Estudo cronometra mudanças no sistema imunológico de mulheres durante gestação

Segundo cientistas, a identificação de padrões poderá ajudar no desenvolvimento de técnicas que evitem o parto prematuro

Correio Braziliense 13/09/2017 08:00
Reprodução/Internet/Depositphotos
(foto: Reprodução/Internet/Depositphotos)

Há um relógio mestre que orquestra o funcionamento do corpo - o ciclo biológico, que regula atividades como dormir, se alimentar e produzir hormônios. Seguindo essa lógica, cientistas identificam ciclos intrínsecos a ele, por exemplo, a mudança na temperatura do corpo ao longo do dia e da noite. Uma equipe da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, acaba de cronometrar como o sistema imunológico das mulheres trabalha durante a gravidez. Inédito, o trabalho divulgado em 1º de setembro na revista Science Immunology pode ajudar no desenvolvimento de técnicas que evitem os partos prematuros.

“É realmente emocionante que exista um relógio imunológico da gravidez”, comemora Nima Aghaeepour, autor principal do estudo. “Agora que temos uma referência para o desenvolvimento normal do sistema imunológico durante a gravidez, podemos usar isso como base para estudos futuros a fim de entender quando o sistema imunológico de alguém não está se adaptando à gravidez da maneira que esperamos.”

Já se sabia que o próprio corpo da mãe pode reagir à presença do feto, tratando-o como uma ameaça. A equipe liderada por Aghaeepour conseguiu marcar momentos-chave desse mecanismo. “A gravidez é um estado imunológico único. Descobrimos que o momento das mudanças do sistema imunológico segue um padrão preciso e previsível na gravidez normal”, ressalta o pesquisador. Intervenções teriam impacto direto em um problema como implicações planetárias. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), anualmente, nascem 15 milhões de recém-nascidos prematuros.

Para chegar ao modelo, os investigadores analisaram amostras de sangue coletadas de 18 mulheres que tiveram a gravidez no período recomendado. Cada participante teve o fluido colhido em quatro momentos - em cada um dos trimestres da gestação e seis semanas após o parto. Por meio de uma técnica chamada citometria de massa, desenvolvida também em Stanford, a equipe de cientistas mediu simultaneamente até 50 propriedades de cada célula imune nas amostras de sangue das mães. Depois, contou os tipos de células, identificou quais as vias de sinalização foram mais ativadas em cada tipo e determinou como as células reagiram ao ser estimuladas com compostos que imitavam uma infecção por vírus ou bactérias.

Em uma segunda etapa, os cientistas recorreram a uma técnica avançada de modelagem estatística, quando conseguiram descrever em detalhes como o sistema imunológico muda ao longo da gestação. “Esse algoritmo está nos dizendo como os tipos específicos de células imunes experimentam a gravidez”, disse Brice Gaudilliere, coautor do estudo e pesquisador da Stanford’s Child Health Research Institute. “Em última análise, queremos poder perguntar: ‘O seu relógio imunológico da gravidez corre muito lento ou muito rápido?’”, destaca.

O modelo criado considerou a idade gestacional como uma variável contínua, permitindo, assim, aos pesquisadores considerarem o tempo de cada amostra colhida. Também foi incorporado o conhecimento da literatura científica sobre como as células imunes se comportam em mulheres não grávidas, o que possibilitou a identificação de etapas exclusivas da gestação.

Mapeamento

Para Aghaeepour e os colegas, a abordagem permite uma compreensão do sistema imunológico de uma grávida de uma forma parecida com a de um software de mapeamento que identifica quais ruas são de determinado jeito e oferece as melhores opções de direção. “Se existem vários modelos que são estatisticamente equivalentes, estamos interessados no que é mais consistente com nosso conhecimento existente de imunologia”, explica o autor principal do estudo.

Estudos anteriores na própria Universidade de Stanford e em outros centros de pesquisas indicam que as respostas imunes inflamatórias podem ajudar a desencadear o parto precoce. Se os cientistas liderados por Aghaeepour conseguirem identificar uma assinatura imune do nascimento prematuro iminente, poderá ser possível projetar um exame de sangue para detectá-lo.

O próximo passo do estudo será realizar pesquisas semelhantes usando amostras de sangue de mulheres que tiveram os filhos antes do tempo recomendado. Dessa forma, acreditam os pesquisadores, será possível identificar trajetórias de função imune diferentes do processo normal. “Estamos especialmente interessados em entender mais precisamente o que está acontecendo muito cedo e muito atrasado na gravidez. Nós gostaríamos de ver se realmente há um interruptor que podemos pegar, um ponto que desvia da norma”, conta Aghaeepour.

A interação contra outros mecanismos do corpo da mãe também será alvo de análise. “O sistema imunológico não atua isoladamente, e, agora, estamos muito interessados em avaliar sua interação com outros aspectos da biologia da grávida, como a genética, o metabolismo e as comunidades microbianas do corpo dela. Dessa forma, criaríamos um relógio biológico holístico de gravidez”, planeja o cientista.