“Imagine milhares de mosquitos mordendo você. Juntos. E essa sensação se repetindo diversas vezes ao dia.” Essa é a metáfora usada por Michael Cork, pesquisador da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, para descrever a sensação de um paciente com dermatite atópica. A inflamação crônica que atinge tanto adultos quanto crianças e afeta de 10% a 15% da população em alguma época da vida é caracterizada por coceira e manchas na pele. Além desses incômodos, pode afetar a vida social dos pacientes - o desempenho nos estudos e no trabalho costuma ser afetado, por exemplo – e desencadear problemas emocionais graves, como a depressão.
Tantas complicações têm levado cientistas a buscar formas mais eficientes de recuperar a qualidade de vida de pacientes, soluções que passam pelo desenvolvimento de medicamentos e reforço da necessidade de esclarecer a população sobre a dermatite atópica - mesmo não contagiosa, ela leva ao isolamento pela desinformação e pelo preconceito alheios.
Nessa primeira frente, os imunobiológicos, medicamentos feitos a partir de materiais vivos, estão entre as principais apostas. Projetados para atingir um alvo específico da doença, ao contrário dos farmacológicos tradicionais, com ação mais disseminada, eles são mais eficientes, além de ter os efeitos colaterais reduzidos.
“A dermatite atópica possui fatores que envolvem a barreira cutânea e também os emocionais. Cada vez mais, eles estão sendo esclarecidos, o que facilita as terapêuticas que são mais diretas com relação à inflamação que causa essa doença. Acho que agora, no século 21, a tendência é você poder ir direto ao ponto, ser cada vez menos agressivo, reduzindo, assim, os efeitos colaterais”, ressalta Valéria Aoki, professora-associada do Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina da USP.
Durante o 26º Congresso Europeu de Dermatologia e Venereologia (EADV), em Genebra, em setembro, especialistas apresentaram estudo que mostra a ação da dupilumab, um imunobiológico, em pacientes com casos graves da doença. Eles usaram o anticorpo monoclonal humano projetado para inibir simultaneamente a sinalização hiperativa de citocinas IL-4 e IL-13 (Veja infográfico).
A substância foi usada no tratamento de 325 pacientes adultos que não podiam utilizar ou não respondiam positivamente ao uso da droga ciclosporina, prescrita nos tratamentos tradicionais. “Na condição moderada a grave, alguns pacientes param a terapia com ciclosporina por intolerância ou falta de eficácia, ou não são candidatos por causa de outras condições médicas ou medicamentos contraindicados”, explica Marjolein De Bruin-Weller, especialista do Centro de Dermatite Atópica do Centro Médico Universitário de Utrecht, nos Países Baixos, uma das autoras.
A análise durou 16 semanas, e os 325 pacientes foram divididos em três grupos. Um recebeu 300mg de dupilumab semanalmente; outro, a cada duas semanas; e o terceiro grupo o placebo. Os medicados tiveram diminuição considerável dos sintomas. “O uso de dupilumab combinado com corticosteroides tópicos melhorou as medidas gerais de gravidade da doença, incluindo lesões, coceira, medidas de qualidade de vida e sintomas de ansiedade e depressão”, diz Bruin-Weller.
Para os autores, os resultados sinalizam que a substância poderá ser usada em pacientes que tentaram as abordagens terapêuticas existentes, mas não conseguem alcançar resultados positivos. “Eles têm poucas opções de tratamento. Todos os resultados dos estudos com dupilumab demonstram a importância da via IL4-IL-3 na dermatite atópica. Esse é um alvo interessante para outras drogas”, ressalta Bruin-Weller.
Mesma linha
Pelo menos outras três moléculas com ações semelhantes à da dupilumab estão em testes, com previsões de divulgação de resultados entre 2020 e 2022. “Temos estudos em fase dois e três. É um tempo realmente animador. As pesquisas estão evoluindo no tratamento não só de adultos, mas também na área pediátrica”, afirma Eric Simpson, professor de dermatologia na Universidade do Oregon (EUA).
Valéria Aoki destaca que os pesquisadores brasileiros também têm investido nos imunobiológicos. “No Brasil, há muitos pacientes, mas a maioria não tem a forma mais grave da doença. Temos promessas de novos medicamentos imunobiológicos e já contamos com estudos em andamento no nosso país, o que nos traz esperança de que essas terapias possam ser usadas nos próximos anos”, conta a professora da USP.
“Agora, outro ponto importante a destacar é como é fundamental identificar os pacientes que poderão fazer uso desses remédios, pois temos critérios a serem preenchidos”, ressalta a especialista. A substância dupilumab é utilizada para o tratamento da dermatite atópica nos EUA. No Brasil, a liberação para a sua prescrição está em processo de análise na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
* A repórter viajou a convite da Sanofi Genzyme