A síndrome de Irlen (SI), também caracterizada como estresse visual, é uma disfunção em que o cérebro tem dificuldades de processar a informação captada pelos olhos. Já abordada nesta série Outro olhar, a SI foi descrita há quase quatro décadas pela psicóloga educacional norte-americana Helen Irlen. Apesar de o índice de prevalência ser alto, podendo afetar até 14% da população em geral, ainda é pouco conhecida. Isso dificulta seu diagnóstico e impõe muitos obstáculos aos portadores, entre eles, milhares de crianças em fase escolar. A existência da síndrome provoca debates na comunidade médica e abre um leque imenso de possibilidades para os pesquisadores que buscam aprofundar seus conhecimentos sobre o sistema visual, com o objetivo de ampliar os recursos de diagnóstico e tratamento da disfunção. E é isso que a bioengenheira e pesquisadora Ana Isabel Guzmán está investigando em sua tese de doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). “Como a síndrome de Irlen ainda tem pouca literatura, a primeira parte do meu doutorado está sendo de muito estudo.” Na sequência, Ana irá relacionar seus conhecimentos na engenharia de programação com aquilo que é fisiológico por meio de simulações computacionais e algoritmos.
Retina
Conhecendo as principais hipóteses sobre as causas da SI, podemos identificar algumas partes do sistema visual que são chave. Uma delas é a retina.
Movimentos oculares
Sabemos que a leitura é um processo dinâmico em que os olhos realizam movimentos para extrair as informações: os de fixação, com períodos com olhos estáveis, examinando uma pequena área do estímulo, e os sacádicos ou sacadas, movimentos rápidos, saltando de um ponto a outro. Durante a leitura fluente, sacadas movem os olhos para que a palavra possa ser centrada na retina de modo que seja processada de forma eficaz. No entanto, tanto o comprimento quanto a duração da fixação da sacada variam consideravelmente de palavra a palavra. A análise do padrão do movimento ocular ajuda a diferenciar leitores competentes daqueles com dificuldades de leitura.
Supressão sacádica
No começo da fixação, adquire-se a informação visual, e, a partir daí, dois sistemas neurais começam a trabalhar juntos: o parvocelular e o magnocelular. O parvo tem os detalhes para identificar as letras, e o magno tem a informação grossa da periferia do olho. E cabe ao magnocelular identificar e informar para o parvo a posição da próxima fixação. Para isso, o magno tem que ir mais rápido que o parvocelular, porque é ele que diz para o parvo para onde ele deve olhar.
Simulação computacional
Para conseguir saber se alguma parte da retina está danificada e também para entender as possíveis causas das distorções visuais, simulações computacionais fazem parte da investigação. Pela simulação, é possível testar se as interações das células da retina estão gerando alguma distorção. Ela é feita mediante uma cena de filtros passa alta e passa baixa. Por exemplo, pode ser reproduzido com um filtro passa baixa esse comportamento das células horizontais da retina que pegam a informação das vizinhas e mandam uma nova informação visual para o cérebro. E por que simular isso? A luz que enxergamos, mesmo que pareça branca ou amarela, tem todas as tonalidades agrupadas no seu espectro.
Próximos passos
Simular interações que ocorrem na retina permite ver se é possível que o mau funcionamento nas células fotorreceptoras possa ocasionar as distorções vistas na SI. Como a retina tem muitas funcionalidades, serão feitas várias simulações. Também é preciso continuar as simulações sobre as possíveis falhas na supressão sacádica e provar que é possível, sim, que o sistema magnocelular se atrase.
NÃO É NORMAL VER ASSIM
Ana Guzmán atribui a falta de conhecimento e debate sobre a existência da SI, apesar do alto índice de prevalência na população, à atual condição imposta às pessoas que têm SI em se limitar a viver em uma realidade só delas, em que acreditam que é normal ver o mundo daquela forma, por não terem outro parâmetro. E, dependendo da severidade do caso, mesmo a duras penas, até conseguem conviver com aquilo. “Se ela tiver a sorte de ter pais ou professores interessados que procurem entender o que está acontecendo e busquem por uma solução, terão a oportunidade de corrigir o déficit e evitar prejuízos provenientes dos distúrbios de aprendizagem causados pela síndrome de Irlen”, observa. Ela destaca que no Brasil há uma ampla rede de famílias e profissionais conectados por um “Mundo Irlen” que conseguem compartilhar depoimentos pós-diagnóstico com outras pessoas (#IrlenExisteSim). A especialista explica que a identificação da síndrome de Irlen é feita por profissionais da saúde e educação, devidamente capacitados por meio da aplicação de um protocolo padronizado, conhecido como Método Irlen. O Screening ou Teste de Rastreio detecta as distorções visuais e determina a cor das lâminas ou filtros espectrais que neutralizam tais dificuldades - que variam de pessoa para pessoa..