Não pelos produtos químicos. Era uma oportunidade de reeditar minha imagem no espelho”, justifica.
O fato de, durante boa parte da vida, levar consigo a mecha branca, acredita Ana Flávia, não altera o susto de ter que lidar com os cabelos agora grisalhos. “Tive que reavaliar a figura que eu via no espelho e passei por um processo de compreensão para aceitar essa nova fase pela qual estou passando.”
APOIO DA FAMÍLIA
Apesar de arredios no início, Ana Flávia teve o apoio do marido e dos filhos na escolha de deixar as tinturas de lado. “Acho que eles curtem porque sabem que é algo que me faz bem. Não me sinto feia, não me sinto menos. Pelo contrário. Gosto do que vejo. Meu cabelo não me mudou nem faz nenhuma diferença em mim”, acredita. Essa nova marca, para ela, é uma oportunidade de apenas ajustar o cabelo para que ele fique de acordo com o espírito. “O grisalho aparece para nos mostrar que estamos longe de ser velhinhas só porque temos o cabelo branco. É uma nova forma de enxergar a vida.”
O mais novo desafio da empresária é lidar com a rebeldia dos fios. “Sinto-me como uma adolescente pegando o jeito para arrumá-los”, brinca. É preciso hidratar, cuidar e prevenir o amarelamento. “Vejo muita gente que se abandona só porque tem cabelos brancos. Isso não pode ser sinal de desistência.”
REFLEXÕES
A psicóloga Nádia Viana Salomão Machado, de 58, deixou de pintar os cabelos em dezembro do ano passado. Para tomar essa decisão, ela conta que passou por um longo processo de amadurecimento, fruto de muitas reflexões. “Os brancos começaram a surgir antes dos 30 anos, e logo iniciei o tingimento, inicialmente com hena e mais tarde com tinta. Durante muito tempo não me importava em pintar, nem sequer questionava essa prática. Nos últimos anos, passei a tingir o cabelo de 15 em 15 dias para 'esconder' os brancos. Comecei a ficar incomodada: tintas com produtos químicos, coceiras, alto custo e muitas horas em salões de beleza.”
Nádia parou de tingir quando esses questionamentos se intensificaram e a vontade de optar pelo natural ficou mais forte. “Cortei o cabelo aos poucos até ficar bem curtinho e sem vestígio de tinta. Três meses após o último tingimento, os cabelos já estavam em seu estado natural, e a sensação foi de liberdade, alegria e paz”, diz.
Às mulheres que querem deixar o branco, ela diz que acha válido conversar com outras que já o assumiram, encontrar um cabeleireiro que dê apoio e acompanhamento, e pesquisar fotos e filmes de mulheres com cabelos grisalhos ou brancos. “Essas medidas fortaleceram minha vontade para a tomada de decisão. Quanto à idade, os cabelos brancos mostram um processo natural. Ao contrário do que muitos pensam, o branco não está associado necessariamente ao desleixo, mas pode representar dignidade, beleza, autoaceitação e autorrespeito.”
Passar pela transformação
Abandonar a tintura requer dedicação. Depois do preparo psicológico para abraçar essa nova fase, um dos grandes desafios em assumir os cabelos grisalhos é se segurar para não cobri-los, uma vez que o crescimento não é homogêneo e ocorre aos poucos - normalmente, começa a partir das laterais em direção ao centro e ao topo da cabeça. Para o hairstylist especialista em cabelos grisalhos Gustavo Alves, aceitar os fios brancos é valorizar a beleza de cada fase da vida e trazer a individualidade de volta ao foco, sem se importar com certas opiniões. “É preciso entender que os cabelos brancos são tão lindos e modernos quanto os coloridos”, ressalta.
Não é porque estão descoloridos que os fios merecem ser esquecidos. Por serem muito claros e ter uma textura mais porosa, eles precisam de cuidados específicos e tratamentos periódicos, que podem ser feitos tanto em salões de beleza quanto em casa. Especialistas indicam o uso de xampus sem conservantes químicos e condicionadores livres de petrolato.
As madeixas devem ser hidratadas semanalmente ou a cada 20 dias - neste caso, de forma mais profunda. “Como os fios brancos são mais ressecados e têm menos elasticidade e brilho do que os mais jovens, para o dia a dia sugerimos o uso de protetor solar para cabelo, que evita o aspecto amarelado”, recomenda o hairstylist.
Quando a aplicação de tinta é suspensa, algumas opções são apostar nos cortes para diminuir a impressão de duas cores, utilizar acessórios, como faixas ou lenços, ou optar pelo tom platinado. Assim, podem ser feitos procedimentos em que a madeixa escura é transformada em branco perolado por meio de tintura específica. Depois que o branco fica homogêneo em grande parte dos fios, um corte remove a química perolada e deixa o cabelo todo natural.
ATENÇÃO DIFERENTE
O cabeleireiro Renato Neves explica que, apesar de o cabelo grisalho ser mais resistente, com um fio mais grosso e aparentemente rebelde, quando tratado de forma adequada não resseca ou desenvolve pontas duplas. “Os cuidados são os mesmos que recomendaríamos para qualquer mudança grande na cabeleira. Cada tipo de fio exige uma atenção diferente. É necessário consultar um especialista para entender como cuidar de forma adequada.”
Se não fosse pelos reflexos para disfarçar a diferença de tonalidade, Maria de Oliveira, de 61, não teria passado de forma tão tranquila pelo processo de transição para o grisalho. Quando começou a ter os primeiros fios brancos, aos 50, a aposentada tratou logo de escondê-los. Com o tempo, a rotina de cuidados foi ficando cada vez mais difícil: era necessário retocar a raiz a cada 10 dias. Depois de várias tentativas com novas formas de pentear as madeixas, e até mesmo o uso de lápis que prometia esconder a raiz, ela optou por assumir a mudança do visual. “Não foi fácil. Meu cabeleireiro recomendou que eu fizesse os reflexos para que não ficasse com aquele sinal de desleixo. Acho que foi isso que ajudou”, conta.
Na família de Maria, o susto foi grande. “Muitos falam que eu fico envelhecida e não aceitam. Apesar de não ter tanto apoio, eu me sinto bem.” Agora, sem pintar o cabelo há seis meses, a aposentada gosta da imagem que vê e afirma que seu único erro foi ter começado a aplicar as tinturas há alguns anos. Mãe de três filhos e avó de três netos, a mais nova grisalha garante que a aceitação é tudo. “Não adianta começar o processo se não estamos preparadas. É preciso não sofrer com a própria imagem”, diz.
Com muito bom humor, a aposentada leva os cabelos brancos como uma realidade feliz, que precisa ser encarada. Medo de envelhecer? De maneira alguma. Para Maria, medo seria ficar presa aos padrões de beleza cobrados quando se é diferente. “Costumo comparar os branquinhos com as rugas: ou você assume ou fica se modificando o tempo todo. Acho que isso nos causa tristeza. Precisamos aceitar o envelhecimento e ocupar nosso tempo com coisas que nos deixam felizes.”
*Estagiário sob a supervisão da editora Teresa Caram